Existem hoje nos Estados Unidos e na Inglaterra quase três vezes mais profissionais de relações públicas do que jornalistas empregados, o que reforça a ideia exposta no post anterior (Quem controla a notícia?) de que os leitores de jornais não têm outra saída senão mudar a maneira como selecionam informações para formar uma opinião.
O acelerado crescimento do número dos profissionais de relações públicas e o aumento médio anual de 8% nas verbas para produção de material informativo para a imprensa coincide com o enfraquecimento da indústria jornalística e cortes sistemáticos de pessoal nas redações. Só nos Estados Unidos, elas encolheram 28% desde 2003, segundo a Associação de Jornais dos Estados Unidos (ASN, na sigla em inglês).
Isso significa que o produto que nos é oferecido como sendo notícia é cada vez mais fornecido por serviços altamente sofisticados e especializados em alimentar a imprensa com informações formatadas segundo os interesses de quem as encomendou.
Andrew Edgecliffe-Johnson revelou no jornal inglês Financial Times que de 1980 a 2010 a relação entre profissionais de RP e jornalistas nos Estados Unidos passou de 1,2 para 1 para 4 por 1 — ou seja, mais do que triplicou. No mesmo período, os gastos mundiais dedicados a relações públicas em empresas privadas e governos chegaram a 10 bilhões de dólares anuais.
Só o governo inglês tem 1.500 profissionais em relações públicas que emitem por ano cerca de 20 mil comunicados à imprensa, o que configura uma enxurrada de 66 press releases por dia, segundo o jornalista inglês Nick Davies, autor do livro Flat Earth News: An Award-winning Reporter Exposes Falsehood, Distortion and Propaganda in the Global Media. Mas esses números são quase insignificantes perto da performance da PRNewswire, maior empresa mundial no ramo de relações públicas.
Os dados da PRNewswire impressionam. Segundo informações da e-Releases[1], a PRNewswire produz diariamente, em média, mil comunicados à imprensa em 27 idiomas diferentes, em 135 países para 85 mil jornalistas distribuídos em 22 mil redações ao redor do mundo. Toda a distribuição de press releases é feita de forma eletrônica. A empresa tornou-se a maior do mundo depois de comprar quase 40 empresas do segmento de relações públicas nos últimos 15 anos.
Este quadro está invertendo a relação entre jornalismo e relações públicas, o que torna necessária uma redefinição de fronteiras entre as duas atividades porque o gigantismo da RP pode colocar mais dúvidas ainda sobre a isenção e a independência das notícias publicadas pela imprensa.
A profissão de relações públicas é tão honrada e necessária quanto a do jornalista, quando exercida de forma ética e sem enganar o leitor. O problema é a mudança do contexto informativo. A disparidade de efetivos humanos e de orçamentos faz com que os jornalistas tenham cada vez menos tempo e condições materiais para identificar interesses embutidos nos press releases.
É fácil imaginar como um editor de jornal, com uma redação quase deserta e tendo que fechar edições com cada vez menos material próprio, terá poucas dúvidas em publicar press releases produzidos com todas as boas técnicas jornalísticas e por redatores com larga experiência em veículos da imprensa. Com isso ele estará repassando ao leitor uma notícia encomendada como sendo algo desinteressado.
Mas os planos da PRNewswire vão bem mais longe em matéria de controle da notícia. Até agora ela via os jornalistas como intermediários no processo de transmitir informações ao destinatário final — os tomadores de decisões e o público em geral. Mas, segundo o jornal inglês The Guardian, a estratégia agora é passar por cima das redações e produzir material multimídia para ser inserido em sites da web e chegar direto ao público.
Esta possibilidade é um passo a mais no controle da notícia e, principalmente, do trabalho das redações. Uma pesquisa feita na Universidade de Cardiff, em 2006, já mostrava que 41% das notícias publicadas pela imprensa britânica tinham origem em press releases. Embora não tenhamos dados numéricos atualizados, hoje esse percentual deve ser bem maior porque a dependência das redações em relação aos comunicados de imprensa só aumentou.
Roy Greenslade, crítico de mídias do Guardian , classificou o avanço das empresas de relações públicas no controle das notícias como um “assalto à democracia”.
[1] A E-releases é associada de PRNewsWire