Os cortes realizados pelo governo federal no 3º Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3) foram duramente criticados pelos movimentos e organizações sociais ligados às questões dos direitos humanos no Brasil. A avaliação geral é de que as mudanças representam retrocessos nos temas específicos, demonstram que o governo cedeu a todas as pressões de grupos conservadores e também colocam em xeque o compromisso do Estado brasileiro com os processos participativos de construção de políticas públicas. O PNDH 3 expressa o resultado da Conferência Nacional de Direitos Humanos.
Em nota divulgada na sexta-feira (14/5), o Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) diz que ‘o governo federal fez uma escolha que atende às reações conservadoras’. Também registra que as alterações ‘desconhecem e desrespeitam as organizações da sociedade que democraticamente participaram do processo de construção do PNDH-3 e que saíram amplamente em sua defesa’. [Veja a íntegra da nota]
As críticas feitas especificamente em relação aos cortes realizados na Diretriz 22 do plano, que trata da ‘Garantia do direito à comunicação democrática e ao acesso à informação para a consolidação de uma cultura em Direitos Humanos’, reforçam a idéia de que as mudanças atendem aos interesses de grupos com interesses conservadores, que não participaram do processo de construção do PNDH. Os grandes grupos de comunicação fizeram, logo após a publicação do decreto que instituiu o plano, forte campanha através de seus veículos, comparando as medidas incluídas na Diretriz 22 a tentativas de censurar e controlar a mídia. [Saiba mais]
O decreto que alterou o texto original do plano, publicado na quarta-feira (13), prevê a mudança de texto em uma das ações programáticas e a supressão de outra, ambas relacionadas ao Objetivo 1 – ‘Promover o respeito aos Direitos Humanos nos meios de comunicação e o cumprimento de seu papel na promoção da cultura em Direitos Humanos’.
Mudanças na Diretriz 22
A alteração da ação programática ‘A’ retira a proposta de uma regulamentação do Artigo 221 da Constituição Federal, que estabelece as diretrizes para a exploração de concessões de rádio e TV, estabelecendo o respeito aos direitos humanos como critério para a concessão e renovação das outorgas. No texto original, havia ainda a indicação de que esta regulamentação previsse punições aos veículos que violassem os direitos humanos.
Agora, há apenas a proposta é a ‘a criação de marco legal, nos termos do art. 221 da Constituição, estabelecendo o respeito aos Direitos Humanos nos serviços de radiodifusão (rádio e televisão) concedidos, permitidos ou autorizados’.
Já a exclusão da ação programática ‘D’ tira do PNDH3 a proposta de criação de um ‘ranking dos veículos comprometidos com a defesa dos direitos humanos, assim como dos que cometem violações’.
Ataque conservador
‘A questão central destas mudanças é o simbolismo do recuo: está se recuando por pressão dos setores que não querem mudar as estruturas de poder no país’, comenta João Paulo Mehl, do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social. Para ele, os ataques promovidos contra as medidas relacionadas às violações dos direitos humanos na mídia foram muito pesados ‘porque é através deste monopólio que temos nas comunicações que várias pautas dos movimentos sociais são invisibilizadas’. ‘Proteger e blindar os meios que sempre lhe deram sustentação é estratégico para os vários grupos conservadores que defenderam também as demais mudanças no plano’, avalia.
Em relação aos argumentos usados pelo empresariados e que, aparentemente, convenceram o governo a promover as alterações, uma das coordenadoras da Campanha Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania, Rachel Moreno, defende o estabelecimento de mecanismos de controle social. ‘Neste momento, alguns segmentos dos empresários se esforçam em dizer que qualquer tentativa é um risco de censura. A sociedade civil quer um controle social a partir dela. Isso é comum em qualquer democracia avançada’, diz Rachel.
Lembrando que as alterações promovidas significam ir contra as deliberações da Conferencia Nacional de Direitos Humanos, João Paulo Mehl também ressalta o caráter de ataque aos processos participativos e às conferências nacionais, como um todo. Isso coloca os movimentos da comunicação em estado de alerta, já que ainda não foram publicadas as resoluções da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom). ‘O avanço que queremos foi discutido e aprovado na Confecom. A partir dessas resoluções é que queremos discutir a mudança do setor de comunicações’, comenta.
Ranking e punições
Para Rachel Moreno, os retrocessos no texto da Diretriz 22 não encontram eco na sociedade, que cada vez mais tem feito demonstrações de indignação com as violações de direitos humanos na mídia. ‘A sociedade civil tem ficado indignada e tem encaminhado ao Estado e aos anunciantes pedidos de sanções as emissoras que repetem aos mesmos problemas de violação aos direitos nos quais que o Brasil é signatário’, assinala. ‘É preciso, portanto, que quando elas repetem às violações, sejam punidas de forma mais acentuada.’
A divulgação de um ranking, segundo Rachel, seria um primeiro passo. Já pensar na cassação da concessão de rádios e TVs que reincidam nas violações é algo totalmente pertinente, visto que estas concessionárias públicas devem ter ‘responsabilidade em relação aos nosso valores’.
Augustino Veit, também membro da Executiva da Campanha Quem Financia a Baixaria é contra a Cidadania, a proposta da criação de um ranking com os veículos que respeitam e os que violam os direitos humanos jamais poderia ser considerada censura. ‘Eles (os radiodifusores) trabalham com concessões públicas’, enfatiza Augustino. Além disso, o propósito do ranking previsto no PNDH3 seria tornar os meios de comunicação e os conteúdos mais democráticos.
Ele lembra ainda que um ranking semelhante é feito há anos pela campanha, a partir de denúncias dos telespectadores. No começo deste mês, a Campanha divulgou seu 17º ranking. Essa prática, segundo Augustino, já contribuiu para que as emissoras melhorassem a qualidade de suas programações. Anunciantes também passaram a ser mais criteriosos nas escolhas dos conteúdos com que relacionam as suas marcas e produtos.
Augustino diz que a sociedade vai fazer pressão para que o governo volte atrás e mantenha o texto original do plano. Segundo ele, já existe uma manifestação marcada para 21 de junho pela integralidade do PNDH3. A ideia é que aconteça em todo o país.