A estrutura tradicional do jornalismo, baseada em editorias, está sendo questionada por uma série de iniciativas no campo editorial na internet – nas quais, em vez de setores, a organização interna está baseada em problemas e fenômenos. A mudança parece cosmética, mas na realidade ela vai bem mais fundo ao incorporar a complexidade e diversidade do novo ambiente informativo digital às rotinas e valores do jornalismo.
Até agora, a estrutura das redações e também do exercício do jornalismo estava baseada na segmentação de áreas como economia, política, internacional, esporte, cultura, cidade, polícia etc. Essa divisão, que orienta também as especializações assumidas pelos profissionais independentes, começou a apresentar problemas operacionais quando os jornalistas passaram a ter que lidar com temas complexos que abrangem mais de uma editoria. Surgiram conflitos de áreas de atuação, de conhecimento, de egos e de enfoques.
O projeto Quartz, uma publicação online da empresa norte-americana Atlantic Media, que edita a revista cultural Atlantic Review, começou a quebrar o modelo das editorias ao adotar uma estratégia baseada no que os seus responsáveis chamaram de “obsessões informativas”. As pautas noticiosas são organizadas em função de problemas e executadas por jornalistas sem distinção de especialidade.
Isso porque a redação adotou a tese da complexidade, uma consequência da avalancha informativa deflagrada pela combinação da internet com a digitalização. Uma maior disponibilidade de informações inevitavelmente aumenta a diversidade de percepções e dados sobre um mesmo fato ou evento, o que complica muito a tarefa jornalística, tradicionalmente acostumada com atitudes simples como certo ou errado, justo ou injusto, legal ou ilegal.
A preocupação com a complexidade no tratamento de um problema ou fenômeno implica uma forte integração entre os repórteres e editores envolvidos na reportagem ou no projeto multimídia, o que gera uma ruptura com o individualismo vigente na maioria das redações. O enfoque jornalístico baseado na complexidade obriga também os profissionais a identificar suas limitações, porque, cada vez mais, o conhecimento individual se mostra insuficiente para compreender o que está acontecendo e, mais ainda, para transformar o que foi investigado em narrativas inteligíveis para públicos diversificados.
Como os próprios editores do projeto Quartz reconheceram, a consequência inevitável é que as contribuições externas de leitores, curiosos, especialistas, testemunhas etc. deixam de ser elementos acessórios numa reportagem para serem peças indispensáveis. Isso cria a necessidade de substituir o tradicional sistema de fontes, consultadas esporadicamente, por relacionamentos constantes com redes sociais virtuais ou presenciais para feedback e busca de informações.
A experiência coloca também em questão a tese de que no ambiente digital os jornalistas tenderão a se especializar como forma de achar um nicho onde sobreviver, já que é quase certo que a maioria dos novos profissionais não terá emprego fixo em redações. Trata-se realmente de uma questão em aberto.
Sem a segmentação das editorias, as coberturas jornalísticas passam a ser iniciativas multidisciplinares –noutras palavras, grupos de trabalho diversificados. O que determina a natureza e a composição do grupo encarregado de uma reportagem jornalística é o tema, e não a especialidade de seus membros. Mas é claro que em tarefas complexas será necessária a participação de jornalistas especializados em questões situadas dentro dos objetivos da reportagem.
Lançado em 2012, o projeto Quartz colocou a cobertura da economia como seu foco de referência, mas suas reportagens não têm nada de economês tradicional. São trabalhos multidisciplinares capazes de chamar a atenção de visitantes que não sabem como funciona uma bolsa de valores, por exemplo. Em dezembro de 2012, o site recebeu 1,4 milhão de visitantes únicos e espera chegar aos 2 milhões, em junho de 2013.