Tuesday, 03 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Lan houses e a inclusão digital

Em poucos lugares do mundo a inclusão digital tem acontecido de forma tão rápida quanto no Brasil. Se em 2001, de acordo com os indicadores mundiais de desenvolvimento do Banco Mundial, apenas 4,5 em cada cem brasileiros tinham acesso à internet – pouco mais da metade da média mundial de então –; em 2008 já eram 37,5 internautas a cada cem habitantes – número já muito superior à media mundial, de 23,9 acessos a cada cem habitantes. E, como não poderia deixar de ser, todos querem ser reconhecidos como os responsáveis por esse sucesso. Os muitos governos foram os primeiros a assumir a paternidade do fenômeno, creditando a rápida expansão da internet no Brasil às diversas políticas de inclusão digital implementadas nos níveis municipal, estadual e federal. As operadoras de telecomunicações, logo em seguida, trataram de achar na expansão da internet o seu DNA, supostamente fruto de pesados investimentos na ampliação da infra-estrutura de banda larga.



Mas não é nos governos nem no mercado formal que estão os principais responsáveis pela inclusão digital do país. Se hoje a internet está mais perto dos brasileiros, isso se deve, primordialmente, à atuação de pequenos estabelecimentos, localizados em pequenas cidades do interior e nas periferias dos grandes centros urbanos: as lan houses. Segundo estimativas do Comitê Gestor da Internet no Brasil (cgi.br), existem hoje no país mais de 100 mil estabelecimentos desse tipo, que atendem cerca de 28 milhões de pessoas – aproximadamente 44% do total de usuários de internet do país. Nas classes D e E, 74% dos usuários de internet acessam a rede exclusivamente por meio de lan houses.


Entraves mercadológicos


A inclusão digital por aqui tem se dado, como sói acontecer neste lindo país ao sul do Equador, informalmente, com jeitinhos que driblam as enormes dificuldades impostas por nossa conjuntura política e econômica. Pesquisa recentemente publicada pelo cgi.br mostra que 97% das lan houses do país são microempresas familiares – pequenos empreendimentos, que disponibilizam em média menos de 10 computadores, faturam não mais que R$ 4 mil reais por mês, em média, e são geridos, na sua maioria, por pessoas com baixo grau de escolaridade. Quase nenhuma lan house é plenamente formal – na verdade, a maior parte tem pouco ou nenhum grau de formalidade.


E há uma explicação simples para essa alta informalidade: o que deveria ser apoiado pelo poder público é, muitas vezes, perseguido. Para poder funcionar em perfeita legalidade, as lan houses teriam de transpor inúmeras barreiras impostas pelas legislações federal, estadual e municipal – algumas delas, simplesmente intransponíveis. No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, a Lei nº 4.782/06 proibiu, durante os mais de quatro anos em que esteve em vigor, a abertura de lan houses a uma distância menor que um quilômetro de qualquer unidade de ensino. O resultado seria cômico se não fosse ridículo – ou era cômico justamente por ser ridículo. Na capital fluminense, por exemplo, os dois únicos lugares viáveis para a instalação de uma lan house, se a lei fosse aplicada à risca, seriam a Floresta da Tijuca e o vão da ponte Rio-Niterói. Em janeiro deste ano, finalmente, a impossível lei foi revogada, sem nunca ter sido cumprida.


Mas para as lan houses fluminenses – e para as de todo o país – restam ainda muitos outros entraves, não apenas burocráticos, mas também mercadológicos. O maior deles: o custo excessivo de acesso à banda larga, que faz com que a maior parte das lan houses oferte velocidades muito reduzidas de acesso pois, do contrário, perderiam sua viabilidade econômica. O problema é maior justamente onde as lan houses são mais necessárias: nas comunidades pobres, nas quais a oferta de serviço de telecomunicações é limitada e o preço do acesso à internet é mais caro.


Uma nova era?


Mas se a conjuntura política e econômica brasileira geram dificuldades ao funcionamento das lan houses, são justamente essas conjunturas que criaram o grande nicho de mercado que alimenta a sua profusão em todo o país: a falta de oferta de acesso domiciliar à internet a preços módicos. Há os entraves impostos pela necessidade de aquisição de computadores, não se pode negar, mas é nas altas tarifas de acesso à internet que estão os maiores obstáculos à universalização do serviço. No Amapá, por exemplo, uma conexão de míseros 600K pode custar R$ 429,90. Mesmo nos estados em que o acesso é mais barato, com um 1 Mega custando R$ 31,90, temos ainda um preço proibitivo para muitas famílias, que equivale a quase 6% do salário mínimo.


O que podemos esperar se o Plano Nacional de Banda Larga realmente vingar e o acesso à internet em banda larga passar a ser ofertado à população a preços acessíveis? O fim da maior parte das lan houses, por certo. Apesar delas terem sido fundamentais para a expansão da internet no país, é fato que o seu papel tem sentido apenas em um estágio específico da evolução da universalização, no qual o custo da banda larga é grande demais e boa parte da população não pode ter acesso à internet em casa. Uma vez superado esse entrave, o nicho de atuação das lan houses diminui radicalmente.


Estaremos prestes a iniciar uma nova era, na qual a inclusão digital não será mais a das lan houses, mas a do acesso domiciliar e universal? Há quem diga que sim. Há quem diga que não. E há quem prefira esperar para ver. Vou na terceira opção.

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Jornalista, mestre em Comunicação pela Universidade de Brasília e consultor legislativo da Câmara dos Deputados