Na era analógica, pré-internet o senso comum no jornalismo apontaria o esforço físico como a prioridade, mas na era digital é o trabalho intelectual que começa a exigir mais dedicação dos profissionais da comunicação.
Antes da internet, os repórteres precisavam correr atrás da informação onde ela estivesse, o que exigia gastar um bocado de sola de sapato, sem que isto significasse que os neurônios deixassem de ser indispensáveis. As novas tecnologias de informação e comunicação (TICs) inverteram as prioridades no trabalho jornalístico, fato que muitos profissionais experientes ainda não lograram assimilar.
O uso intensivo do intelecto tornou-se a principal exigência para os jornalistas da era digital por dois motivos:
1. As TICs deram às pessoas a possibilidade de transmitir ou publicar notícias (dados inéditos) fazendo com que os fatos, números e eventos cheguem até o repórter numa velocidade, intensidade e diversidade nunca vistos antes. As versões sobre uma mesma notícia chegam aos borbotões via blogs, redes sociais, micromensagens, correio eletrônico chats etc.
2. O problema não está mais em buscar notícias, mas em selecioná-las, filtrá-las e contextualizá-las. E isto é um trabalho basicamente intelectual, onde os neurônios são ativados de forma intensiva e constante. Para que um profissional dê conta dessa tarefa ele precisa ter cultura informativa – ou literacia, uma expressão anglófona para identificar a capacidade de trabalhar o conteúdo de uma informação e não apenas as técnicas de redação e formatação para publicação.
A cultura de valorizar o esforço físico e a obediência estrita às normas redacionais cedem espaço à exigência de estar bem informado, em vez de ter informações, e à valorização da versatilidade intelectual. A combinação desses fatores indica uma exigência de qualificação profissional muito superior a do jornalismo praticado nos moldes convencionais.
Estar bem informado não significa apenas ter fontes confiáveis e nem um nutrido caderno de telefones e e-mails. Significa ser capaz de recombinar notícias, dados, fatos, eventos e processos, bem como situá-los no contexto do público-alvo do jornalista. Os manuais são ótimos para normatizar a formatação de textos e narrativas audiovisuais, mas eles não servem para orientar o processo de remixagem de conteúdos informativos. Isto é um trabalho individual ou de grupo, onde as regras são menos importantes que a criatividade e inovação.
O trabalho numa redação jornalística está deixando de ser fordista (estratégia de produção baseada em linhas de montagens) para ganhar características de brain storm permanente. Isso não quer dizer que até agora os jornalistas não usavam o intelecto. O problema é que o esforço físico para ir buscar as notícias era tão intenso que acabava ganhando mais importância dos repórteres e editores porque atendia à necessidade de enfrentar a concorrência.
A dificuldade é que muitos professores de jornalismo e donos de empresas jornalísticas ainda lidam com o computador como se ele fosse um máquina de escrever mais rápida e versátil, bem como encaram a internet como um telégrafo inteligente e instantâneo. Está em curso uma mudança cultural mais ampla do que simplesmente adotar novos formatos, normas, equipamentos e processos.
O jornalista e o jornalismo estão imersos num ambiente informativo marcado pela avalancha de dados e informações. O trabalho com o sistema de buscas Google é obrigatório porque ele é um auxiliar indispensável para a filtragem e seleção de dados a serem usados numa reportagem.
Mas só o Google não resolve porque é necessário ver os números, fatos e eventos no seu contexto de origem e também no contexto do público-alvo. Para isso o repórter ou editor deve estar informado sobre o contexto original e sobre o do leitor, ouvinte ou telespectador. Um mesmo dado pode ter um significado na origem e outro completamente diferente no destino, e só quem pode fazer esta distinção é o jornalista.
Outra mudança importante. Os futuros jornalistas terão obrigatoriamente que saber lidar com dados porque estamos caminhando para uma sociedade movida a números. A digitalização permitiu transformar quase tudo em dígitos que podem ser processados sinalizando tendências e correlações. Caberá ao jornalista digital descobrir, na profusão de números, os sentidos e significados relevantes para o público.
Estamos diante de uma eventual quebra do paradigma “90% transpiração, 10% inspiração”.