As entidades que representam os interesses dos grandes meios de comunicação do país definiram um novo alvo: os portais de notícia da internet ligados a grupos estrangeiros. Depois de realizarem vários eventos sobre o tema, a Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e TV (Abert) e a Associação Nacional dos Jornais (ANJ) resolveram partir para o ataque. Elas entraram com duas representações junto à Procuradoria Geral da República pedindo que o Ministério Público emita um parecer em relação à atuação de empresas estrangeiras em sites noticiosos brasileiros.
A avaliação dessas associações é que existem sites que produzem jornalismo no país que possuem mais de 30% de capital estrangeiro em suas administrações. O foco das representações são a Empresa Jornalística Econômico S.A e a Terra Networks S.A. A primeira empresa é de origem portuguesa e recentemente comprou os impressos do grupo O Dia. Ela edita também o jornal Brasil Econômico. A segunda pertence ao grupo Telefônica, da Espanha, e controla o portal Terra.
O artigo 222 da Constituição Federal diz que a ‘propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País’. No parágrafo 1º, há uma definição do limite de participação de capital estrangeiro: ‘pelo menos setenta por cento do capital total e do capital votante das empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens deverá pertencer, direta ou indiretamente, a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, que exercerão obrigatoriamente a gestão das atividades e estabelecerão o conteúdo da programação’.
Truque retórico
A atual redação do artigo 222 foi definida por uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) aprovada em 2002. À época, os grandes grupos privados de comunicação precisavam dar conta de problemas financeiros provocados pela crise econômica do final dos anos 1990 e, por isso, propuseram a mudança e fizeram forte campanha para permitir a entrada de capital estrangeiro no setor.
Para vários militantes da democratização da comunicação, esse ainda é um índice alto. Na 1ª Conferência Nacional de Comunicação, realizada no fim do ano passado, foi aprovado uma proposta de mudança na lei, que passaria o limite para até 10% de presença de capital estrangeiro em veículos brasileiros.
Agora, Abert e ANJ utilizam novamente o artigo 222 para defender interesses de mercado – no caso, buscar restringir a competição. Argumentam que o texto refere-se a todas as empresas jornalísticas, independente do suporte que utilizam para transmitir seus conteúdos. ‘A Constituição é clara ao estabelecer o limite de capital estrangeiro. O espírito da lei é permitir a responsabilização pelo conteúdo editorial, a valorização da cultura e a preservação da soberania nacional’, diz o presidente da Abert, Daniel Slaviero, em nota da Assessoria de Comunicação da entidade. Segundo ele, blogs, sites e redes sociais não estariam enquadrados pelo Artigo 222 porque não tratam de atividade com fins lucrativos.
A Abert cogita até entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra a prática dos sites que ela denuncia. Segundo a entidade, essa decisão dependerá da interpretação que o Ministério Público dará ao assunto. O Ministério das Comunicações tem informado que não cabe ao órgão regular a internet.
As empresas que estão sendo atacadas pela Abert e ANJ têm entendimento diferente do que está disposto na lei. ‘O Terra entende que o artigo 222 da Constituição Federal não se aplica a empresas de internet, em primeiro lugar, porque não cita expressamente o meio internet. Além disso, ao contrário do que acontece com a imprensa escrita e com as empresas de radiodifusão, mencionadas expressamente no artigo, a internet não tem fronteiras, o que tornaria impossível a aplicação da restrição contida no Artigo 222 à rede mundial de computadores’, afirma a Assessoria de Comunicação da empresa.
O jornalista e diretor do Laboratório Brasileiro de Cultura Digital Rodrigo Savazoni também avalia ser difícil a aplicação do artigo 222 aos sites de conteúdo noticioso. ‘Internet não é radiodifusão e qualquer tentativa de estender características regulatórias da radiodifusão para a rede é um truque meramente retórico’, opina.
Leia também
Imprensa versus imprensa – Luciano Martins Costa