Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Arapongagem nas redes sociais coloca governos na defensiva

O caso da espionagem em redes sociais, correio eletrônico e telefones celulares começa a ganhar dimensões de um marco político na era digital. O episódio colocou, pela segunda vez em três anos, a incapacidade de os governos impedirem o vazamento de informações consideradas sigilosas. Também sinalizou uma mudança de atitude dos autores dos vazamentos, que começam a transitar da condição de traidores para a de paladinos da defesa da privacidade e do direito à informação.

E não é só isso. As empresas da internet perceberam os riscos da bisbilhotice dos serviços de inteligência militar e parecem dispostas a enfrentar o governo para preservarem seus negócios. A Google, preocupada em limpar a sua barra nas acusações de ter permitido espionagem militar em seus servidores de correio eletrônico, quer agora autorização para divulgar os pedidos oficiais de acesso a dados sobre usuários do Gmail. A empresa Yahoo! não esperou autorização e foi logo revelando que teve de entregar às autoridades de segurança os dados de 18 mil usuários. São iniciativas que procuram criar embaraços para a ação dos “arapongas” da CIA , FBI e Agência de Segurança Nacional (NSA) dos Estados Unidos.

Todos esses fatores são uma consequência da nova conjuntura criada pela massificação das tecnologias digitais e da popularização do uso da internet. Na era industrial, os governos podiam trancar informações sigilosas a sete chaves porque elas estavam contidas em meios físicos como papel, fotografias e filmes. Agora, a digitalização da informação tornou-a imaterial – portanto muito mais difícil de ser guardada. Ela pode circular com instantaneidade e alcançar vários milhões de pessoas em tempo real. Tudo isso torna muito mais difícil guardar segredos de Estado ou evitar que desvios de conduta de militares ou policiais não se tornem públicos.

A cobertura da espionagem norte-americana em redes sociais mostrou que as fronteiras nacionais definitivamente não interferem mais nas prioridades editoriais. A apuração do jornal inglês The Guardian saltou para as manchetes mundiais ao escancarar a ação da NSA, a ultrassecreta agência de segurança do governo norte-americano, responsável pela espionagem na internet e nas operadoras de telefonia celular. O jornal obteve as mesmas informações que o Washington Post norte-americano, mas este vacilou temendo represálias da Casa Branca e do Pentágono. The Guardian aproveitou a indecisão do parceiro e tornou-se a grande fonte no escândalo globalizando o papel da imprensa no episódio, já que normalmente os jornais americanos teriam prioridade na cobertura do caso.

O presidente Barack Obama tentou esfriar o caso, mas a atitude foi comparada à velha história de enxugar gelo. Quando mais a Casa Branca procurou mostrar o caráter estratégico da espionagem como forma de combater o terrorismo, mais os americanos se preocupavam com a sua privacidade pessoal. Ficou difícil para o governo americano manter a confiança do público, que pela primeira vez desde os atentados às Torres Gêmeas começou a ter dúvidas sobre as promessas oficiais de respeito à privacidade individual.

A capacidade dos serviços de inteligência de preservarem o sigilo de suas operações parece seriamente ameaçada pela internet. Indivíduos anônimos que detêm informações secretas dispõem hoje de recursos quase onipresentes para permitir que outras pessoas tenham acesso a segredos diplomáticos, empresariais e militares. O caso da divulgação do projeto Prism não é o primeiro. Em 2010, Bradley Manning, um militar subalterno dos Estados Unidos, entregou ao site Wikileaks cerca de 251 mil documentos confidenciais sobre ações diplomáticas e militares do governo americano no conflito do Iraque.

Três anos depois, outro anônimo, Edward Snowden, funcionário civil de uma empresa contratada pelo Pentágono, passou para a imprensa informações sobre o ultrassigiloso programa de espionagem nos servidores que hospedam os correios eletrônicos e mensagens de redes sociais na internet. Tanto Manning como Snowden foram classificados como traidores pelo governo americano, mas para muita gente eles se tornaram heróis da luta pela transparência informativa.

Igualmente curiosa é a trajetória de Julian Assange, o criador do Wikileaks, que está envolvido num confuso caso de violência sexual na Suécia e é acusado por atentado à segurança nacional nos Estados Unidos. Assange se asilou na embaixada equatoriana em Londres para fugir da prisão e das acusações de traição, mas recentemente deu entrevistas para a TV americana e ganhou espaço nobre na coluna de artigos especiais do The New York Times.

Apesar dos esforços da Casa Branca e do Pentágono para manter a secular instituição do segredo de Estado, esta parece cada vez mais ameaçada pela imaterialidade da digitalização de documentos e pela viralidade instantânea da internet. Pela primeira vez em muitos anos, os governos, especialmente os das grandes potências, passam a defensiva em matéria de sigilo informativo.