Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Checagem de informações, o dilema do jornalismo atual

Quando os norte-americanos Bill Kovacs e Tom Rosenstiel, publicaram o livro Elementos do Jornalismo [Geração Editorial, São Paulo, 2003 (esgotado)], eles definiram o que chamaram de “disciplina da verificação” como sendo o diferencial mais importante da profissão em relação a outras atividades como publicidade, marketing, literatura e cinema.

Doze anos após a publicação do livro, que para muitos é uma “bíblia” para a imprensa contemporânea, a “disciplina da verificação” está sendo colocada em xeque pelas inovações tecnológicas na área da comunicação e informação.

Do ponto de vista teórico, a verificação como procedimento padrão no exercício do jornalismo é irretocável e nunca foi questionada. Mas na prática a situação foi diferente. Já na publicação do seu livro, Kovacs e Rosenstiel reconheceram que a checagem de informações era um método “pessoal e idiossincrático” [The Elements of Journalism, Bill Kovacs & Tom Rosenstiel. Three Rivers Press, 2007, p. 79], ou seja, algo de dificilmente normalizável para o conjunto dos jornalistas. A ideia da verificação mostrou-se tão plausível que anos mais tarde surgiram os fact checkers (verificadores de fatos), um profissional incorporado às redações e encarregado de conferir dados, fatos, eventos e processos.

O grande problema é que os elementos factuais e concretos são fáceis de checar quando comparados aos elementos não factuais e contextuais de uma notícia ou informação. Verificar a data da independência da Argentina é bem menos complicado do que identificar as razões políticas e econômicas que conduziram ao ato.

Apesar disso, a verificação continuou sendo vista como a marca registrada do jornalismo e uma peça importante na retórica da indústria dos jornais. A crescente complexidade dos dados, fatos e eventos transformados em notícias alimentou uma crescente contestação do material publicado pela imprensa devido, principalmente, ao surgimento de versões contraditórias e conflitantes para uma mesma situação.

A situação se complicou ainda mais com a avalancha informativa que gerou uma fantástica cacofonia informativa na Web. A verificação de todas as versões tornou-se algo inviável para os jornalistas, ainda mais quando as empresas passaram a competir freneticamente na tentativa de sobreviver financeiramente. Checar informações exige tempo, o item cada vez mais escasso na produção jornalística.

O público, convencido ao longo de décadas de que o jornalismo era a expressão da verdade porque aplicava a “disciplina da verificação”, passou a ter que conviver com notícias divergentes, o que gerou desconfiança e, depois, descrédito. A impossibilidade material da checagem ampla e profunda, aliada às cobranças dos leitores, ouvintes, telespectadores e internautas tornaram necessária uma revisão do diferencial proposto por Kovacs e Rosenstiel em 2001.

Analisando o contexto informativo contemporâneo fica fácil perceber que as novas tecnologias de informação e comunicação mudaram quase tudo no jornalismo e eliminaram os principais diferenciais da atividade, mas a ideia da verificação continuou de pé. No meio da cacofonia midiática digital é cada vez mais indispensável separar o joio do trigo em matéria de notícias. As pessoas conquistaram o direito de publicar e isto se tornou uma realidade irreversível. Só que todos têm as suas ocupações e quase nenhum tempo para checar o que estão repassando como informação pelas redes sociais, chats, fóruns e correio eletrônico.

Alguém tem que se preocupar em checar as informações, mas principalmente contextualizá-las, porque uma notícia pode estar com dados e fatos corretos e mesmo assim contextualmente equivocada. Como hoje os contextos se tornaram tão ou mais importantes que os fatos, o jornalismo continua sendo uma função obrigatória só que seus métodos já não podem mais ser os mesmos da era pré-digital.

A nova realidade exige que os profissionais tenham mais conhecimentos do que habilidades. Sejam capazes de discernir e interpretar mais do que redigir ou editar notícias. Sejam mais curadores de informações do que participantes de uma linha de montagem de textos ou imagens. São condições ainda vagas, mas que no essencial mantêm o que Kovacs e Rosenstiel definiram como método essencialmente “pessoal e idiossincrático”.