O cinema, como outras artes, tem suas histórias de enfrentamento da censura, imposta por governos, autoridades, comunidades e instituições poderosas, em virtude de questões religiosas, comportamentais, ou políticas. Antigamente, a exibição de um filme dependia das cópias da obra e das salas de cinema. O confisco de rolos e a ameaça de fechamento de salas operavam o sistema de controle sobre o que era julgado ofensivo. E a liberdade de expressão era coibida por grupos políticos à direita ou à esquerda.
Hoje, a liberdade de expressão cinematográfica, que trata de todo tipo de nudez, violência, dúvidas, questionamentos existenciais, de crenças e dos valores estabelecidos, se dá em virtude do fortalecimento da democracia e do enfraquecimento das referências tradicionais, como a Igreja Católica que, diante das notícias de pedofilia dentro de suas paróquias, vê ruir seu poder de impor aos produtores de cinema, de Hollywood ou da Vila Madalena, orientações sobre o que filmar e o que podemos assistir.
Nos anos 1930, padres norte-americanos influenciavam fortemente a concepção e aplicação do ‘Código de Produção de Cinema’, um documento que especificava, entre outras bizarrices, que ‘as partes mais íntimas do corpo humano são órgãos sexuais, masculinos e femininos e os seios de uma mulher’; e que ‘eles nunca devem ser descobertos e nem cobertos com material translúcido ou transparente’.
Uma lista interminável
O ‘Código’, então apoiado pela ‘Legião da Decência’, grupo formado por bispos católicos, recomendava limpar e desinfetar a peste de Holly(wood), que infectava o país com seus filmes lascivos e obscenos. Expressões como ‘vai para o inferno’ estavam no index cinematográfico. Em O Sindicato de Ladrões, 1954, EUA, dirigido por Elia Kazan, o personagem Terry Moran, protagonizado por Marlon Brando, foi autorizado a pronunciar por duas vezes a expressão ‘infernal’, depois de uma negociação intensa com os administradores do ‘Código de Produção’.
Filmes como Smiles of a Summer Night, Suécia, 1955, de Ingmar Bergman; Acossado, França, 1960, de Jean-Luc Godard; A Aventura, Itália, 1960, de Michelangelo Antonioni, e Blow up, Inglaterra e Itália, 1966; e Bebê de Rosemary, EUA, 1968, de Roman Polanski, foram condenados pelos santos da ‘Legião da Decência’. O ‘Código’ pairou sobre o cinema dos Estados Unidos até 1968, mas foi muitas e muitas vezes desobedecido. Nas décadas seguintes, os olhos censores da Igreja chegaram, sem grande impacto, em filmes como Jesus Cristo Superstar, EUA, 1973, de Norman Jewison; A vida de Brian, Inglaterra, 1979, do Monty Python; Je vos salue, Marie, França, 1985, de Jean-Luc Godard; A última tentação de Cristo, EUA, 1988, de Martin Scorcese; A paixão de Cristo, EUA, 2004, de Mel Gibson; O Código da Vinci, EUA, 2006, de Ron Howard.
A lista de filmes heréticos é interminável. E, será aumentada, em breve, com filmes sobre questões que infernizam a Igreja Católica atualmente. Entre elas, a pedofilia.
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Jornalista, professor da ECA-USP, diretor presidente da Aberje