Este colunista se deu ao trabalho de recolher declarações e previsões de uma série de empresários e jornalistas sobre o desempenho que a economia teria no ano passado, e de compará-las com o que efetivamente aconteceu. De tudo, só restou uma coisa: como é que as mesmas pessoas continuam sendo ouvidas respeitosamente pela imprensa, sem que nenhum repórter lhes pergunte por que erraram tão feio no ano anterior?
Ricardo Carneiro, economista da Unicamp (27/2/2004): ‘Essa política de juros não vai deixar o país crescer’. (28/5/2004): ‘Se no primeiro trimestre, quando não havia a turbulência atual, o resultado não foi brilhante, daqui para a frente o quadro piora’. ‘Não creio’ [que o PIB se expanda 3,5% no ano].
Fernando Cardim, professor de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (5/6/2004): ‘Com sorte, seremos premiados com o crescimento de 3,5% em 2004’.
Luís Carlos Mendonça de Barros, ex-ministro (20/2/2004): ‘Os índices de crescimento industrial no último mês de dezembro já apontam para uma nova estagnação, embora em um nível 3,5% superior ao que prevaleceu em 2003’.
Roberto Jeha, empresário, na época vice-presidente da Fiesp (9/5/2004): ‘O país teve em março ‘um minivôo da galinha (…) As vendas não se sustentaram no mês’.
Júlio César Gomes de Almeida, empresário, diretor-executivo do IEDI, Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (20/5/2004): ‘A indústria perdeu fôlego’.
Tem mais, tem mais – mais declarações no mesmo sentido, dos três citados e de vários outros, incluindo nossos colegas jornalistas, que devem sentir-se profundamente injustiçados porque não participam das reuniões do Copom nem são conselheiros do ministro Palocci. O fato é que o PIB cresceu mais de 5%, as vendas no varejo cresceram 9,3%, a produção industrial cresceu 8,3%. O pessoal errou feio – mas continua sendo ouvido como se tivesse acertado.
Matéria da Folha de S.Paulo (7/3/2004): ‘Os economistas Edward Amadeo, Delfim Netto e Ricardo Carneiro prevêem que o desemprego não deva cair em 2004’. Na mesma matéria, um dos gurus econômicos do PT, Paul Singer, ‘reconhece que não haverá aumento do nível de emprego nos setores formais da economia em 2004’.
Só que o número de empregos subiu – citando de memória, foram criados entre 1,5 e 2 milhões de empregos no país.
Jornalismo é oposição, ensina o mestre Millôr Fernandes. Mas não é oposição apenas a governos: é crítica com relação a todos os aspectos da vida. Se o empresário ou o economista, por mais bem titulado que seja, erra sistematicamente, por que não inquiri-lo a esse respeito, antes de publicar suas novas previsões?
A imprensa escolhe o alvo
Alguém acredita que, para lavar dinheiro, um cavalheiro venha a São Paulo, faça parceria com o principal clube do país, contrate jogadores valorizadíssimos e dê entrevistas todos os dias? E, embora assessorado por advogados dos mais competentes, não saberia quais os vistos necessários para viver e trabalhar aqui?
Este colunista é corintiano. Não conhece o investidor Kia Joorabchian, não teve paciência para ler o contrato que sua MSI assinou com o clube, não sabe o nome dos investidores que integram a parceria. Mas lê jornais e faz perguntas. Por exemplo, quem sabia alguma coisa a respeito de Gianni Grisendi, quando fez parceria com o Palmeiras? Ou, melhor ainda, quais eram os investidores agrupados na Hicks Muse, que fez parceria com o Corinthians?
Ora, colegas! Vamos falar de futebol e evitar bobagens. Dizer que milionários de nomes impronunciáveis, com ordem de prisão na Rússia, participam da parceria, é esquecer que os referidos cavalheiros moram em Londres, sede da Interpol. Se fossem procurados por algum crime, a Scotland Yard estaria ali, pertinho, e os entregaria aos russos. Não seria mais sensato imaginar que os milionários são perseguidos na Rússia porque se opõem ao presidente Vladimir Putin – que, a propósito, já foi chefe da KGB, a polícia secreta da antiga URSS? E o georgiano, então? Volta e meia o acusam de participar da MSI. E daí? Qual o crime? Ao que se saiba, o georgiano de nome impronunciável mora em seu país, goza de todos os direitos de cidadania e não tem qualquer polícia em seu encalço.
A imprensa já tentou até expulsar Kia Joorabchian do país. Refere-se a ele como ‘o iraniano’ ou ‘o estrangeiro’. Seria tão criticado se, se em vez de iraniano com nome de armênio, de cabelos escuros, fosse americano de olhos azuis?
Paço e repaço
A nota veio da assessoria de imprensa de um prefeito litorâneo. E informa que determinada cerimônia ocorreria no ‘Passo’ Municipal.
Vernáculo e solecismos
Há alguns anos, dois brilhantes deputados estaduais, Raul Schwinden e Arruda Castanho, dedicaram-se a combater a má linguagem parlamentar. Foram derrotados, é claro: os ‘creio de que’ sempre saem triunfantes. Mas, mesmo depois que perderam as esperanças de ouvir um português medianamente correto, mantiveram sua cruzada, só que como brincadeira. Às vezes, quando um deputado agredia com mais ênfase a língua que falamos, um dos dois pedia um aparte e, sério, solicitava: ‘Excelência, cuidado com o solecismo’.
Nunca ninguém os entendeu. Solecismo, imaginavam, devia ser algo a ser cuidado com protetor solar.
Hoje, suas excelências foram batidos. O texto jornalístico anda lamentável: as regências são massacradas, os pronomes oblíquos se transformam em ângulos retos (aqueles que fervem a 90 graus). Outro dia, o lateral corintiano Fininho, vaiado pela torcida, revidou com um gesto obsceno. Um jornal, no dia seguinte, conversou com Fininho para saber se já tinha esfriado a cabeça, e soube que ele passara a noite inteira acordado, conversando com um outro jogador. Segundo o texto, este jogador ‘passou o tempo o consolando’.
Ah, o uso dos pronomes! Ah, o duplo sentido jamais percebido!
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação