Como começar no jornalismo? Há alguns anos esta pergunta teria uma reação imediata: procure um jornal. Mas, em tempo de crise na imprensa, a resposta não é mais rápida e muito menos fácil para mais de 50% dos estudantes diplomados anualmente por faculdades de jornalismo no Brasil. No entanto, algumas experiências aqui e no exterior já permitem apontar uma direção.
Duas pesquisadoras norte-americanas trabalham há um ano para mostrar que o futuro imediato dos novos profissionais – e também dos que perderam seus empregos – está no chamado jornalismo de nicho, especializado num único tema. As conclusões do estudo devem ser divulgadas em outubro e comprovam que a alternativa é viável e, mais do que isso, já produziu casos considerados de sucesso na imprensa norte-americana, a mais competitiva do mundo.
O jornalismo de nichos noticiosos é uma variante do jornalismo praticada há muitos anos, mas que ganhou notoriedade com a ampliação do uso da Web como plataforma para a veiculação de notícias. O custo de produção e distribuição na era analógica inviabilizavam as iniciativas focadas num único tema e voltadas para segmentos específicos do público. A digitalização e a internet mudaram radicalmente esse quadro porque o custo da distribuição caiu a quase zero ao mesmo tempo em que o da produção limita-se a um computador, alguns programas, tempo e acesso à internet.
Danny Sullivan conhece bem esta receita porque ele é considerado um dos mais bem-sucedidos jornalistas que optaram pela exploração de um nicho de notícias. Em 1997, ele criou o site Search Engine Watch com notícias e dicas sobre como fazer buscas na internet, um ano antes do Google ser oficialmente lançado. Em 2006, Danny vendeu o Search Engine Watch por 46 milhões de dólares e criou o Search Engine Land, que dirige até hoje.
Lara Setrakian, uma das responsáveis pela pesquisa promovida pelo Tow Center, da Universidade Columbia, em Nova York, é a criadora do site Deeply Syria, especializado na cobertura dos conflitos na Síria, que se transformou na grande fonte de informações para toda a imprensa norte-americana sobre a crise naquele país árabe. A opção por nichos informativos tornou-se uma mina de ouro para muitos profissionais experientes e mais recentemente passou a ser também a estratégia adotada pela maioria das escolas de jornalismo dos Estados Unidos na formação de novos jornalistas, como é o caso da Universidade de Nova York (CUNY).
A prática do jornalismo especializado autônomo não é muito diferente da desenvolvida em redações ou coletivos de profissionais, mas ela exige muito em matéria de pesquisa, reflexão, conhecimento e, principalmente, credibilidade. Lisa Williams, criadora um blog para ensinar programação para jornalistas, usou a sua experiência para sugerir quatro regras básicas para quem deseja aventurar-se no mundo dos nichos noticiosos. E nenhuma das quatro regras tem a ver com tecnologia ou jornalismo, e sim com comportamentos e atitudes pessoais.
As quatro regras de Lisa são:
1. Nunca ofereça grátis algo que você pretende cobrar mais tarde. Uma mudança de comportamento como esta, irrita e afasta quem acreditou e gosta do material que você publica;
2. Evite de todas as formas possíveis que um projeto comprometa suas relações afetivas. Os projetos podem ser substituídos, amigos e parentes, não. Eles são o principal apoio nos inevitáveis tempos difíceis no início do projeto;
3. Seja o mais amplo possível na sua especialização. Parece contraditório, mas não é. Um nicho precisa ser informativamente muito completo e diversificado para concorrer com sites generalistas já estabelecidos. Quem procura um nicho quer algo especial e único;
4. Procure descobrir: você pode tocar o projeto sozinho? Esta é uma pergunta considerada básica porque no início não será possível contratar ninguém e nenhum serviço. Começar endividado ou com compromissos fixos, como salários, é o caminho mais curto para a frustração.
A estas regras poderíamos somar mais algumas recomendações fruto de experiências pessoais. A principal delas é relativa à sustentabilidade financeira do jornalista que está começando um blog sobre um nicho informativo. Escolha uma área que você gosta muito. Algo que seja quase um hobby, porque você vai precisar muito do prazer para aguentar um bom tempo sem uma recompensa financeira animadora. Durante algum tempo será necessária uma fonte suplementar de renda que não pode, no entanto, tirar tempo do trabalho no nicho noticioso.
Outros profissionais que enveredaram pelo caminho do trabalho noticioso autônomo são unânimes em sugerir um relacionamento intenso com os leitores de seu blog ou página pessoal. Mantenha sempre aberta a área de comentários do blog ou página.
A relação de quem está começando com os leitores não pode ser unidirecional, e sim de mão dupla. Quando um jornalista escolhe um nicho noticioso para explorar é inevitável encontrar pessoas que sabem mais do que ele. Em situações como esta, o ideal é estimular a colaboração e a reciprocidade, porque quem conhece muito de um assunto normalmente tem amigos que compartilham o interesse e podem ser muito úteis na formação de uma comunidade de leitores.
A multiplicação de nichos informativos é um dos prováveis sustentáculos futuros dos grandes veículos de comunicação jornalística. Um jornal, por exemplo, não pode ter uma equipe de repórteres suficientemente grande para fazer a cobertura de assuntos locais numa grande cidade. É muito caro e, por isso, muitos já estão recorrendo a nichos jornalísticos hiperlocais sempre que algo ocorre na área de abrangência do projeto independente.
O relacionamento entre empresas jornalísticas e profissionais autônomos ainda é instável, mas tende a se consolidar para atender necessidades de ambos os lados. Os jornais terão que contar com uma rede de nichos noticiosos autônomos para obter matéria-prima informativa, enquanto os blogs e páginas noticiosas autônomas terão que lograr um retorno financeiro compensador.