Este deve ser o ano do Estadão. Montado em um conjunto de pesquisas que aconselharam a investir no segmento corporativo, o jornalão paulista prepara uma série de ações para consolidar a liderança entre os diários de interesse geral e circulação mais ampla. O remodelado caderno ‘Economia & Negócios’ é a ponta-de-lança na estratégia da empresa de se posicionar – ao lado da Gazeta Mercantil – entre as preferências dos executivos e jovens profissionais.
O caderno deverá evoluir para um produto mais abrangente, com foco muito similar ao pretendido pelo Valor Econômico, filho de uma relação complicada entre os grupos Folha e Globo. O mercado comenta que o novo produto dará ao Estado a possibilidade de cravar fortes estacas num setor cujo potencial está mal explorado no Brasil.
Atrás das boas notícias da economia chegam as boas oportunidades para a mídia direcionada aos negócios. Adiado por alguns meses em função da necessidade de avaliar as condições de sustentabilidade do mercado publicitário, o projeto está sendo retomado sob perspectiva mais otimista.
Além da convicção de que o país vive um momento especial, contribui para esse otimismo a constatação de que o público daria preferência ao caderno diário vis-a-vis a concorrência das revistas especializadas – especificamente da Exame – de periodicidade mais espaçada. É tão claro para alguns executivos do Estadão essa circunstância que eles não deixaram de notar o movimento que a Editora Abril vem fazendo para reforçar o time da sua principal revista de negócios.
O investimento no público chamado corporativo faz sentido, mas não esgota a estratégia do Estado de S.Paulo. Associado ao novo caderno deverá vir uma mudança na abordagem dos temas econômicos, que há muito sofrem de certa contaminação política. Separar economia de negócios será uma forma de reduzir o efeito da editorialização no segmento. Os principais objetivos do projeto serão ampliar a cobertura de negócios, com mais dinamismo, e mudar o estilo pesado que sempre caracterizou o jornal. ‘Vamos buscar certa alegria e mais leveza’, diz um dos responsáveis pelo projeto.
Revista semanal
Por outro lado, a revista que deverá nascer do caderno ‘Aliás’, lançado junto com a última reforma gráfica do jornal, será uma tentativa de compor uma imagem de modernidade para o tradicional matutino que, desde a última década do século 19 até este início do século 21, foi controlado pelo clã Mesquita.
Depois de afastados do comando os representantes da quarta geração da família, em meio à pior crise de sua história, o Estado acerta sua contabilidade e se prepara para uma ação mais agressiva, informada por instrumentos mais confiáveis do que o faro do dono ou as preferências de diletantes.
Derrubada a monarquia, é como se o jornal se renovasse sob uma perspectiva ‘republicana’ – para repetir e ajudar no esgotamento de um desses refrões da moda. Nesse sentido, observa-se na redação um clima menos opressivo, ainda que siga vigorando o ritmo de trabalho estafante determinado pelos sucessivos enxugamentos. Na nova perspectiva registre-se também a maior participação dos jornalistas da casa nas discussões sobre as mudanças, diferentemente do que ocorreu nas reformas e ‘reengenharias’ dos anos 1990, quando as decisões ficaram restritas à diretoria e seus consultores.
Uma revista de interesse geral deverá fazer muito bem à empresa, criando um novo valor competitivo, que poderá se tornar em pouco tempo um instrumento ponderável nas negociações com anunciantes. Mas, mesmo abrindo novas frentes – ao concorrer com mais peso no segmento dos negócios e no das revistas semanais de interesse geral – os profissionais do Estadão não despregam um olho da Folha de S.Paulo, ainda considerada um oponente valoroso, do qual se pode esperar sempre muita dor de cabeça.
Mesmo com o fato – alardeado pelo sindicato dos jornalistas de São Paulo em sua campanha salarial – de que o Estado já tem quase duas vezes mais publicidade por espaço editorial do que a Folha, no vetusto prédio da Marginal do Tietê ninguém se acha no direito de cochilar. A maioria dos profissionais envolvidos nas mudanças viveu o período em que o jornal dos Frias passou como uma avalancha sobre a concorrência, fazendo edições recordes com mais de 1,2 milhão de exemplares.
As reformas no Estadão parecem significar que, superada a maior onda do tsunami que varreu a mídia nos últimos anos, a recuperação só poderá vir com muito planejamento, com base em pesquisas confiáveis e, principalmente, sem repetir o erro de substituir os jornalistas por consultores alheios ao negócio.
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Jornalista