Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os jornais diante do desafio do engajamento comunitário

Na era digital, a relação direta com o público passa a ter para os jornais um papel equivalente ao atribuído até agora às bancas e aos jornaleiros. A nova modalidade de relacionamento com o leitor passa também a ter mão dupla, já que o público tem hoje a possibilidade participar do processo de produção de notícias.

As consequências dessa mudança provocada pela internet motivaram o surgimento da preocupação com o que os norte-americanos chamam de engajamento comunitário (community engagement), uma estratégia baseada na interatividade e participação, que visa ao estabelecimento de uma nova relação com o leitor.

A redução da distância entre redações e leitores é vista como um objetivo essencial e inadiável pela maioria dos profissionais que passaram a se preocupar com o engajamento comunitário. Só que os mesmos jornalistas admitem que se trata de uma questão muito complexa e que ainda vai exigir muita reflexão e discussão, conforme ficou evidenciado no relatório final de uma reunião de 10 jornais norte-americanos, realizada em fevereiro deste ano, na Universidade do Texas.

Todos os participantes reconheceram a urgência na redefinição das relações com os leitores ao admitir que ela é o principal canal de circulação de notícias, já que a internet reduziu drasticamente o papel das bancas de jornais e da venda avulsa, hoje praticamente extinta. Mas salientaram que as incógnitas e incertezas são quase tão grandes quanto a certeza de que a reaproximação com o leitor é indispensável à sobrevivência das empresas jornalísticas na era digital.

Na era da escassez informativa, o público não tinha outra opção senão correr atrás da notícia. Hoje, a situação é inversa: a notícia de atualidade tornou-se onipresente e os jornais passaram a depender da busca ao leitor para se tornarem sustentáveis financeiramente. O engajamento comunitário é visto como a nova forma de criar bases econômicas para a sobrevivência da imprensa, em regiões com superoferta informativa.

Há o problema da herança cultural da era analógica/industrial, quando as redações assumiram uma postura superior e até paternalista em relação ao leitor, visto como um consumidor passivo de notícias. A exposição dos profissionais à crítica do público incomoda muitos profissionais e gera situações constrangedoras.

No encontro de profissionais na universidade do Texas, promovido pelo Engaging News Project, os participantes afirmaram que é indispensável dissociar a busca de uma nova relação com o público da herança deixada pelas seções de cartas de leitores, considerada um paradigma da relação desigual entre as redações e os compradores de jornais.

Mas há problemas muito mais complicados. O principal deles é o fato de que a internet cria condições para a segmentação e personalização dos interesses dos leitores, o que gera o dilema de identificar estes nichos para poder estabelecer uma relação interativa. Isto exige uma pesquisa e definição de perfis de leitores, coisa que os jornalistas não estão acostumados a fazer.

As temáticas locais e hiperlocais passaram a ter uma grande importância na relação do leitor com os veículos jornalísticos porque a internet criou canais para que esse tipo de notícia. Como a informação local gerada em comunidades sociais é muito diversificada, os jornais precisam da colaboração dos leitores para obter dados para produzir reportagens. Isto implica o desenvolvimento de uma parceria entre leitor e jornalista, onde o essencial é o reconhecimento mútuo de que uma parte não pode prescindir da outra, se o objetivo é a produção de notícias o mais objetivas, exatas e isentas possíveis.

Outra questão complexa é a da avaliação dos resultados da interação. As métricas usadas rotineiramente foram desenvolvidas pelo marketing ou pela publicidade e não servem para medir o grau de envolvimento do público com as redações. É uma questão técnica, que as redações preferem deixar com o pessoal do marketing, mas na era dos grandes dados é impossível pensar em informação sem considerar números e estatísticas.

A experiência passada mostrou que o relacionamento entre jornalistas e leitores na era da internet passa por momentos muito delicados, que exigem paciência e tolerância dos jornalistas diante de comentários hostis de leitores. Embora cada profissional tenha uma experiência diferenciada nessa área, o procedimento que tem se mostrado mais eficaz é evitar o bate-boca individualizado e procurar sempre envolver todos os leitores no debate das críticas e agressões para evitar a personalização do problema em questão. É uma estratégia de longo prazo, mas que dá resultados.

Outra sugestão recolhida a partir da experiência de profissionais no relacionamento com o público é procurar sempre levar o debate para as questões contextuais e estruturais do problema, deixando que os leitores tragam sua percepção dos fatos. O jornalista passa a funcionar como uma espécie de mediador do debate entre os leitores, ajudando-os a entender melhor o que está acontecendo ao fornecer elementos para a contextualização do problema em pauta.

Mas, acima de tudo, o tal do engajamento comunitário passa pela necessidade de os profissionais ouvirem os leitores. Em vez de assumir o papel de juiz do que é bom ou mau para o público, a melhor atitude para chegar à parceria com o leitor parece mesmo ser o hábito de, antes de tudo, escutar o que ele tem a dizer.