Vários leitores têm me escrito perguntando por que escrevo mais sobre temas internacionais e questões teóricas do que sobre problemas diários da imprensa brasileira. O questionamento me levou a uma nova reflexão sobre o que é mais importante no momento para alcançarmos um modelo mais completo de comunicação jornalística.
A crítica do estado atual da imprensa brasileira está sendo feita de forma exemplar pelos meus colegas de Observatório da Imprensa. Minha preocupação é complementar o trabalho que já está sendo desenvolvido, explorando o que pode vir por aí em matéria de transformações no mundo da comunicação jornalística, sacudido por mudanças radicais desde o surgimento das tecnologias de informação e comunicação (TICs). Ter uma visão mínima do rumo que as coisas estão tomando nos permite participar do processo de mudança e, com isso, levá-lo à direção mais próxima possível dos desejos e necessidades da sociedade em que vivemos.
Esta preocupação levou à pergunta sobre qual o papel futuro da notícia num ambiente onde a geração de conhecimento e de capital social passam a ser fatores essenciais num novo modelo econômico – que os especialistas chamam de “produção comunitária colaborativa”. Alguns leitores podem achar que estou “viajando na maionese”, mas o volume cada vez maior de trabalhos e pesquisas de profissionais sérios nos obriga a, no mínimo, pensar sobre a questão.
Trabalhos como os dos norte-americanos Yochai Benkler, Jeremy Rifkin e Henry Jenkins, do belga Michel Bawnes, do italiano Alberto Melucci e do espanhol Manuel Castells mostram que o surgimento de um novo modelo econômico, que não é baseado nem no mercado e nem no centralismo estatal, deixou de ser apenas um sonho para ganhar cada vez mais ares de possibilidade real.
Este novo paradigma econômico tem como componente básico a informação, o que incorpora a notícia ao processo porque é a partir dela que muitos chegam a produzir informação. A notícia jornalística é um dado (fato, evento, número ou objeto) desconhecido por quem a recebe. Ao tomar conhecimento de um dado desconhecido, o leitor de jornal, ouvinte, telespectador ou internauta, na maioria dos casos, fica intrigado, curioso ou inseguro.
É que a notícia recebida alterou o universo cognitivo do indivíduo, levando-o a procurar mais dados para poder contextualizá-la na perspectiva individual, para identificar causas, consequências, prejudicados e beneficiados. Também pode discutir com parentes, amigos, colegas de trabalho e vizinhos para trocar ideias, preocupações, temores ou esperanças. As duas iniciativas geram informações, ou seja, dados contextualizados que passam a ter significado, representar algo para o indivíduo, ou grupo de indivíduos.
Tanto a busca de novos dados como a troca de ideias com outras pessoas geram conhecimento – ou, de maneira genérica, decisões sobre o que fazer ou não fazer. E o conjunto desses conhecimentos acumulados em um grupo social, ou comunidade, tornou-se conhecido pelo nome de capital social, um termo já consagrado pelos economistas do Banco Mundial como um fator obrigatório na análise do grau de desenvolvimento de países e zonas geográficas.
Tudo isso começou com a notícia publicada num jornal, na rádio, TV ou página na Web. E para que a notícia jornalística cumpra a sua função ela passa a ter um papel determinado pela sua utilidade ou interesses sociais, e não pelo potencial que ela tem de atrair público capaz de consumir produtos oferecidos pela publicidade impressa ou audiovisual.
Isso não quer dizer que a publicidade em meios jornalísticos deixará de existir, afinal ela é um elemento importante na sustentação financeira de uma empresa jornalística. O importante, e novo, é que os jornalistas deixarão de avaliar uma notícia apenas em função de seu potencial de venda e poderão dar mais relevância ao papel que ela tem na produção de capital social, que no final das contas é o que garante o bem estar material e imaterial de uma comunidade.
Esta é uma mudança de perspectiva profissional que não acontecerá da noite para o dia, porque implica alterar padrões de comportamento, rotinas e valores entranhados há muito tempo nas redações de empresas jornalísticas. Mas quanto antes começarmos a pensar e conversar sobre a nova perspectiva da notícia num ambiente digital, mais chances teremos de que os seus resultados apareçam o mais cedo possível.
Esta é a minha preocupação e a minha contribuição para este grande “papo de botequim” sobre a notícia jornalística.