Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A diplomacia (ou guerra) da informação

O caso da espionagem eletrônica pela internet disputa como a crise na Síria a pole position nas manchetes internacionais da mídia, num fato inédito em que a geopolítica da informação pela primeira vez ganha relevância equivalente à dos interesses estratégicos dos países mais ricos do planeta.

A questão ganhou mais importância ainda porque o controle da informação está substituindo a segurança nacional como prioridade estratégica número 1 das grandes e médias potênciais.

É uma mudança significativa porque mostra o papel que a informação passou a ter não apenas no nosso quotidiano pessoal como também na política externa de nações do mundo inteiro. O fenômeno já tem pelo menos 10 anos, mas foi só agora, graças ao ex-funcionário da CIA Edward Snowden, que os cidadãos comuns descobriram que a teoria das quatro paredes virou ficção em matéria de privacidade pessoal.

Antes de Snowden, o soldado norte-americano Bradley (agora Chelsea) Manning (ele mudou de sexo e de nome), entrou para a galeria dos heróis (ou vilões) da guerra da informação ao entregar ao site Wikileaks documentos secretos sobre ações ilegais do exército americano no Iraque. A informação se transformou numa arma política tão ou até mais eficiente do que as bombas e foguetes.

Na diplomacia da informação, os cidadãos são, simultaneamente, protagonistas diretos e indiretos. Diretos porque somos potencialmente alvo da bisbilhotice dos serviços de inteligência e, indiretamente, porque nossas informações servirão como base para a montagem de cenários políticos, sociais e econômicos construídos a partir de grandes volumes de dados pessoais. 

Desde o início da Web já se sabia que a teoria das quatro paredes não funcionava mais num ambiente digital onde o anonimato deixou de existir como regra geral. A teoria dizia que aquilo que ocorre entre quatro paredes era um direito privado inviolável de cada cidadão. Mas como na internet as relações extrapolaram as quatro paredes, a privacidade também mudou de contexto.

O mais preocupante é que os governos querem saber tudo sobre o cidadão e as empresas, mas se recusam a tornar transparentes os seus próprios negócios e ações. O Japão é o mais recente caso em que as autoridades se atribuem o direito de decidir o que pode e o que não pode ser divulgado, sob a alegação de que só elas têm os dados que permitem avaliar o caráter estratégico de uma informação.

Essa mesma desculpa já havia sido usada por americanos e ingleses para tentar capturar Edward Snowden, configurando o que muitos já chamam de ditadura da informação. É um problema complexo porque a informação varia segundo o contexto – e aí qualquer motivo pode ser usado para justificar o bloqueio informativo e a perseguição a pessoas como Manning, classificadas na gíria jornalística americana como whistleblowers (sopradores de apitos), pela sua capacidade de chamar a atenção do público para questões controvertidas.

Quando a informação se torna o centro de conflitos internacionais, as manobras passam a ser determinadas pela técnica dos Grandes Dados (Big Data), um desdobramento da avalancha informativa por meio da qual o processamento de grandes volumes de informação permite identificar tendências e correlações que determinam movimentos estratégicos das nações ou organismos envolvidos.

Só que os Grandes Dados são formados pela soma de dados de cada um de nós, o que acaba nos envolvendo, direta ou indiretamente, em conflitos nos quais a identificação antecipada de tendências passa a ser muito mais importante, em termos estratégicos, do que aventuras militares de êxito duvidoso como as duas invasões do Iraque por tropas americanas.

No caso da Síria, as ameaças de um ataque contra governo de Bashar al Assad são apenas a parte visível de uma batalha da informação que não usa gases venenosos nem mísseis teleguiados, mas softwares e crackers cujo objetivo é invadir computadores e servidores para desestabilizar os sistemas informáticos e telemáticos que controlam foguetes, aviões e as comunicações entre unidades militares. E por incrível que pareça, nesse terreno as diferenças entre sírios e americanos são bem menores do que na soma dos arsenais de cada lado.

Exército Eletrônico Sírio (Syrian Electronic Army – SEA), uma organização sobre a qual há pouquíssima informação pública, está sendo apontada pelos serviços secretos americanos como a responsável pela maioria do ataques registrados nas últimas duas semanas contra organizações financeiras, jornais e redes sociais nos Estados Unidos. O SEA provavelmente é formado por crackers, ativistas online de várias nacionalidades e que apoiam o regime sírio. (Crackers atuam na clandestinidade. Os hackers são desenvolvedores da softwares, em sua maioria adeptos do código aberto, ou seja, dos programas de acesso livre, sem cobrança de direitos autorais.) 

O tipo de ação desenvolvida pelos crackers do SEA mostra que eles podem causar danos muito mais importantes do que os provocados até agora. Também é ingênuo pensar que os Estados Unidos não estão usando o seu arsenal de armas cibernéticas. O problema é que não temos informações sobre essa guerra que ocorre longe do alcance da imprensa.

A retaliação cibernética é apenas o lado mais documentado da diplomacia da informação porque ela ocorre longe da visibilidade pública e tem com principal ingrediente o desenvolvimento de “batalhas da informação”, só perceptíveis por programadores, crackers e hackers. Batalhas que antecipam cenários futuros e que se parecem mais a jogos de guerra em computadores. O problema é que essas batalhas são travadas com base em informações que nós fornecemos em nossas mensagens de correio eletrônico e conversas em redes sociais.