As faculdades de jornalismo podem ter um papel chave no fortalecimento do jornalismo local, um segmento da imprensa apontado como essencial tanto para o desenvolvimento de comunidades sociais como para a sobrevivência da própria imprensa.
É o que estão mostrando algumas instituições de ensino superior que decidiram sair da “torre de marfim” e meter a mão na massa junto com empresas jornalísticas e profissionais autônomos para produzir notícias locais em cidades pequenas e médias, bem como em bairros de grandes metrópoles.
Raras empresas jornalísticas têm condições financeiras para assumir os custos de reorganização do processo de produção de notícias de e para as comunidades. Dificuldades similares enfrentam os jornalistas blogueiros especializados em temas específicos como educação, saúde e segurança, e que acabam perdidos na cadeia de produção de informações por falta de infraestrutura tecnológica e assessoria gerencial.
Em compensação, a universidade tem desde os elementos teóricos até as facilidades técnicas, incluindo pessoal para atender às necessidades básicas da chamada “pequena imprensa”, mas está tolhida de participar de forma mais ativa por conta de entraves burocráticos e vícios corporativistas.
A Universidade Mercer, uma instituição de pequeno porte para os padrões norte-americanos (tem oito mil alunos em três campus no estado da Geórgia), quebrou paradigmas ao criar um Centro para Jornalismo Colaborativo (Center for Collaborative Journalism) que reúne professores e alunos dos cursos de comunicação e artes, bem como jornalistas de um jornal regional e da emissora pública de rádio, com o objetivo de criar novas bases para o noticiário local e regional.
É uma experiência pioneira em que a imprensa local tradicionalmente ocupa um papel relevante, ao contrário do que acontece aqui no Brasil. Esta tradição local entrou em crise na virada do século 20, quando as novas tecnologias inviabilizaram o modelo de negócios adotado pelos jornais, revistas, rádios e até emissoras de televisão, mais na América do Norte e na Europa e menos na América Latina e pouco na Ásia.
A grande mudança provocada pela internet não está apenas nas inovações tecnológicas, mas também na mudança no papel do público. Um jornal, rádio ou página web sobre notícias locais e regionais não sobrevive hoje sem o apoio da comunidade. As mudanças tecnológicas e sociais provocadas pela internet transformaram o público de consumidor passivo das mídias jornalísticas a parceiro proativo, configurando uma nova relação entre jornalistas e seu público alvo.
O modelo de financiamento dos custos operacionais por meio da publicidade não funciona mais como antes porque os anunciantes estão migrando para a internet, onde o custo do anúncio é muito baixo, embora o retorno também seja bem menor. Por outro lado, o pagamento de assinaturas e da venda avulsa não garante sustentabilidade porque a receita não cobre os custos operacionais. Esta equação elementar mostra que o negócio, especialmente na imprensa local e hiperlocal, precisa ser refeito noutras bases. É aí que entra a universidade.
Ela pode assumir a experimentação de novos modelos tanto na parte gerencial e financeira, como também na jornalística e comunicacional. As faculdades de jornalismo podem funcionar como uma interface entre o conhecimento e a expertise da universidade em áreas indiretamente vinculadas à imprensa — como gestão, finanças, questões legais e relações sociais — e os veículos de comunicação jornalística.
Não se trata de uma operação comercial para salvar empresas, mas de uma iniciativa social. Isto porque a pequena imprensa regional, local e hiperlocal, organizada ou individual, passou a ser o principal canal para os integrantes de uma comunidade poderem participar da solução de problemas e dos debates sobre as necessidades comuns. As novas tecnologias viabilizam níveis inéditos de participação cidadã, o que pode ter reflexos diretos no desenvolvimento do capital social das comunidades, conforme provam pesquisas acadêmicas e do Banco Mundial.
No âmbito jornalístico, o grande desafio está também na reinvenção do que constitui o noticiário local e como será a relação entre o jornalista e o leitor (também ouvinte, telespectador e internauta). Nessa área, temos muitas ideias, várias experiências, mas quase nada em matéria de combinação entre teoria e prática, item em que a universidade pode ocupar um espaço estratégico.
No Brasil temos experiências como o projeto Editorial J, da Faculdade de Jornalismo da PUC-RS, inspirado no modelo norte-americano All Our Ideas, desenvolvido no Departamento de Sociologia da Universidade Princeton. A proposta original era criar uma agenda jornalística local baseada em sugestões dos leitores.
Foi criada uma versão brasileira do software desenvolvido pelo All Our Ideas, por meio do qual o público pode votar em temas a serem transformados em reportagens. Mas o aproveitamento das sugestões ainda é reduzido, como se pode observar na comparação entre os temas votados e os temas publicados. O projeto também não explorou a possibilidade de interação com outras iniciativas de cobertura local, mas tem o mérito importantíssimo de iniciar a exploração de nichos informativos fora da “torre de marfim”.