Passou o Natal, a virada do ano, janeiro e até mesmo o Carnaval, e os jornais continuaram a derrapar durante as férias escolares. Teve de tudo: demitiram o presidente do BNDES antes do próprio Planalto, requentaram matéria, omitiram-se em assuntos delicados e até confundiram o leitor, causando boas risadas. O levantamento do Monitor de Mídia foi superficial, mas revelador da queda na qualidade dos produtos jornalísticos no período.
Falta de assunto?
Passado o Carnaval, a ressaca teimava em permanecer. Tanto é que A Notícia parecia sem assunto no dia 10 de fevereiro, quando o ‘Anexo’ trouxe na capa uma matéria de agência, antiga, sem os devidos créditos ou qualquer gancho jornalístico. ‘A verdadeira viagem de Darwin’ teve chamada na capa e ocupou toda a primeira página do caderno de cultura do AN com infográfico e fotos. Nada mal se a reportagem não tivesse sido publicada em O Estado de S.Paulo em 3 de outubro do ano passado. Na versão original, assinada por Ubiratan Brasil, a matéria tinha o título de ‘A viagem de iniciação de Charles Darwin’. O que teria levado A Notícia a publicar a matéria só agora, já que o livro a que se refere está nas livrarias há pelo menos quatro meses? Por que o jornal de Joinville não deu os devidos créditos ao material como geralmente faz e como assim deve ser? Será que não havia nada para estampar a capa do ‘Anexo’ naquela quinta após os festejos de Momo???
Poucas palavras
Apesar de ruidosas e pródigas na repercussão, as denúncias contra a escola do Ballet Bolshoi no Brasil não motivaram A Notícia a emitir muita opinião em seus editoriais. Desde novembro passado em pauta, o assunto não foi ignorado pela redação e rendeu diversas páginas sobre as supostas irregularidades na gestão do negócio por aqui. Habituado a refletir sobre a conjuntura catarinense, o jornal de Joinville – no mesmo período do tiroteio – escreveu apenas um editorial sobre o assunto, ‘Bolshoi sob investigação’, de 30 de novembro. E mesmo nele, o jornal não foi muito longe, apenas lamentando o ocorrido e esperando que o problema se resolvesse. A economia de palavras do jornal é intrigante já que o veículo tem sua sede em Joinville, e já que a vinda da escola foi um projeto pessoal do atual governador Luiz Henrique da Silveira, bem ligado ao NA
Demitido duas vezes
2004 deve ter sido um ano daqueles nas redações, com muita gente estava esgotada e estressada antes mesmo do recesso final. Uma derrapada antológica foi a antecipação da demissão do presidente do BNDES, Carlos Lessa, em meados de novembro. Tudo bem que o economista já vinha batendo de frente com setores poderosos do governo e que suas declarações chegavam a desautorizar ministros publicamente. A queda parecia iminente, os boatos se multiplicavam. Até que na edição de 13 de novembro, A Notícia trouxe a demissão por ‘indisciplina verbal’ com chamada na capa – destacada em vermelho – e no alto da página A10: ‘Presidente e diretores do BNDES são demitidos’. Acontece que Lessa não caiu naquele dia, e só foi desligado do governo seis dias depois. O leitor desavisado deve ter ficado confuso, quando leu a mesma notícia no dia 19: o presidente estava sendo demitido pela segunda vez? A edição daquele dia foi amena. O título à página A11 era brando (‘Lula afasta Carlos Lessa da presidência do BNDES’) e não havia nenhuma menção ao fato na capa. Gato escaldado…
Antes, mas não muito
A edição dominical de 28 de novembro de A Notícia chegou quentíssima às bancas. Trazia com alarde os resultados dos jogos dos times catarinenses ocorridos na tarde de sábado e uma matéria-bomba sobre o rompimento do PT com o governador Luiz Henrique. Acima da manchete um carimbo avisava ‘Antes da Concorrência’. A tática foi chegar ao leitor com noticiário mais fresco e marcar a ocasião em que o jornal estendia o horário do fechamento no sábado. Muita gente não sabe, mas a maioria dos jornais já tem pronta quase toda a edição de domingo na manhã de sábado. Ao estender o prazo, A Notícia fica mais atual, pois pode incluir fatos recentíssimos que acontecem.
Na edição do dia 28, o jornal trouxe anúncios em que explicava o carimbo ‘Antes da Concorrência’, fazendo alarde e marketing, o que é justo e esperado, diga-se. Acontece que, às vezes, a euforia atropela o bom senso: na mesma edição de novembro, o carimbo foi estampado ao lado de ‘Joãosinho Trinta sofre derrame e é internado’. Não fosse apenas isso, tudo bem. Mas o carimbo vem sendo aplicado muito pouco desde então. Pode-se perguntar: a estratégia não deu certo? Nada tem ocorrido no sábado?
Batendo cabeça
Mas não foi só A Notícia que escorregou nessas férias. Seu concorrente direto, o Diário Catarinense, também fez das suas. O leitor pôde conferir uma delas na edição de 18 de dezembro passado. Ainda com as denúncias no ar sobre supostas irregularidades no Bolshoi, o jornal trouxe duas matérias na mesma edição sobre a quinta seleção de alunos: uma na editoria de Geral (‘Bolshoi divulga lista de aprovados’, página 19) e outra na de Variedades (‘Bolshoi faz sua quinta seleção’, à página 3). Os textos não são os mesmos, mas algumas informações se repetem e outras se desconhecem. No final da matéria editada na seção de Variedades, há inclusive uma chamada para que o leitor confira a lista completa dos aprovados no site ClicRBS. Entretanto, a mesma edição do DC já trazia a lista impressa poucas páginas antes. Faltou comunicação entre as editorias…
Proximidade que compromete
Jornalismo vive de credibilidade e, às vezes, um deslize pode abalar a confiança que o leitor deposita no veículo de comunicação. Um exemplo de como um jornal pode se complicar aconteceu no Diário Catarinense de 19 de dezembro. Na editoria de Economia, o leitor passeava pelas matérias sobre presentes natalinos e deparou-se com ‘Celular vira vedete do Natal 2004’. Nada de mais se do lado não houve um anúncio de página inteira em cores da Koerich com ofertas de aparelhos de celulares. Não só isso. Em todo o jornal, o produto mais anunciado era o celular com diversas opções de compra. Será que ninguém no jornal viu essa proximidade preocupante? Será que não temeram que o leitor reclamaria? Como se não bastasse, o gancho da matéria – o fato do produto ser o mais procurado no final de ano – era velho, antigo: o Natal de 2003 já havia sido o Natal dos Celulares…
Esquizofrenia
Às vezes, a fama é tanta que impede que se veja algo que a contrarie. Dois títulos da editoria de Esportes de A Notícia, de 18 de janeiro, mostram isso. Na página A14, pode se ler ‘Sem privilégios, Tevez não será um Romário’, alusivo ao fato de que o atacante argentino estaria treinando como qualquer outro jogador do Corinthians. No alto da página ao lado, A15, a surpresa: ‘Romário volta aos treinos no Vasco’. Afinal, a comparação ainda pode se manter?
Confusão nos títulos
Apurar os fatos, entrevistar e escrever reportagens não são tarefas fáceis. Editar o material na página e dar títulos também não é moleza. Às vezes, sintetizar a idéia mais importante expressa num texto em uma única linha dá um trabalhão. O Monitor de Mídia selecionou seis títulos de A Notícia que chamaram a atenção, seja porque mais confundiram que informaram ou porque provocaram risos no leitor.
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‘Cabeça Oca promove venda de suas obras em garagem’ – 18/12/2004, p. C3(O título soa engraçado, principalmente para quem não sabe da existência do Grupo Independente de Arte Cabeça Oca, de Concórdia…)
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‘Adolescentes que sumiram são drogadas e estupradas’ – 11/01/2005, p. A12(Os tempos verbais do título causam uma confusão na cabeça do leitor. Afinal, as moças foram ou ainda são vítimas daquelas ações?)
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‘Bolsistas devem receber salário até fevereiro’ – 13/01/2004, p. A7(Se são bolsistas recebem bolsas, certo? Salários são pagos a trabalhadores, pois são remunerações distintas…)
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‘Pra sempre, Delfim Pádua Peixoto Filho’ – 16/01/2005, p. A16(A matéria é sobre a perpetuação dos dirigentes esportivos catarinenses, mas o título parece incentivar a prática…)
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‘Por 40 a 0, Garcia é presidente’ – 02/02/2005, p. A5(O deputado Júlio Garcia foi eleito presidente da Assembléia Legislativa. Mas houve uma intensa negociação entre os partidos, o que resultou em chapa única. Então, como ele venceu por 40 a 0 se não havia adversário?)
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‘Futuro de Robert Scheidt pode estar na classe Finn’ – 04/02/2005, p. B1(O iatista deve estar mesmo cansado de vencer competições, mas o título e o nome da categoria pretendida mais parecem anunciar uma aposentadoria…)
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Monitor de Mídia (http://www.univali.br/monitor) é um produto de pesquisa científica do curso de Comunicação Social Jornalismo, da Universidade do Vale do Itajaí (Univali). Sua função é fazer o acompanhamento sistemático dos três maiores jornais diários de Santa Catarina, avaliando criticamente sua cobertura noticiosa. Este é um projeto de análise e crítica de mídia com o intuito de contribuir para um aperfeiçoamento da imprensa.