Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A estratégia midiática do crime organizado

A onda de atentados registrada em Santa Catarina desde a semana passada (27/1-3/2) tem todas as características de uma resposta midiática do crime organizado a um evento que praticamente passou despercebido pela imprensa. 

No dia 18 de janeiro, agentes prisionais do Presídio Regional de Joinville atacaram com balas de borracha e jatos de gás pimenta presos imobilizados num pátio (ver vídeo). A retaliação veio pouco mais de uma semana depois, com uma sequência coordenada de 43 ataques a delegacias, prefeituras e incêndios de ônibus em 15 cidades do estado.

O incidente no presídio foi tratado burocraticamente pela imprensa catarinense, que preferiu bater firme na denúncia da insegurança e na cobrança de ações por parte da polícia. É a forma tradicional e gasta de lidar com uma situação que tende a se tornar cada vez mais frequente porque o crime organizado já deu todos os sinais de que responderá com ataques tipo guerrilha a qualquer incidente registrado em cárceres onde existam organizações de presos.

É uma clara estratégia que busca impacto midiático para questões que o governo tenta ocultar, com a ajuda da imprensa. Trata-se de uma ação em que o objetivo é conquistar corações e mentes, mais do que ver quem é mais forte ou quem bate melhor. A reação do governo e da polícia foi a mais convencional possível. Ambos conhecem o que está por trás dos ataques a ônibus, mas preferiram o recurso tradicional de prometer o uso da força contra os delinquentes, mesmo sabendo das limitações estratégicas dessa estratégia.

A imprensa catarinense, logo após os primeiros ataques do crime organizado, partiu com força para a cobrança de ações do governo, amparada no horror e no medo da população. De certa forma ela acuou as autoridades,em vez de exigir medidas que fossem ao cerne do problema. Ela também se deixou levar pela rotina e ficou na cobrança de ações imediatas.

É claro que ao ver os incêndios a população das cidades catarinenses onde ocorreram ataques reagiu contra os delinquentes. É uma reação imediata e natural, mas a imprensa e o governo deveriam saber que a situação era mais complexa do que simplesmente responder com a força.

Quando a imprensa cobrou respostas das autoridades, estas em vez de neutralizar a ação do crime organizado, reconhecendo a gravidade dos incidentes no presídio de Joinville para punir os responsáveis, preferiu minimizar o episódio com uma discreta punição aos agentes acusados de violação dos direitos dos presos.

Dar ao incidente uma dimensão midiática esvaziaria a revolta dos dirigentes do crime organizado e contribuiria para criar na população a percepção de que a reforma do sistema penitenciário é muito mais eficiente – em termos de neutralizar o poder do crime organizado – do que as barreiras móveis, que servem mais para tentar transmitir à população a ideia de que a polícia está fazendo alguma coisa do que para capturar agentes do crime organizado. 

A imprensa sabe que a situação é complexa e que é parte de uma batalha midiática por corações e mentes da população no contexto crítico da insegurança urbana. Por isso ela é também responsável por evitar o passionalismo numa situação como esta. A crise no sistema penitenciário está na origem da onda de atentados, a segunda em quatro meses em Santa Catarina, e que tem tudo para se transformar num fenômeno endêmico em todo o país.

Basta os líderes do crime organizado ordenarem que adolescentes ataquem ônibus em lugares ermos para implantar o pânico na população e o nervosismo nos comandos políticos e policiais. A crise não será solucionada no campo de batalha das ruas, mas no ambiente midiático. A arma do governo é mostrar que vai enfrentar com seriedade e transparência a delicada questão da reforma do sistema penitenciário. Ele desloca o eixo da discussão do passionalismo gerado pelos incêndios para a reflexão envolvendo a sociedade.

Mas enquanto as autoridades agirem prometendo apenas mão dura contra o crime, os principais beneficiados serão apenas os grupos organizados nos presídios brasileiros.