A televisão é o principal meio de comunicação no Brasil, com mais de 98% de abrangência, sendo a mídia que mais concentra audiência e anunciantes. É, portanto, um meio atuante de maneira decisiva na representação social e na formação de valores. Mas a TV aberta, acessível a toda a população, é atravessada por uma contradição permanente: é um patrimônio público, na medida em que se trata de concessão pública, mas em geral é estabelecida como direito privado, isto é, de exploração econômica. Essa situação gera o seguinte conflito: interesses mercadológicos predominam em um setor de centralidade social e cultural que deveria estar permeado por diretrizes que atendessem ao interesse público. Assim, questiona-se se é possível definir um conceito ou um grupo de temáticas que caracterizem a noção de interesse público na programação da televisão brasileira.
Como premissa inicial, a oposição entre os conceitos de interesse privado e público remete à distinção entre a finalidade intrínseca das atividades e organizações de mercado, isto é, de posse, manutenção e exploração particular, restrito a pessoa ou grupo, e das instituições de interesse público, de atendimento à coletividade. Exatamente por estar associado à pretensão de definir valores coletivos, o conceito de interesse público encontra uma série de resistências em nível de definição teórica, amplificadas quando envolvem uma área sensível como a comunicação demarcada por subjetividades em todas as fases de seu processo.
Impessoalidade, moralidade, publicidade e legalidade
A regulamentação de radiodifusão dos Estados Unidos, na primeira metade do século 20, e a consolidação da BBC são reconhecidas como antecedentes históricos da experiência concreta de organização da área de Comunicação, o segundo caso contemplando fortemente a dimensão do interesse público. Entre os fatores fundamentais relacionados à experiência britânica – um exemplo que permanece modelo de referência –, estão a instalação do serviço público televisivo antes da permissão para exploração às empresas privadas, por uma compreensão cultural dos serviços de Comunicação como de interesse público, assim como o modelo de financiamento público, através das licenças pagas pela audiência.
No Brasil, as reflexões da área do Direito associam o conceito de interesse público aos princípios norteadores da administração pública, previstos na Constituição Federal, e à utilidade pública como característica das entidades às quais se aplicariam as previsões relacionadas ao interesse público, considerando-se os serviços de comunicação como um direito humano. Os princípios da impessoalidade, moralidade, publicidade e legalidade, instituídos constitucionalmente, estão contemplados nas organizações públicas com maior autenticidade, por não atenderem a interesses particulares e a finalidades lucrativas, mas sim, a funções de: a) resguardo de valores coletivos, como a promoção da cultura e da ciência, no caso das universidades; b) controle público, na medida em que atendem à prestação de contas pública ou a Conselhos e ainda estão sujeitas às penalidades legais advindas do mau uso de recurso público; e c) publicidade de atividades ligadas a entes públicos.
Metas a serem perseguidas
O posicionamento da Comunicação como serviço público também está embasado na associação dos direitos sociais e culturais com a essencialidade do direito à comunicação, à informação e à cultura para o exercício da cidadania na contemporaneidade. Isso pode ser facilmente identificado nas funções de publicização das campanhas governamentais de saúde, educação e saneamento, assim como de divulgação de estratégias para valorização das peculiaridades regionais e integração cultural, atividades primordiais desenvolvidas pelos meios de comunicação na promoção da diversidade e do acesso à informação.
Define-se, portanto, como ponto de partida, a necessidade de compreensão das emissoras ligadas a instituições públicas e estatais como pressuposto para a atenção ao interesse público. Compreende-se, a partir daí, a viabilidade para se iniciar um debate sobre as diretrizes que definiriam esse conceito na programação da TV brasileira, passando, obrigatoriamente, pelas noções de compromisso com a prestação de um serviço público, e com a promoção de valores da cidadania, dos direitos humanos e da representatividade regional. São metas a serem permanentemente perseguidas, desde já se reconhecendo tal caminho como uma trilha primeira, que não se esgota sem discutir o papel social dos meios privados e como o serviço público pode desenvolver-se em instituições não estatais.
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Respectivamente, professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos; jornalista e doutoranda no mesmo programa