Com relação à matéria ‘A greve dos servidores judiciais‘, publicada no jornal O Estado de S. Paulo no último dia 30 (), julgo necessários alguns esclarecimentos. O texto, se não estivesse estampado em um jornal de grande circulação, poderia ser confundido com um papo informal de botequim, e não com o trabalho jornalístico de um profissional, visto que permeado de impressões de senso comum e vazio de dados e fatos concretos. O autor, da maneira como se expressa, induz o leitor a confundir reposição inflacionária com aumento real, o que não está na pauta de reivindicações. Ainda cita a suposta falta de água mineral e ar condicionado nos prédios – sabe-se lá de onde tirou estes itens, que não fazem parte da pauta de reivindicações. É mencionada ainda a falta de condições legais e orçamentárias para atender os pleitos em razão da Lei de Responsabilidade Fiscal. Todavia, não menciona que o TJ gasta menos de 4% do orçamento com pessoal, quando poderia gastar até o limite de 6% imposto pela LRF.
Com relação ao plano de cargos e carreira, antiga reivindicação, inclusive para se adequar à determinação constitucional, o Projeto de Lei dorme nos escaninhos da Assembléia Legislativa desde 2005, vítima da morosidade e falta de vontade dos deputados em aprová-lo, assim como o Projeto de Lei nº 479/2004, que concederia, se aprovado, reposição da inflação referente ao período de 2001 a 2004, mas tramita há mais de seis anos sem qualquer perspectiva de ser colocado na pauta de votação.
Um direito constitucional
Outro item colocado é a possibilidade de um reajuste de 4,17%, como sendo o máximo que o Tribunal pode fazer, visto que tem outras ‘prioridades’ como informatização e reforma de prédios deteriorados (sic). Mas se um projeto de igual teor, que repõe as perdas inflacionárias de quase dez anos atrás, não foi aprovado até agora – e provavelmente nunca vai ser colocado em votação – porque este novo projeto haveria de vingar? Além disso, é feita uma menção à única proposta concreta do TJ: negociar com o Banco do Brasil o restabelecimento do cheque especial e abertura de linha de crédito para os trabalhadores…
O autor ainda critica a falta de uma lei de greve como entrave para eventuais sanções aos grevistas, como se estes fossem criminosos, mas se ‘esquece’ que quem infringe a Lei, neste caso, são as autoridades, que negam aos serventuários direitos elementares a qualquer trabalhador, como a reposição anual da inflação. Nesse sentido, é imperioso salientar que em 2009, segundo pesquisa do Dieese feita junto a categorias da iniciativa privada, em 93% das negociações salariais houve ao menos a reposição da inflação, e em 80% dos casos houve aumento real de salário. E a greve, no caso do Judiciário paulista, não é uma atitude impensada, mas o último recurso depois de mais de dois anos de exaustivas tentativas de negociação, sem qualquer resposta, numa atitude de descaso e desrespeito. E a falta de regulamentação para a greve prejudica, na verdade, os servidores, que, ao contrário dos trabalhadores da iniciativa privada, se tornam reféns do próprio Poder Judiciário. Todavia, já existe decisão do Supremo Tribunal Federal regulamentando a situação. Portanto, a greve, repito, não é ilegal, mas o legítimo exercício de um direito constitucional.
Os princípios do bom jornalismo
O interessante é que o Estadão não demonstra o mesmo ímpeto quando se tratam de irregularidades dos ‘poderosos’, como, entre outros, o caso do ‘auxílio-voto’ recebido irregularmente por magistrados, que pode até ser considerado como ato de improbidade administrativa e crime contra a ordem tributária!
Por fim, esclareço que enviei, dias antes da publicação da matéria supra-citada, artigo ao Estadão, no qual esclarecia as reivindicações e informava acerca das tentativas frustradas de negociação. A resposta recebida? ‘O Estadão agradece a atenção, mas não vai publicar o artigo.’ Além disso, quaisquer informações poderiam ser obtidas junto às entidades. Mas o autor preferiu tirar suas próprias conclusões e julgar, sob seu limitado ponto de vista, um movimento legal, legítimo e necessário.
Acima de tudo, o texto como apresentado afeta os mais elementares princípios do bom jornalismo. O autor deveria levar isso em conta antes de publicar um texto no qual presta um desserviço à população, que merece ser bem informada sobre assunto de seu vital interesse.
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Escrevente técnico judiciário, Piracicaba, SP