“Nos ombros do gigante se consegue ver mais longe.” Esta frase, eternizada no século 17 por Isaac Newton[1], é hoje a grande metáfora para a batalha em torno da questão dos direitos autorais e patentes na internet. Para Newton, o que sabemos é o resultado do conhecimento herdado de pesquisadores e pensadores que nos antecederam.
Assim, segundo o homem que é considerado um dos pais da física moderna, quando há colaboração na ciência é possível ver mais longe, o que imediatamente nos coloca diante da ideia de que quanto mais livre e fluida for a troca de conhecimentos, maior será o beneficio para todos.
A lógica do “ ombro do gigante” entra em conflito direto com a lógica do mercado onde o fluxo dos conhecimentos não é determinado pela colaboração, mas, sim, pelo preço atribuído a dados, ideias e informações — o que inevitavelmente aumenta o custo da inovação e limita a criatividade.
A polêmica sobre o direito autoral é muito antiga, mas ganhou uma nova importância com a chegada da era digital e passou a afetar diretamente a atividade jornalística. Houve uma mudança qualitativa no manejo dos dados, fatos e processos que alimentam a produção de novas ideias, produtos e serviços.
A vertiginosa quantidade de material informativo disponibilizado pela internet gerou um novo ambiente para a inovação ao permitir que um número muito maior de pessoas passasse a desenvolver suas habilidades e competências. Prova disto é a incrível velocidade de produção e diversidade de oferta com que novos produtos e serviços foram incorporados ao consumo mundial desde a invenção do computador e do processo de digitalização.
Até a era digital a produção de conhecimento era extremamente concentrada devido ao altíssimo custo para recolher, processar e publicar informações e conhecimentos. A concentração favorecia o controle e o monopólio, gerando com consequência preços altos e condicionamentos políticos à liberação de inovações — como foi, por exemplo, o caso da frequência modulada em transmissões radiofônicas.
A empresa norte-americana RCA bloqueou durante 10 anos o inicio das transmissões porque tinha o monopólio da tecnologia e queria recuperar primeiro os investimentos feitos no sistema AM.
A rigidez das leis regulando a autoria dificulta e, em alguns casos, bloqueia a criação de novos produtos, porque o custo pela cessão de direitos é tão alto que inviabiliza qualquer nova iniciativa. Esse tipo de restrição acaba estimulando a pirataria porque a internet oferece também inúmeras formas de passar ao largo dos regulamentos e das leis.
Mas o problema mais grave não é a pirataria, como reconhece Sergei Brin, co-fundador do site de buscas Google, numa entrevista ao jornal inglês The Guardian. A ameaça está no futuro na economia mundial, que hoje depende cada vez mais da inovação e criatividade. Brin diz que o livre fluxo de conhecimentos garante o crescimento da economia mundial e que este crescimento depende de uma internet livre. “ A balcanização da rede, provocada por empresas como a Facebook, é uma séria ameaça ao nosso futuro”, diz Brin, que aproveita para defender os interesses da Google, cuja sobrevivência como sistema de buscas na Web depende do livre acesso a todos os sites e bancos de dados na rede.
O que já existe é uma guerra, ainda pouco ruidosa, entre empresas que tentam se agarrar ao velho sistema para ganhar tempo até descobrirem uma forma de sobreviver na era digital; e as novas corporações para as quais o direito de autoria é um freio, pois seu negócio depende da inovação constante. O direito de autoria está associado à era em que quanto mais tempo um produto ou ideia ficasse “na prateleria” maior o lucro do fabricante ou criador.
Hoje o processo é bem diferente. O mais importante passou a ser o processo de desenvolvimento do produto ou ideia. É o que garante a inovação permanente porque a concorrência é inevitável e intensa. No caso dos tablets, a Apple saiu na frente, mas a concorrência imediatamente inundou o mercado com produtos similares, mais baratos e, em alguns casos, até melhores.
Ninguém imagina a Apple tentando impedir que outras empresas também fabriquem tablets. Haveria uma gritaria planetária. O segredo das empresas de ponta está no desenvolvimento constante de novos produtos, sem os freios e limitações da atual legislação sobre direitos autorais e patentes . É na inovação que as empresas começam a ganhar e não em produtos ou serviços isolados.
[1] Na verdade a frase vem da mitologia grega onde o gigante cego Orion carregava nas costas o anão Cedalion para “ver” o que os outros não viam. No século 12, a mesma frase foi aplicada pela primeira vez como metáfora para a produção do conhecimento, mas só ganhou relevância mundial ao ser usada por Newton.