Eram 15h20 de terça-feira, 4 de maio, quando me acomodei no banco traseiro do veículo que levaria Marcelo D´Elia Branco para o Aeroporto Internacional de Campo Grande (MS), após ter participado do evento ‘As redes sociais na campanha do PT’. Gaúcho de Porto Alegre, 49 anos, Marcelo Branco é ativista do software livre e foi por três anos diretor-geral da Campus Party Brasil, maior evento de internet do país. Recentemente, assumiu a função de comandar as estratégias de redes sociais da pré-candidata do PT à Presidência da República, Dilma Rousseff. A entrevista, generosamente concedida durante os 20 minutos que separam a universidade sede do evento e o aeroporto da capital sul-mato-grossense girou em torno da relação entre as redes sociais, a política e o jornalismo.
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Como você analisa o momento atual da liberdade de expressão na internet brasileira?
Marcelo d´Elia Branco – Acho que a internet, com a mudança da legislação eleitoral, vai introduzir milhões de brasileiros na cena política. Não só como espectadores, ou como militantes, mas como voz ativa. Pessoas vão poder manifestar sua opinião através de textos, fotos e até através do áudiovisual. Acho que isso qualifica a democracia brasileira, pois coloca foco em pessoas que não teriam a oportunidade de se expressar de forma plena em uma campanha eleitoral. Acho que isso devolve aos apoiadores das campanhas políticas a direção sobre os seus rumos, pois a campanha na internet não consegue ser centralizada. O ritmo e a dinâmica da campanha vão estar muito em função do que estes apoiadores estarão fazendo na rede. As opiniões que eles colocarão na internet, nas redes sociais é o que vai direcionar os rumos da campanha. Acho que é muito importante para o aprofundamento da democracia brasileira esta possibilidade de indivíduos conectados em rede se expressarem sobre o momento político que estamos vivendo. Esta compreensão nova dos legisladores, de que a internet não é a mesma coisa que um meio de comunicação de massa por concessão pública, que precisava ser regulamentada de forma rígida, o entendimento de que a internet é um espaço de expressão individual, foi uma grande vitória para a democracia brasileira.
Folha foi obrigada a voltar atrás
Você aposta, então, na força da comunicação horizontal? Acredita que as pessoas nas redes sociais terão voz com poder suficiente para fazer frente à mídia tradicional?
M.B. – Sim. Acho que isso já está acontecendo, pois pela primeira vez a plataforma tecnológica do usuário, do público é a mesma que a do veículo. Se o veículo é uma rede de TV poderosa e tem um blog, um Twitter, o público desta rede de tevê também tem um blog e um Twitter. Então, pela primeira vez, público, editores e empresas jornalísticas estão conectados na mesma matriz de mídia. Isso exige uma comunicação horizontal, um controle maior do público sobre as notícias que estão sendo publicadas. Este público vai poder intervir. Aquela soberba do jornalista ou do veículo de até mesmo destruir personalidades, atacar pessoas ou criar fatos, isso não é mais assim. Se um blogueiro, mesmo que seja de um grande veículo, resolve atacar alguém de forma injusta, milhares de pessoas se manifestarão através de blogs e do Twitter, contestando aquela atitude. Uma notícia mal colocada poderá ser retrucada com fatos, vídeos, provas.
Algum exemplo?
M.B. – Acho que isso aconteceu já nessa campanha, quando a Dilma esteve no ABC, falou sobre quem tinha fugido da luta e o jornal Folha de S.Paulo inventou uma frase dizendo que ela se referia aos exilados políticos. Isso foi contestado pela própria Dilma no Twitter. Ela foi lá e disse: ‘Eu não falei isso.’ Eles não levaram em conta, não deram bola. Aí, quando ela mostrou o vídeo do discurso, dando provas concretas, com fatos, de que ela não tinha falado nada em relação aos exilados políticos, pelo contrário, isso obrigou o jornal a reescrever aquele fato dizendo que a Dilma não havia dito aquilo que eles tinham publicado. Então, isso vai acontecer centenas de vezes durante a campanha eleitoral: a necessidade de que a verdade e os fatos desmintam possíveis notícias que interpretem mal uma realidade.
Jornalista nem sempre é dono da razão
Por outro lado, esta fragmentação da informação também esbarra na audiência. O microcosmo deste ambiente virtual terá voz ativa?
M.B. – Acho que o somatório destes microblogueiros, sim. Mas é óbvio que audiência e credibilidade são coisas que se constroem ao longo do tempo. Então, quem tem ao seu lado uma coluna em um jornal diário tem mais chance de ter audiência na internet do que quem não tem. A internet não acaba com as desigualdades, mas acho que ela estabelece uma possibilidade de pessoas ganharem esta credibilidade na rede, influírem e muitas vezes pautarem os meios de comunicação. Isso tem acontecido nos últimos tempos. Vários fatos comprovam que a simples manifestação de pessoas nas redes sociais tem feito os veículos de comunicação corrigirem informações, em alguns casos até pautando estes veículos.
Até que ponto é válido para o jornalismo ser pautado pelas redes sociais?
M.B. – É um aprendizado importante. Que os jornalistas estejam sintonizados com a opinião dos leitores, e não só com a opinião do dono do jornal. As redes sociais possibilitam esta relação em que o jornalista precisa, cada vez mais, estar sintonizado com o público. Se o cara escreve num jornal, tem um programa na TV, penso que ele não precisa se importar com o que o público está pensando dele. Ele se importa mais com o que o dono do veículo pensa dele, pois é desta forma que ele vai continuar trabalhando no veículo. No caso da interação com as redes sociais é diferente. Se o cara começa a falar muita coisa que desagrada o público e esse público começa a se manifestar nas redes sociais, isso pode impactar na audiência do programa, da coluna, do espaço que ele tenha na mídia tradicional. Acho saudável para a comunicação essa possibilidade do jornalista ter a crítica e saber que nem sempre o profissional de comunicação é dono da razão. Muitas vezes, o público tem razão em relação à forma como está sendo feita uma cobertura e ele pode dizer: ‘Olha, isso não está certo.’ E isso tem acontecido. Os próprios veículos têm estimulado que o público faça a cobertura mandando informações, fotos.
Softwares livres são tecnicamente superiores
Você acha positivo o chamado ‘jornalismo-cidadão’?
M.B. – Claro, acho positivo. A internet está questionando o papel do intermediário, e não é só no jornalismo. Na indústria fonográfica foi assim. Ela fazia a intermediação entre o artista e o público. Toda a intermediação está sendo questionada. O jornalista intermediava a relação entre o fato e o veículo; e o veículo intermediava a relação entre o público e o fato. Então, tinha a intermediação do jornalista, que chegava com o fato no veículo, e a do veículo, que intermediava este fato junto ao público. Hoje, não. Hoje qualquer indivíduo em uma esquina com um smart phone nas mãos pode publicar algo. Se vai ter muita ou pouca audiência é outra discussão. Mas existe esta possibilidade. Então, o papel do intermediário, todo intermediário, tem que ser rediscutido. Acho que o papel do jornalismo pós-internet, precisa ser rediscutido também.
E como fica a qualidade, a precisão da informação?
M.B. – Isso é outra coisa que eu discuto. Quem garante que a qualidade de informação nos grandes veículos, nos grandes jornais, é boa? Quem sabe se a construção colaborativa de conteúdos não pode garantir uma qualidade melhor? Há o exemplo do próprio software livre. Os softwares feitos de forma comercial por grandes corporações são, sob o ponto de vista da qualidade técnica, muito inferiores aos softwares feitos por milhares de mãos, de forma colaborativa. Portanto, acho a notícia colaborativa interessante também. E o profissional não perde seu espaço. Ele terá a capacidade de elaborar textos mais articulados, artigos mais densos, que uma pessoa que não é profissional, que não tem formação nem experiência, não conseguiria fazer. Esta cobertura do dia-a-dia será feita cada vez mais por pessoas que não têm a formação profissional em jornalismo.
Era dos portais está acabando
Você tem posição formada quanto à obrigatoriedade do diploma específico para o exercício do jornalismo?
M.B. – Acho que não há necessidade. Respeito a posição dos sindicatos dos jornalistas. Mas, como rato de internet que sou, não posso concordar que o diploma seja um elemento-chave para o jornalismo, assim como não concordo que o diploma de analista de sistemas seja essencial para alguém exercer esta profissão. Fosse assim eu não poderia exercê-la, pois não tenho o diploma de ciência da computação e trabalho há 31 anos com isso.
Como você se informa?
M.B. – Há 25 anos que não tenho TV em casa. Então, nos últimos 25 anos, não me informei pela TV. Só assisto em quarto de hotel, em aeroporto. Eu lia jornais impressos até uns 10 anos atrás, mas tem quase isso que não assino nenhum jornal. Jornal, eu pego por aí, mas não assino. Minha informação se dava, então, a partir da internet, dos portais, até três anos atrás. Foi quando passei a me informar exclusivamente pelo Twitter. Não que eu não leia informações da Folha Online, do G1, do Estadão Online. Eu leio o que eles publicam, mas a partir da minha rede de relacionamentos na internet. Pois as pessoas que a integram são relevantes, mandam informações relevantes. Eu sigo jornalistas da grande imprensa, sigo amigos que não são jornalistas, mas que lêem muito o que está sendo publicado nos portais. Mas, não busco informações diretamente nos portais. Acho que a era dos portais está acabando.
Um novo espaço de convivência e cidadania
O Twitter é uma boa base de dados para filtrar informações?
M.B. – O Twitter é o filtro perfeito. No Twitter, se alguém me manda informação com que não concordo, paro de seguir. Então, se eu seguir 100 pessoas relevantes no Twitter – e hoje estou seguindo mais em função da campanha – estarei informado sobre tudo. E não significa seguir só aqueles com quem a gente concorda politicamente, isso é um erro. Tem fontes de informação que para mim são extremamente relevantes, mas que não concordam comigo em vários aspectos da política e da vida. Mesmo assim, são pessoas que trazem informação de qualidade. No Twitter, eu não sou obrigado, como em um jornal ou um portal, a ver tanta coisa mal escrita, tanta coisa que eu não quero ler, mas que sou obrigado para chegar à informação que eu quero. O Twitter está fazendo uma revolução na comunicação, no jornalismo, exatamente por ser o filtro perfeito. Eu só vou ler aquilo que as minhas fontes de informação, as fontes que eu considero relevantes, estão publicando. Acho que isso é muito importante. Tem três anos que minha única fonte de informação é o Twitter. Se não vier pelo Twitter, muitas vezes não fico sabendo.
Como você analisa o uso das redes sociais pela política partidária? Muita gente desconfia da presença do político nestas ferramentas.
M.B. – É natural. As pessoas desconfiam dos políticos em todos os âmbitos. Na internet também, nas redes sociais também. É um novo espaço de convivência. Assim como as pessoas desconfiam das marcas e dos produtos, as agências de publicidade estão lá, presentes comercialmente no Twitter, no Orkut, no Facebook tentando posicionar seu produto. Com os políticos é o mesmo. É natural que eles queiram ocupar seu espaço nas redes sociais. Vai ter quem apóie isso e quem fique contrariado. Mas, nas redes sociais a gente segue e é amigo de quem a gente quer seguir e ser amigo. Essa é a diferença. Há pessoas que vão querer ser amigos no Orkut de políticos para ver o que eles estão fazendo. Há pessoas que vão querer seguir políticos no Twitter, pois consideram relevante acompanhar o dia-a-dia destes políticos. E há pessoas que não querem isso. As redes sociais são assim. É diferente do e-mail, onde você recebe um monte de informações indesejadas. As redes sociais são uma nova forma de relacionamento. Rede social não é só Twitter, Orkut ou Facebook. São novas formas de relacionamento que a humanidade está experimentando desde o surgimento da internet. É um novo espaço de convivência e cidadania. Então, é natural que a política partidária também se manifeste nele. Respeito e acho válido.
Desconfiança em relação às possibilidades das redes sociais
Que tipo de postura um político pode adotar nas redes sociais visando às eleições que se aproximam e que pode condená-lo perante os usuários?
M.B. – Em primeiro lugar, ele vai ter que ter muita humildade. A humildade será muito importante. Esta comunicação horizontal exige uma mudança de postura por parte do político, pois ele vai ter que dialogar na mesma linguagem de quem o está abordando em uma rede social. Tem dois ministros, o Paulo Bernardo e o Padilha, que são tuiteiros inveterados. É muito normal a gente falar duas ou três vezes com eles por dia e ver que pessoas anônimas dão uma tuitada e eles respondem também. Imagine! Quando um brasileiro iria falar com um ministro? Quando um brasileiro falava com um senador, um deputado? Isso aproximou as pessoas e acho que a postura do político deve ser de interação e diálogo, e não de soberba. Se ele ficar sempre com a razão, não estará interagindo, por isso a humildade é importante. Ouvir muito e levar em conta o que está sendo dito na internet.
Sabemos que é impossível para uma pessoa pública responder a toda a demanda gerada em uma ferramenta de rede social. Como você analisa o papel das assessorias que ajudam estas pessoas a selecionar perguntas, respondê-las etc.?
M.B. – Acho que é uma nova área de atuação para os profissionais de comunicação. Tem o assessor que tuita pelo político – coisa que não condeno, desde que fique clara a participação da equipe, que ele não finja ser uma coisa quando é outra. Tem a assessoria que ajuda a organizar respostas, mas que conta com a participação direta do assessorado, que define o assunto e o que será dito. Um exemplo é a Dilma. Pelo menos até este momento em que estamos gravando, é ela quem está tuitando. O Twitter da campanha é outra coisa, mas o Twitter pessoal dela é uma reivindicação que ela tinha desde o ano passado e que teve a oportunidade de fazer agora. Mas é dela. Ela está decidindo durante a manhã o que ela vai tuitar. É óbvio que a Dilma não é igual a mim, igual a nós, que estamos o dia todo na internet. Ela tem um tempo limitado na rede. Ela não vai poder responder e interagir da forma que seria o ideal do manual do marketing social. Mas, ela expressa o que ela é na internet. Então, é natural que a Dilma não dê tantas tuitadas por dia, mas ela está conseguindo ser ela mesma na internet. Foi uma opção dela, de não delegar à assessoria as suas tuitadas. É óbvio que a gente está pensando agora em ajudar a organizar esta demanda de interação, para que ela possa decidir o que vai responder, o que vai tuitar. Mas, até este momento, por incrível que pareça, é ela quem lê seus tweets e decide o que é relevante, o que vai postar.
Apesar de ser um novo campo para a saturada área da comunicação social, apesar de gerar oportunidades de trabalho para muita gente, a assessoria em redes sociais ainda é vista com desconfiança no meio jornalístico. O jornalista é conservador quando se fala em novas tecnologias?
M.B. – Não posso generalizar, mas sim. Lembro que antes das redes sociais, da internet, o próprio uso do computador foi dificilmente assimilado pelos jornalistas. Usavam a máquina de escrever e, de repente, chega o computador. ‘Vou ter que aprender esta coisa nova!’ No início, nos anos 80, havia grande resistência dos jornalistas em usar microcomputadores. Eu tinha amigos jornalistas que se negavam. É a mesma coisa. Existe também uma questão geracional. Os jornalistas mais novos acham isso normal, vibram com a possibilidade das redes sociais. Os jornalistas mais antigos ainda têm uma resistência muito grande, uma desconfiança em relação às possibilidades geradas por elas.
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Jornalista e editor do blog Escrevinhamentos