O ruído político produzido pelos milhares de pessoas que ocuparam as principais ruas e avenidas nas maiores cidades brasileiras durante uma semana foi suficientemente forte para provocar um grande susto nas elites dirigentes do país.
O resultado da inédita onda de protestos será medido pelo temor despertado entre políticos, governantes, burocratas oficiais e empresários, mais do que pelo eventual atendimento de reivindicações. O ruído das ruas é muito mais significativo porque ele mostra que uma enorme parcela de brasileiros já não se conforma mais em não ser levada em conta.
Mas nada garante que o rugido das multidões será ouvido por quem deveria estar atento ao que se passa nas ruas – que uma empresa automobilística definiu como a maior arquibancada do país. O formato não estruturado e sem comandos centralizados presente nas manifestações cria a possibilidade de que um segmento volte às ruas ao sentir-se enganado, abrindo a possibilidade de contágio rápido e imprevisível.
Até mesmo o vandalismo deixou lições. Mostrou que um grupo de agitadores tem condições de enfrentar um sistema de segurança pública que revelou despreparo para lidar com multidões. A polícia preferiu a tática do ataque frontal com bombas de gás, atingindo indiscriminadamente os vândalos e manifestantes pacíficos, gerando raiva e resistência. O mais adequado seria isolar os agitadores atuando de forma cirúrgica e com superioridade numérica. É o que as polícias de Inglaterra e da França fazem rotineiramente. Deu pena ver 15 guardas municipais de São Paulo tentando impedir a invasão da prefeitura diante de quase cinco mil manifestantes.
A vulnerabilidade diante dos vândalos e a perplexidade dos tomadores de decisões diante da manifestação inequívoca de que as pessoas exigem serem ouvidas deveria preocupar – e muito – os políticos, governantes e autoridades de segurança. A onda de protestos estabeleceu uma espécie de padrão de comportamento do público que agora espera para ver o que as autoridades farão em resposta ao rugido das ruas.
A redução dos preços das passagens de ônibus é um recuo tático das prefeituras e dos empresários, mas a verdadeira solução só virá com a abertura da caixa-preta contendo os dados e cálculos para a fixação das tarifas. Essa caixa-preta existe há décadas protegida pela cumplicidade corrupta de donos de empresas e funcionários públicos, sem distinção de partidos.
No caso dos gastos com a Copa do Mundo, a caixa-preta é ainda maior porque não se sabe quais os compromissos reais que o país assumiu com a FIFA, um sindicato de cartolas que administra o negócio do futebol com financiamento de cervejarias e multinacionais de equipamentos esportivos. O estouro dos orçamentos nas obras para a Copa é generalizado, faltando ainda um ano para o início da competição.
Os estádios ficarão prontos. Alguns poucos aeroportos serão reformados, mas os projetos que deveriam beneficiar a população – como transportes coletivos e melhorias na mobilidade urbana – ficarão no papel, para variar. Os benefícios reais para a população serão mínimos. Até o futebol foi europeizado pela FIFA com a cumplicidade da CBF, do Ministério dos Esportes e de emissoras de televisão. Os brasileiros capazes de pagar 400 reais ou mais por um ingresso terão que esquecer que são torcedores comuns para seguir as regras de comportamento ditadas pela FIFA e convencer-se de que terão de se comportar nos estádios como se estivessem numa sala de teatro.
O fim da corrupção, cobrado pelos milhares de manifestantes em cerca de 100 cidades brasileiras, é uma reivindicação complexa. Não dá para acabar com a roubalheira por decreto. O cidadão comum não tem condições de entender as filigranas jurídicas de um processo legal sobre corrupção. A possibilidade de impunidade é estrutural em nosso sistema penal. Por isso a chance de frustração é grande e a possibilidade mais realista de um recuo na corrupção é a de que novas manifestações de rua criem situações cada vez mais insustentáveis para os corruptos.
Tudo isso mostra que o rugido das ruas vai ficar como uma espécie de espantalho pairando sobre Brasília, Rio, São Paulo e outras capitais. Este é talvez o grande resultado da maior onda de protestos deste país nos últimos 50 anos, um fenômeno de dimensões globais que indica uma mudança social ainda não definida.