Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Conspirações na primeira página

As teorias conspiratórias são famosas e surgem sempre que é preciso justificar o que o homem não consegue compreender, explicar ou aceitar. De credibilidade discutível, terminam invariavelmente ridicularizadas, por serem espectros não palpáveis ou prováveis em nosso mundo moderno, cada vez mais cartesiano. Há que se separar, contudo, o joio do trigo.

Considerando que as referidas teorias também não têm provado o contrário do que pregam, é um exercício saudável a reflexão de seu contexto, sempre que este se fizer plenamente plausível, quase demandatório, diante das atuais práticas e estratégias empresariais, que hoje podem financeiramente controlar a tecnologia, a informática, o planejamento, a logística, a atuária, o marketing, os recursos humanos e a mídia, sendo que a esta última ferramenta, de extensão e caráter tão peculiar, cabe especial menção. Pelo fato de poder unir, com extrema eficiência, um público-alvo determinável, sequioso por saber ou comprar, a ‘qualquer fornecedor’ de informação ou produto, que pode ser moldado e entregue para que aparente solucionar as necessidades de qualquer ‘freguês’. O poder da mídia é tão grande e esta é tão influente, que a maioria dos países evoluídos vem banindo qualquer menção, ainda que indireta ou subliminar, a cigarros e ao tabagismo.

Goebbels envergonhado

Através da mídia podem ser manipuladas as massas para crer até no que seria impossível. Neste controle absoluto da informação, a mídia televisionada, a falada e a escrita ocupam um papel fundamental, pois levam para dentro dos lares brasileiros uma pretensa verdade que faz com que todos a admitam como parte de seu cotidiano. Não se esqueça que a crua realidade, dada pela mídia em sua versão da verdade, vem acompanhada e balanceada pela propaganda, que termina por aliar a notícia que seria supostamente real àquilo que compõe os sonhos de consumo da sociedade moderna.

Ao zapear por diversos canais, ao sintonizar estações ou dobrar mais uma página, adentram os brasileiros uma ‘zona de conforto’, onde parecem participar de maneira segura, corajosa e ativa das indignações do país, ao mesmo tempo em que sonham poder ter, momentaneamente, o que muitos jamais poderiam nem sonhar em ter. É uma autêntica Matrix, parodiando o premiado filme dos irmãos Wachovsky, já que cada vez mais a ficção se confunde com a realidade. Basta substituir as máquinas pela mídia, que conecta de tal forma os receptores a suas estratégias da informação, que estes terminam por acreditar e comprar de tudo, independentemente da verdade ou da utilidade do que estão lhe vendendo. No fim ninguém precisa vender, pois é o consumidor que compra.

A propaganda moderna é tão eficiente que faria Joseph Goebbels (ministro da Propaganda nazista) corar de vergonha. Alguns exemplos: o banco que é tão bom que não parece banco, o carro que transformará o homem comum numa celebridade e o sabão em pó que permite lavar milhares de lençóis com uma única caixa. Glamour e conforto que constituem uma verdadeira lavagem cerebral e que afastam os espectadores, ouvintes e leitores de uma necessária reflexão, que os protegeria da pretensa verdade do pacote de informações, mercadologicamente conspirado e testado.

Povo dócil

Em nosso país então, dadas as suas particularidades, muitas teorias conspiratórias já se ‘encarnaram com ossos robustos’, já que, aqui, alguns interesses empresariais escusos, dominadores e concentradores, puderam se somar também a um controle da política, por sua capacidade de financiar, de forma exclusiva, somente as campanhas daqueles candidatos que atendam a seus interesses, ainda que estes contenham alguma sordidez economicamente justificável. Candidatos que ao serem eleitos para cargos em nossos poderes Executivo e Legislativo, formam uma óbvia maioria que enceta ou convenientemente permite uma promíscua troca de favores entre os poderes, na elaboração de algumas ‘supostas’ políticas públicas, manipulando-as para que aparentem ser de interesse público, diversas maracutaias privadas.

Nesta manipulação, mais uma vez destaca-se a onipresente mídia. O brasileiro assiste, ouve, lê e, portanto, acredita sem refletir, em diversas ‘verdades’ inseridas em seu dia-a-dia pelo governo, como sendo de incontornável interesse público.

Com um povo extremante dócil, que osmoticamente absorve quaisquer informações, o Brasil vem reiteradamente aceitando os abusos, sempre lavados junto a seu Poder Judiciário, que não consegue punir quaisquer graúdos, que são invariavelmente os importantes, os ricos ou os amigos de alguém.

Judiciário ‘pizzaiolo’

A evidente impunidade contrasta com o atual ‘circo pirotécnico’ da Polícia Federal, que passou a aparentar ser mais eficiente, ao agir cinematograficamente, com o pleno apoio da mídia, em suas ‘investigações, apreensões e prisões’, que deveriam ser sigilosas e que não podem ser confundidas, em absoluto, com uma punição efetiva de criminosos, que somente podem ser assim considerados aqueles que forem condenados em definitivo pela Justiça. Ou seja, as prisões ‘bombásticas’ (desnecessárias em todas as ocasiões) e as ‘invasões’ aos escritórios de advocacia (arbítrio atentatório ao Estado de Direito) são somente outros abusos praticados em nome de uma realidade punitiva, que não existe para os poderosos no Judiciário brasileiro.

Por acaso, alguém se lembra da condenação em definitivo de uma grande empresa a devolver milhões ou da efetiva devolução do dinheiro? Ou da prisão de mais do que três larápios famosos ligados ao poder? Se tais fatos ocorrem, por que tais notícias não saem na TV ou nos jornais? Ora, é uma obviedade que está sendo plantada pelo governo na mídia, uma atuação hollywoodiana da PF, numa convincente cortina de fumaça, a justificar a ineficiência total de nosso Poder Judiciário, que vai muito além das dificuldades que constam em suas recém-descobertas planilhas. Ainda que possa e deva a PF ser respeitada, é o mais puro marketing, que nebulosamente leva a sociedade a se entreter com um ‘sádico esfolamento público’, incompatível com a Justiça e a dignidade humana.

Não nos esqueçamos de que esfolamento equivalente se dá com as populares CPIs, a que o povo também é levado, de maneira errônea, a interpretar como entregadoras de ‘pizza’. O que é um outro contraste entre fatos e boatos, já que CPIs não podem condenar, uma tarefa exclusiva de nosso Poder Judiciário, ou seja, este sim é que poderia ser chamado de ‘pizzaiolo’.

Conseqüência lógica

Historicamente é fácil explicar. O Brasil sempre foi controlado por oligarquias, sendo que nos últimos anos foi apresentado aos oligopólios, com quem se amasiaram os plutocratas, em nome da manutenção da estabilidade e do crescimento nacional. Atualmente colhe o Brasil, em seus anseios de ser tão neoliberal, o fruto do concubinato havido entre o capital e o poder, que é a corrupção, o mais fiel retrato de uma conspiração endêmica e epidêmica, que está enraizada no país.

Numa análise, ainda que superficial, das políticas públicas brasileiras, encontramos a ‘endêmica materialização das teorias conspiratórias’, cuja comprovação não reside em sua assertiva, mas sim em seu contrario sensu, já que se dá na impossibilidade de serem ortodoxas, quase dogmáticas, as referidas políticas, por serem paradoxais e absurdas.

Exemplos encontram-se às pencas. Destaque-se que a entrega das conspirações a seus consumidores finais, o povo brasileiro, é feita pela sempre presente mídia, que precisa conciliar sua credibilidade às dificuldades para faturar (conquistar e manter seu quinhão no mercado) e seus impostos a pagar. Como o Brasil é atualmente um país de poucas oportunidades, altas taxas e voracidade tributária impressionante, é muito fácil que grandes anunciantes da propaganda também consigam se imiscuir na editoração de qualquer matéria. Considerando que os maiores anunciantes do país são o governo (também credor dos tributos e administrador exclusivo dos débitos e favores tributários e legais) e as grandes empresas (detentoras das mais fartas verbas publicitárias), é uma conseqüência lógica que terminem por ‘influenciar ou convencer’ até aos editores mais sérios, para a revolta dos melhores jornalistas. E o círculo vicioso continua, já que os conspiradores oficiosos procuram de forma invariável e primordial os meios de mídia mais críveis, que são os que têm maior tiragem ou audiência e que, coincidentemente, também padecem das maiores dificuldades.

Vejamos alguns dilemas conspiratórios e as versões dadas como verdades pela mídia.

a) A estratosférica taxa de juros, mantida tão alta por supostamente ser a única alternativa ao controle da inflação, sendo que é o próprio governo que a provoca, com a sua irresponsabilidade gerencial e os seus preços administrados, possíveis apenas para os seus oligopólios amigos ou associados. Ao mesmo tempo, coincidentemente, das mesmas altas taxas, usufruem apenas as oligarquias, que continuam a ser as únicas a deter capital a ser regiamente remunerado sem trabalho. E depois reclamam da informalidade do mercado, composto exatamente pelos infelizes brasileiros que não têm qualquer chance, oportunidades ou recursos para que se tornem formais.

b) Os lucros dos bancos, que aparentam ser lógicos e inofensivos, mas que, em verdade, são privilégio de poucos, às custas de todos os outros. E os bancos nada fazem pelo país, ao contrário, já que leis são usualmente feitas para transformar-se em políticas públicas, o que seria de responsabilidade dos banqueiros. Leis como a terceirização de serviços bancários, que passou às pequenas empresas nos rincões do país a obrigação de fazer os serviços populares e menos rentáveis a que estariam obrigados os bancos. Normas como a do popular microcrédito, que empresta uma miséria, insuficiente até para explorar um carrinho de pipoca, e como a do supostamente benéfico ‘empréstimo consignado’, que propicia taxas menores (ainda altíssimas em qualquer país sério), apenas porque o banco tem garantido o recebimento, ainda que o brasileiro não possa comprar o que come. E as migalhas dadas são ironicamente alardeadas como sendo o fruto do progresso bancário e da modernidade brasileira.

c) As concessões públicas, supostamente benéficas ao progresso nacional, mas que na realidade, são o nicho em que as oligarquias terminam por ser sócias, associadas ou por deter ações dos oligopólios, que recebem todas as vantagens de seu sócio maior, o governo, que por sua vez permite o aumento de preços e tarifas e ainda assim garante sua arrecadação de impostos, independentemente da capacidade contributiva da sociedade brasileira. Depois estranham centenas de milhares de ações na Justiça. É risível.

d) As concorrências públicas, que garantem a poucos e aos mesmos de sempre mercados cativos e supervalorizados, que distribuem uma gordura financeira, previamente combinada, entre os asseclas do erário e que têm seus editais e contratos fiscalizados pelos Tribunais de Conta apenas contabilmente e a posteriori, depois que o mal já se tornou irrecuperável. É de pasmar qualquer administrador de mínima inteligência, o que, em qualquer país sério, levaria a mídia a cobrir e perseguir de maneira implacável, não somente as provas, mas também a sua apreciação e condenação pelas autoridades responsáveis.

e) A ausência de fiscalização de contratos bancários pelo Banco Central, que não os fiscaliza em absoluto, nem por amostragem. Por que será que não sai na mídia? Não é a toa que o BC, especialista em finanças, parece ter errado em dois bilhões o rombo do Banco Santos. É impressionante que um Banco Central pretenda autonomia, quando teve independência suficiente para poder errar uma conta de tal magnitude.

Democracia ferida

Enfim, poderiam ser dados muitos outros exemplos da endêmica materialização de teorias conspiratórias nas políticas públicas brasileiras. Se assim não fosse, seria bastante provável que o povo brasileiro fosse o mais incapaz e ignorante do planeta.

Epidemicamente, cabe dizer que se encontram atualmente em debate no Congresso Nacional as mais diversas teorias conspiratórias, arquitetadas tanto para causar quanto para justificar os mais recentes escândalos da República, o ‘mensalão dos congressistas’ e as ‘fraudes dos Correios’. É curioso que os principais partidos políticos brasileiros venham se revezando em acusações de leviandade e maldade, sempre como sendo exclusivamente alheias, como se jamais tivessem todos dividido a mesa de jantar.

Diga-se que as acusadas conspirações devem ser todas parcialmente verdadeiras.

As denúncias de corrupção que agora atacam nevralgicamente o país e até suas instituições não são fruto do acaso. Como já dito, quando interesses sem freios se juntam às mais modernas possibilidades, quase ilimitadas no Brasil, as conspirações se materializam e geram efeitos concretos. E no Brasil despatriótico, sem civismo, as teorias conspiratórias, infelizmente, são tidas como integrantes da ‘arte da política’. E que a mídia acostumou-se a aceitar e divulgar como natural habilidade do povo brasileiro.

Neste passo, é perfeitamente possível, quase provável, que as mais mirabolantes teorias conspiratórias estejam se materializando em novas estratégias e projetos de poder, sendo plausíveis até as que pretendem desestabilizar, em definitivo, as instituições brasileiras e assim ferir nossa tão aguardada democracia, hoje ainda uma quase adolescente.

Pelo interesse coletivo

O que não pode ser admitido em nenhuma hipótese ou circunstância.

É um momento em que o povo brasileiro deve demonstrar sua maturidade e afastar todas as fantasmagóricas conspirações, que se acostumou a vivenciar e admitir, com ‘carne e osso’, em seu cotidiano.

Em meio à lama da realidade política nacional, finalmente tornada pública, deve ser insistentemente pleiteada a imprescindível Reforma Política, para que possam ser removidas de imediato as chagas conspiratórias nacionais e seja estancado o sangramento de nossa dignidade e riqueza. Deve ser cobrada, ao mesmo tempo, a apuração correta dos fatos e a condenação dos culpados.

Deve cobrar o povo brasileiro a mais isenta atuação da mídia, que deve agir sem censura, mas com extrema responsabilidade e desapego, separando de suas reportagens os seus interesses, apesar das dificuldades comerciais. Que a televisão, o rádio e os jornais não se foquem apenas na execração pública individual, quando em verdade a responsabilidade é de todos os brasileiros, que sempre permitiram ou aceitaram, até em nossas instituições, as mais variadas conveniências de interesse privado como sendo naturais no Brasil, retratos do famoso jeitinho da conivência. Que a mídia em geral saiba, doravante, ser ética e cívica, valorizando seus profissionais independentes, estabelecendo claros limites editoriais e propugnando majoritariamente pelo interesse coletivo que, caso fosse respeitado, nenhum brasileiro estaria hoje na situação em que está.

Ruy na cabeceira

É necessário que fique patente que a sociedade brasileira não mais aceitará absurdas conspirações como verdade absoluta e que também não tolerará políticas públicas levadas a efeito sem qualquer compromisso ou correspondência com a vontade e a capacidade popular. É fundamental que o povo brasileiro cobre incansavelmente, doravante, de seus políticos, um imprescindível civismo e desprendimento.

Que exija dos Ministérios Públicos uma atuação implacável, sempre que esta não seja a regra. E que faça o Poder Judiciário punir estas hienas conspiradoras, transgressoras da lei e da ordem nacional, que sempre puderam rir, enquanto mastigavam as carcaças do povo brasileiro.

E que não aceite o povo que o Poder Judiciário se utilize apenas de planilhas, quando seu dever é aplicar a lei e propiciar justiça igual para todos. E que também não mais se aceite qualquer imposição política de qualquer tribunal judicante, que possa ameaçar carreiras e influenciar os mais puros ideais e capacidades dos abnegados juízes que desejarem ousar pensar por si próprios e em acordo com suas consciências. Que não se aceitem juízes políticos, que protegem ou relevam situações, assim como não são desejados políticos juízes, que sabem pedir e pedem o que entendem como justo. Que se busquem os motivos e a responsabilização daqueles que ‘teratologicamente’ afastam e relativizam o cumprimento da lei, o que, coincidentemente, somente ocorre quando envolve a punição de grandes empresas, do próprio governo e de seus membros e dos demais poucos ricos e poderosos, que vêm se locupletando no presente com o futuro de nossas crianças.

Que os brasileiros tenham a célebre frase de Ruy Barbosa à sua cabeceira, para que não se esqueçam de suas responsabilidades cívicas: ‘De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar as injustiças e de tanto ver o poder agigantar-se nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto.’

Na primeira página

Para que entendam os brasileiros que os seus atos é que definirão quem são, ‘não importando apenas o que sai na televisão’. E que a inércia e o egoísmo somente os levará à perdição do valor de nossa nação, enquanto o civismo e o exercício da cidadania são garantias para que o Brasil mereça pertencer ao Primeiro Mundo.

E que ‘carne e ossos’ não deverão, nunca mais, ser unidos em nossa democracia com o sangue de ninguém. Sem conspirações e sem conspiradores, poderá ser o Brasil finalmente dono de seu destino e senhor de sua tão esquecida soberania.

Por um Brasil melhor, agora e doravante, também para o povo brasileiro. De todos, por todos e para todos.

Publique-se. Na primeira página.

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Advogado, São Paulo