As suspeitas de plágio levantadas contra Fareed Zakaria, uma das mais badaladas estrelas do jornalismo norte-americano, provocaram mais do que um novo abalo na credibilidade dos grandes colunistas. Geraram também um inédito exame de consciência sobre a relação entre as grandes assinaturas ou grifes da imprensa tanto com suas fontes como com os seus leitores.
Zakaria foi flagrado por um blogueiro, em 20 de agosto, plagiando num artigo para a revista Time um texto do historiador Jill Lepore, publicado na revista New Yorker, em abril . Ele teve que pedir desculpas e dar explicações a seus chefes tanto na Time como na revista Newsweek, rede de TV CNN e no jornal The Washington Post. Ele não perdeu seus espaços na Time e na CNN porque sua atitude foi considerada uma violação leve da ética profissional.
Mas o episódio fez com que jornalistas como o polêmico David Carr, do The New York Times, questionassem a forma como os profissionais, especialmente os colunistas, processam as informações que publicam em seus artigos. As estrelas do jornalismo norte-americano culpam o patrulhamento que sofrem por parte de blogueiros independentes, mas já admitem também que as pressões geradas pela necessidade de estar sempre em evidência os leva a serem pouco rigorosos na seleção de fontes e citações.
Alguns veem uma caça às bruxas no episódio. Outros culpam a internet e os blogs. Mas pela primeira vez ouvem-se vozes respeitáveis questionando as consequências do star system no jornalismo e admitindo que a repetição de situações como as vividas por Zakaria pode ser mais frequente do que se imagina.
A questão é que o conceito de plágio é difuso e pode ser interpretado de várias formas. O colunista da Time admitiu que foi leviano, mas alegou que se sentia pressionado por chefes e leitores a produzir sempre mais e melhores textos. Esta é uma situação que afeta quase todos os profissionais que têm alguma visibilidade pública pessoal.
Já houve até episódios de jornalistas acusados de plagiarem a si mesmos, como foi o caso do colunista científico Jonah Lehrer, autor de alguns livros de muito sucesso na área da neurociência. Lehrer citou em seu blog na New Yorker frases publicadas num livro de sua autoria, em que ele foi acusado de inventar declarações envolvendo o nome do cantor e compositor Bob Dylan. A venda do livro foi suspensa e o blog deixou de ser publicado depois de o autor pedir desculpas por não citar a si próprio — no que foi considerado um desrespeito com os leitores, embora não configurado legalmente como plágio.
Articulistas e blogueiros trabalhamos quase sempre com informações já publicadas, pois funcionamos como uma espécie de conselheiro ou curadores dos nossos leitores. Com isso corremos permanentemente o risco de errar. Antes da internet, os erros só eram percebidos quando extremamente graves ou quando envolviam uma fonte de informações ou citação de uma pessoa com visibilidade no mínimo igual à do autor do texto. Mas hoje, qualquer artigo publicado em qualquer veiculo é imediatamente submetido a um escrutínio implacável de leitores , ouvintes, espectadores ou internautas.
A propagação viral de notícias, informações, boatos e rumores faz com que uma suspeita torne-se imediatamente um hit no boca a boca online. Esta é uma questão de fato sobre a qual é inútil lamentar-se ou protestar. Não nos resta outra alternativa senão assumir que os tempos são outros, que os leitores tornaram-se proativos e que devemos ser cada vez mais cuidadosos na seleção de fontes e na contextualização de fatos. Para muitos colunistas, isso pode levar a uma reavaliação das exigências de produção impostas pela visibilidade pública e pelo star system jornalístico.
Não se trata de defender Zakaria ou qualquer outro profissional acusado de plágio. Mais do que qualquer comissão de inquérito, cabe ao autor decidir se assume ou não a responsabilidade por seus atos, sabendo que o juiz de sua produção jornalística (a opinião pública) não tem cara e nem nome.
Aqui no Brasil, suspeitas sobre plágio jornalístico são raras porque o patrulhamento por blogueiros e leitores ainda não é suficientemente intenso para romper a solidariedade entre os profissionais no questionamento de seus métodos de seleção de citações e de fontes de informação. Mas é apenas uma questão de tempo. Por isso seria altamente recomendável que o exame de consciência seja iniciado antes que a reparação da credibilidade profissional abalada por suspeitas se torne demasiado complexa e dispendiosa.