Friday, 29 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

José Queirós

‘A propósito do ‘Ciclo de Teatro do Porto?’ — que sob este signo interrogativo está a apresentar 16 companhias portuenses no palco do teatro municipal São Luiz, em Lisboa, até ao próximo dia 27 —, o suplemento Ípsilon deu honras de capa, a 18 de Fevereiro, a um trabalho sobre a situação das artes teatrais na segunda cidade portuguesa. Nele puderam os leitores encontrar um retrato detalhado e uma análise informada da actual cena teatral portuense, convergindo para a descrição do que a autora, a jornalista Inês Nadais, definiu como ‘um teatro desesperadamente à procura de palco’. Por falta de espaços adequados de apresentação e por falta de visibilidade pública, em contraste com a multiplicação de agrupamentos em actividade.

Esta iniciativa editorial suscitou uma reclamação. Luisa Moreira e Francisco Beja, dirigentes do Teatro Helena Sá e Costa (THSC), queixam-se de que não foram ouvidos para a elaboração de um trabalho em que se pode ler (na legenda da fotografia que ocupa a sua primeira página) que ‘o desmantelamento do Rivoli como teatro municipal e o subfinanciamento do Teatro Helena Sá e Costa provocaram a rarefacção das correntes de público no Porto’ — uma afirmação que consideram ‘abusiva’ no que respeita à instituição que representam. Em mensagem que me foi enviada, perguntam ‘como sabe a jornalista Inês Nadais qual o financiamento do THSC’, já que, afirmam, ‘em nenhum momento fomos contactados com vista a fornecer, confirmar ou desmentir a informação publicada’. E afirmam o seu desagrado por o trabalho que leram no Ípsilon não fazer qualquer outra referência àquele teatro, apesar de uma fotografia da sua sala ter sido escolhida para o ilustrar.

A jornalista, que é também uma das editoras do suplemento, explica essa omissão considerando que ‘o THSC se tornou um espaço pouco relevante na cidade’. Argumenta que este não era um trabalho sobre aquela sala, ao contrário de um outro que o jornal publicou quando o THSC ‘festejou os seus dez anos’, mas antes ‘um trabalho mais genérico sobre o agravamento das condições de produção e de apresentação de teatro na cidade’. E adianta que não incluiu no texto várias referências ‘ao progressivo desaparecimento do THSC’, feitas pelas pessoas do meio teatral que ouviu para a elaboração do trabalho, por ter achado que ‘o artigo dispensava a enumeração de casos específicos’.

Na sua opinião, a afirmação feita sobre o subfinanciamento do THSC — que é um equipamento da Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo do Porto, integrada no Instituto Politécnico do Porto (IPP) — não a obrigava a contactar os seus responsáveis. Isto porque, afirma, ‘não [havia] nada a confirmar ou a desmentir’, já que o subfinanciamento do IPP (e, logo, do THSC) ‘é mais do que público’ e tem sido referido ‘em repetidas notícias’.

Finalmente, quanto à utilização de uma fotografia da sala, Inês Nadais justifica-a pelo objectivo de ilustrar o artigo com uma imagem de ‘um dos poucos espectáculos de teatro em cena no Porto’ nessa altura — uma peça do Teatro Plástico, cujo responsável, Francisco Alves, foi um dos protagonistas que o Ípsilon escolheu ouvir.

Estas explicações respondem às dúvidas colocadas, mas são, na minha opinião, de valor desigual. A omissão do THSC neste artigo sobre a cena teatral portuense, podendo ser discutida, é aceitável à luz das razões apontadas. A autora responsabiliza-se por essa opção e caberá aos leitores mais conhecedores do tema avaliar a sua pertinência. Por mim, não vejo que desrespeite qualquer regra profissional ou afecte o equilíbrio de uma iniciativa editorial que considero oportuna e bem conseguida. Do mesmo modo, a referência ao subfinanciamento daquele equipamento, podendo aconselhar a audição dos seus responsáveis, não a tornava obrigatória. Nem todos os elementos de contexto de uma peça jornalística justificam esse tipo de diligência, se forem conhecidos e verdadeiros.

O que, a meu ver, fragiliza neste caso os argumentos da jornalista e editora, e dá legitimidade à queixa que recebi, é o facto de ter sido utilizada uma imagem da sala do THSC para ilustração principal do trabalho do Ípsilon, para mais tendo uma parte dessa mesma imagem sido escolhida para encabeçar com grande visibilidade, nesse dia, a capa do jornal. Se se tratou, como explica Inês Nadais, de destacar um espectáculo do Teatro Plástico, e não propriamente a sala onde decorreu, então deveria ter sido a companhia em causa a ser referida na legenda, e não o THSC. Mas o que essa legenda diz é que ‘o subfinanciamento do Teatro Helena Sá e Costa’ é uma de duas causas que ‘provocaram a rarefacção das correntes de público no Porto’. Pela ordem natural de leitura das páginas que o suplemento dedicou ao tema, essa afirmação surge a anteceder um longo texto que, apesar de se ocupar da referida falta de visibilidade do teatro feito no Porto, omite qualquer referência ao que na tal legenda se escreveu ser um dos motivos que a explicarão.

É isto que não bate certo, e desvaloriza as explicações apresentadas para não se ter referido o THSC nem se terem ouvido os seus responsáveis. A autora do trabalho explica que na versão inicial do texto existia um parágrafo com essa referência, que ‘foi eliminada num corte de última hora’. Mas o que conta, evidentemente, é o que foi publicado. Por isso, mesmo aceitando-se como bom o argumento sobre a menor relevância daquele teatro para o tema deste artigo, deve reconhecer-se que há aqui uma incoerência. Ou, mais exactamente, um erro de edição.

Erros e controlo de qualidade

Edição da passada terça-feira, 8/3, primeira página: ‘Portugal teria 248 deputados, e não 230, se o número de deputados equivalesse à raiz quadrada dos habitantes ‘. A ideia é repetida na página 8 da mesma edição, onde um gráfico informa que Portugal tem uma população de 10,6 milhões de pessoas. Ou seja, o PÚBLICO ‘informa’ os seus leitores de que a raiz quadrada de 10.600.000 é 248… Fruto provável da leitura mal digerida e mal traduzida de um estudo académico referido no texto, o erro transportado para uma chamada de capa não revela só falta de atenção ou de conhecimento básico (ou de uma calculadora). Revela desleixo nos procedimentos de fecho do jornal.

Edição de quarta-feira, 9/3, página 18: ‘A subida registada nos últimos dias nas taxas de juro no mercado secundário podem prejudicar seriamente esta emissão (…) ‘. Provável distracção entre muitas semelhantes, o erro não será resultado, como em outros casos infelizmente frequentes nestas páginas, da dificuldade em lidar com as regras da concordância gramatical. Mas revela falta de cuidado de edição e revisão num texto de abertura de secção que corresponde à manchete do dia.

Edição de 9/3, página 15 do P2, peça principal da secção Pessoas: ‘Guilherme e Kate Middleton estiveram ontem na Irlanda do Norte, e o príncipe teve oportunidade de ver a sua noiva a fazer panquecas’. Edição do dia seguinte, página 15 do P2, peça principal da secção Pessoas: ‘O príncipe William vai casar-se já no próximo dia 29 de Abril com Kate Middleton (…) ‘. Começa a ser anedótico que o PÚBLICO não se decida sobre como grafar o nome do neto de Isabel II. Nem para uma mesma secção se acerta um critério uniforme. A incoerência poderá ser considerada de menor importância, mas revela falta de respeito pelos leitores.

Edição de quinta-feira, 10/3, página 2: ‘Cavaco arrasa Governo e apela ao ‘sobressalto cívico dos portugueses’, lê-se no título principal do Destaque, a encimar um texto em que se noticia o discurso presidencial da véspera. Será a opinião de quem o escreveu, e que poderá estar cheio de razão, mas é uma opinião. Não se trata sequer de um título interpretativo, como sucedeu com a escolha, legítima e a meu ver adequada, da expressão ‘magistratura de ruptura’, para destacar o mesmo tema na primeira página. Para além do tom sensacionalista, o uso do verbo ‘arrasar’ neste contexto revela pouca atenção pelo compromisso fundamental do jornal em distinguir informação e opinião.

Edição de 10/3, pág. 10: ‘ ‘Geração à rasca’ tem autorização para manifestar-se em pelo menos oito cidades’. Era o título de uma notícia em que se escrevia (bem) no terceiro parágrafo: ‘Não é preciso pedir autorização para fazer uma manifestação em Portugal’. É o jornal a desmentir-se a si próprio, com o título a estragar uma informação correcta e oportuna, revelando falta de rigor e mau trabalho de edição.

Edição de sexta-feira, 11/3, primeira página: ‘Viana e Amadora recusam ‘hipers’ ao domingo’. Mesma edição, página 16: ‘Viana do Castelo e Almada contra novos horários dos hipers’. A discrepância revela, de novo, deficiências nos procedimentos de fecho do jornal. Por outro lado, a leitura da própria notícia, na abertura da secção Economia, mostra que este era um daqueles casos em que mais se justificava referir que o grupo Sonae é ‘proprietário do PÚBLICO’, uma fórmula que o jornal há muito decidiu incluir, por louváveis razões de transparência e afirmação de independência jornalística, nas peças em que o grupo é referido. Não o fez neste caso, o que revela falta de atenção por uma regra que livremente escolheu.

Podia ter escolhido outros exemplos. Poderiam ser mais graves se tivessem sido recolhidos numa outra série de quatro edições sucessivas. Mas creio que são suficientes para ilustrar a importância de serem aperfeiçoados os mecanismos de controlo de qualidade exigíveis a um jornal de referência.’