Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Altos e baixos da utopia eleitoral na internet

Até às 18 horas de domingo (9/12), pouco mais de 540 mil internautas haviam votado a favor da manutenção das regras vigentes sobre direitos autorais e sobre processo decisório no Facebook, num plebiscito emque no mínimo 300 milhões de pessoas em todo mundo deveriam se manifestar contra uma mudança no sistema atual. A votação acaba na segunda feira (10/12), às 18 horas de Brasilia. [Veja aqui os resultados finais.]

A falta de apoio numérico  para a preservação das regras vigentes na rede Facebook pode ser discutida de mil maneiras diferentes, mas ela mostrou que os chamados cidadãos digitais ainda têm um longo caminho pela frente na construção de um novo ambiente político no espaço cibernético.  O provável resultado da votação causará alguma euforia entre os que desconfiam da heterarquia digital. [Heterarquia é um ambiente politico descentralizado e horizontal em que não existe escala de comando, mas há regras para organizar o relacionamento interpessoal. A anarquia é uma heterarquia sem regras e o oposto da hierarquia.] Também é quase certo que haverá  muita reclamação dos ativistas cibernéticos. Cada um puxando a brasa para a sua sardinha.

Proselitismos e torcidas à parte, é importante constatar que, mesmo perdendo, os ativistas do Facebook conseguiram mostrar ao mundo que já existe um outro espaço político, ainda anárquico, ainda desconfiado e pouco familiarizado com a militância política online, mas com um potencial transformador que só os visionários conseguem vislumbrar.

Pode-se argumentar que a regra vigente, que exige um mínimo 30% dos votos de todos os usuários do Facebook , fixou um total absurdamente alto — cerca de 300 milhões de votantes, mais do que o dobro do eleitorado brasileiro.  Mesmo com um alto grau de envolvimento político, dificilmente esse número seria alcançado, ainda mais levando-se em conta que os usuários estão espalhados pelo mundo inteiro, com hábitos digitais muito diferentes. Assim, no ambiente interno da rede Facebook, qualquer mudança tem altíssimas possibilidades de ser rejeitada.

Mas o fato relevante não está aí, mas sim no reconhecimento de uma empresa online de que os seus usuários podem participar das decisões internas.  E também de ter criado regras para essa participação, explorando um território desconhecido.  Pelas normas vigentes, e que devem ser alteradas, uma proposta precisa receber no mínimo sete mil comentários de usuários antes de ser colocada em votação. Se ela obtiver os 300 milhões de votos, a direção da rede tem que aceitar o veredicto. Caso o total não seja alcançado, os executivos da Facebook  é que decidirão se a medida será ou não adotada.

O caso Facebook é um dos primeiros a provocar discussão na internet sobre o uso de procedimentos democráticos na tomada de decisões virtuais. Curiosamente nenhum governo está envolvido e sim uma empresa. Não se trata de um incidente isolado porque a mesma Facebook já protagonizou antes outras duas votações sobre a política de privacidade dos dados obtidos de usuários.  Na primeira votação, em abril de 2009, participaram 665.654 dos então 200 milhões de usuários da rede. A segunda aconteceu em junho de 2012 , quando 232.632 pessoas participaram da votação na época em que o número de usuários da Facebook já tinha saltado para perto de 900 milhões.

A participação numérica é muito pequena, quase insignificante, se comparada ao total de frequentadores da rede que não pára de crescer. Mas os números não explicam toda a amplitude do aprendizado político na internet.  Primeiro porque o voto não é obrigatório e nem poderia ser.  Segundo, porque há outro procedimento que tem impacto politico e financeiro ainda mais forte do que o voto.  

A rede criada pelo hoje milionário Mark Zuckerberger, 29 anos, forma com a Google as dupla de empresas da internet que está explorando novas alternativas de gestão política e de relacionamento com os usuários. Ao contrário de conglomerados como a Microsoft e Apple, que produzem bens materiais e seguem o modelo tradicional de negócios, a Facebook e a Google trabalham com bens imateriais voláteis (interatividade e informações) que dependem essencialmente da fidelidade de pessoas.  As duas empresas sabem que usuários descontentes migram para outros projetos e que, uma vez iniciado, o êxodo é imparável — logo, tratam de evitá-lo antes que aconteça.

Elas conhecem o precedente da MySpace, a grande precursora das redes sociais na primeira década do século 21 e que perdeu a maioria dos clientes para a Facebook em menos de um ano. A Google também sofreu um golpe sério no seu orglho corporativo com o fracasso da rede Orkut, badaladíssima no Brasil e que sumiu do mapa também de forma vertiginosamente rápida.  

Os dois exemplos indicam que a exploração de novas estratégias de participação popular na internet pode combinar o simbolismo do voto com o temor do êxodo de clientela. O fenômeno da fuga em massa de usuários é uma preocupação permanente dos investidores online pois é um processo imprevisível,  muito rápido e irreversível. E quanto maior a empresa afetada, mais letais são as consequências — como mostra o vasto cemitério de empresas virtuais.

Talvez por aí seja possível começar a entender porque tão poucas pessoas votam,  mas mesmo assim são capazes de mobilizações massivas quando seus interesses são afetados.