Caso avancem as negociações entre um grupo de jornais, revistas e páginas noticiosas na Web com pelo menos duas grandes redes sociais virtuais, cairá por terra um dos mais tradicionais valores da imprensa mundial e estaremos cada vez mais próximos da possibilidade de o Facebook se transformar numa outra internet.
Um número ainda não revelado de empresas jornalísticas, algumas delas bem tradicionais como o The New York Times, estuda a possibilidade de publicar notícias, reportagens e análises em redes sociais como o Facebook.
Esta possibilidade, que rompe a histórica tradição de cada veículo possuir também a sua própria plataforma de publicação, é estimulada pelo desejo de pegar carona nas redes sociais que são hoje o grande ponto de encontro de pessoas na internet. É um esforço para ampliar audiências visando aumentar o faturamento com publicidade online, mesmo perdendo parte importante da autonomia corporativa. Seria o equivalente a entregar os anéis para não perder os dedos.
A lógica econômica faz sentido para um segmento corporativo que ainda não encontrou um modelo de negócios compatível com a nova realidade digital no consumo de informações jornalísticas. A publicação de conteúdos jornalísticos em redes sociais equivale ao surgimento de franquias noticiosas na internet (o que os marqueteiros chamam de conteúdos distribuídos) e à institucionalização da figura do jornalista terceirizado.
A mudança é muito grande e pode não acontecer da forma como esperam tanto as redes sociais como os jornais que namoram a fórmula dos conteúdos distribuídos. Para o The New York Times, por exemplo, o interesse óbvio é comercial e financeiro. Só a ampliação das receitas online poderia explicar por que o jornal decide alterar uma cultura secular em matéria de produção jornalística e independência editorial.
Embora os detalhes do projeto ainda não tenham sido divulgados oficialmente, experiências feitas por outros sites, como o Snapchat, indicam que as redes compartilhariam o faturamento resultante do aumento de visitações com as empresas jornalísticas responsáveis pela produção dos conteúdos informativos.
O fenomenal crescimento dos usuários de redes sociais (só o Facebook tem quase 1,4 bilhão de usuários frequentes em todo mundo) está levando empresas produtoras de conteúdos a pegar carona no sucesso o alheio. Em termos de negócio é atraente usar a popularidade alheia em vez de gastar rios de dinheiro para cativar e fidelizar internautas. Para as redes, é um atrativo a mais para manter as pessoas conectadas, sem trocar de endereço na Web. Em princípio seria um bom negócio para ambas partes.
Acontece que as redes sociais na internet não são algo permanente e sólido. O fenômeno das redes vai continuar, mas a volatilidade dos usuários em matéria de marcas é muito grande. Uma pesquisa do instituto Pew Research Center mostrou que os norte-americanos estão, em média, vinculados a cinco redes sociais virtuais diferentes. Também é histórico o processo de migração de usuários de uma rede para outra.
O Facebook cresceu à custa da importação de usuários do MySpace e do Orkut. Hoje, já ocorre uma migração similar em relação ao Facebook, com a redução acentuada do público mais jovem e um sensível “envelhecimento” da média da audiência. Redes como Instagram, Snapchat, Whatsapp, Pinterest e Linkedin, e até mesmo projetos mais recentes como a Ello e a Kik, são hoje o principal alvo dos anunciantes online, o que deixou os jornais numa situação difícil porque sua participação no bolo publicitário deixou de crescer desde 2013.
Estabelecer uma aliança estratégica com as redes sociais significa importar também a sua volatilidade e a cultura do risco permanente que elas trazem no seu DNA corporativo. A imprensa tradicional tem como um de seus principais valores a preocupação em errar o menos possível. Já as redes assumem os revezes como uma consequência inevitável da necessidade da inovação permanente, para manter-se num mercado em constante ebulição. Para analistas da imprensa digital, como o norte-americano Jeff Jarvis, “é como se o The New York Times, de repente abandonasse uma cultura centenária para incorporar o espírito da garotada do Whatsapp”.
As redes tentam seduzir os jornais com outras vantagens, como a maior rapidez no acesso a uma informação online. Atualmente quem está no Facebook e clica numa notícia tem que esperar de cinco a oito segundos para sair da rede social e entrar na página do jornal. Com o conteúdo distribuído, o acesso passa a ser de milissegundos porque o usuário não sai da página da rede social. No Brasil, esta perda de tempo não é notada por conta da lentidão de nossa internet, mas nos Estados Unidos e Europa a velocidade de acesso conta muito na hora de fazer negócios.
A grande imprensa perdeu há tempos o controle dos acessos à suas páginas noticiosas na Web. O Facebook é responsável por 40% dos acessos à página do The New York Times. O Google teria outros 40%, o que limitaria a magros 20% o total de leitores que acessam diretamente a página do NYT. Caso a aliança jornais/redes sociais na Web avance, a imprensa perderá o controle sobre seus leitores e também sobre a publicidade, já que os dados sobre acessos de usuários e o relacionamento com anunciantes deve ser assumido pelas redes. É a quebra de um modelo histórico na imprensa mundial, que sempre foi muito ciosa dos segredos envolvendo o relacionamento com público e anunciantes.
Outra consequência relevante é o fato de os jornais publicados numa rede social perderem também o controle do fluxo das notícias e informações. Numa rede social, as pessoas têm uma postura diferente da que têm diante de um jornal. No impresso, a leitura é sequencial, causal e reflexiva. Na internet, as pessoas só leem os dois ou três primeiros parágrafos e depois passam adiante, preocupando-se mais em elogiar ou criticar a notícia ou comentário. O elogio ou crítica é em seguida passado sucessivas vezes adiante, com a incorporação de novas observações. Geralmente depois de um certo número de compartilhamentos, o contexto da notícia é bem diferente do original.