Friday, 29 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

A polêmica do blog de Maria Bethânia

Folha de S. Paulo, 20/3

Breno Costa

Ministra da Cultura minimiza polêmica do blog de Bethânia

A ministra Ana de Hollanda (Cultura) minimizou ontem a controvérsia gerada com a aprovação, pelo ministério, de projeto de R$ 1,3 milhão para a criação de um blog com leituras de poesia pela cantora Maria Bethânia.

Do montante total aprovado para captação junto a empresas via Lei Rouanet, com renúncia fiscal, R$ 600 mil constam como remuneração para a própria Bethânia.

‘Não tem nada [de mais]. É uma polêmica que foi criada não sei por quê. Foi inteiramente dentro das regras’, disse Ana de Hollanda, ao chegar para almoço no Itamaraty com o presidente dos EUA, Barack Obama.

Segundo a ministra, o R$ 1,3 milhão é justificado pelos ‘trabalhos’ e pelas ‘filmagens’ que o blog exigirá.

‘Está tudo justificado lá na planilha’, afirmou, sem citar os R$ 600 mil previstos para remunerar Maria Bethânia.

 

Folha de S. Paulo, 20/3

Editorial

Não precisa

Como é costume nas polêmicas pela internet, ataques de cunho pessoal foram desfechados contra a cantora Maria Bethânia, após a aprovação, com base na Lei Rouanet, do seu projeto para criar um blog com declamações de poesia.

Ao custo de R$ 1,3 milhão, a estrela da MPB participaria de videos diários de 60 segundos. Eles seriam dirigidos pelo cineasta Andrucha Waddington e veiculados pela rede de computadores.

O episódio traz à tona problemas que seria mais correto abordar de modo amplo. Dizem respeito -e não é a primeira vez que isso acontece- ao modo com que se aplicam os mecanismos de incentivo à cultura no país.

Oficialmente, o Ministério da Cultura não destinou a quantia (por certo exagerada) de R$ 1,3 milhão para o blog de Bethânia. Apenas autorizou que os idealizadores do projeto captassem, junto à iniciativa privada, tal montante.

O argumento, que os meios oficiais repetem em prosa e verso, é todavia enganador. O investidor privado consegue ampla isenção fiscal quando aplica dinheiro pela Lei Rouanet. Segundo declarou em 2009, numa sabatina à Folha, o então ministro da Cultura, Juca Ferreira, ‘nove entre dez empresários só trabalham com 100% de renúncia fiscal’.

É o próprio contribuinte, portanto, quem termina pagando pelos projetos patrocinados -os quais, por sua vez, facilmente revertem em prestígio e propaganda para quem os financiou. Diminuir o teto das isenções seria, assim, um aperfeiçoamento bem-vindo na Lei Rouanet -que tem, sobre o investimento direto do governo na cultura, a vantagem de evitar o dirigismo estatal.

Os recursos do contribuinte não devem, ademais, ser utilizados no financiamento de projetos de artistas conhecidos, perfeitamente viáveis sem ajuda do Estado.

A Lei Rouanet faz sentido quando empresas se dispõem, por exemplo, a arcar com os custos de preservação do patrimônio histórico, ou com atividades formativas como a abertura de bibliotecas ou cursos de educação artística.

Nesse critério não se inclui o blog de Bethânia, intitulado ‘O Mundo Precisa de Poesia’. De poesia, todo mundo precisa. Da Lei Rouanet, nem todo mundo -nem tanto assim.

 

 

Folha de S. Paulo, 19/3

Fernando de Barros e Silva

Blog e macarthismo

Criou-se um escarcéu em torno do blog de poesia de Maria Bethânia. Pessoas reagem com fúria indignada ao fato de que a cantora foi autorizada a captar R$ 1,35 milhão pela Lei Rouanet -segundo a qual as empresas abatem do imposto que pagam a parcela do seu ‘patrocínio’ à cultura.

Parece, pelo menos à primeira vista, sem conhecimento detalhado do projeto, um valor bem elevado para um blog. Mesmo considerando que os personagens envolvidos sejam Bethânia e o diretor Andrucha Waddington. Até aí eu vou.

Não dá, porém, para embarcar na escandalização barata do episódio, ainda acompanhada pelo prazer grupal de promover o linchamento da artista. Ninguém desviou dinheiro público, não há, rigorosamente, nenhum crime, nenhuma ilegalidade no pleito de Bethânia.

Favorecimento? A lei existe e uma das maiores intérpretes do país busca se beneficiar dela. Não estamos falando de uma espertalhona, de uma charlatã ou de uma mercadista vulgar, mas de alguém, pelo contrário, cuja figura sempre esteve associada a uma atitude de recato e nobreza de espírito.

Devemos discutir os critérios e problemas da Lei Rouanet? Sim, mas não dessa forma, sensacionalista e hipócrita. A própria ministra, Ana de Hollanda, disse numa entrevista recente: ‘As pessoas vivem muito de produzir eventos pela Lei Rouanet. A lei foi criando certos vícios, não só no mundo artístico, mas também no das empresas’.

A reação ao blog de Bethânia, nos termos em que se deu, é, no fundo, só mais um capítulo de um certo macarthismo chulé que vem ganhando expressão no país. A caça às bruxas é capitaneada por uma direita cultural hoje bem estruturada na mídia, quase sempre maledicente e escandalosa.

As baixezas contra Chico Buarque em função do Jabuti são o caso recente mais emblemático do modo de agir dessa tropa do ressentimento fantasiada de exército da salvação da moral e dos bons costumes.

 

 

Folha de S. Paulo, 17/3

Marcus Preto

Polêmica sobre blog é equívoco, diz diretor

O cineasta Andrucha Waddington, que vai dirigir os vídeos do blog O Mundo Precisa de Poesia, considera ‘um equívoco’ a polêmica em torno da decisão do Ministério da Cultura, que autorizou, anteontem, a cantora Maria Bethânia a captar R$ 1,3 milhão para o projeto.

O texto prevê produção e veiculação de vídeos diários de 1 minuto em que Bethânia vai interpretar poemas. O plano é que sejam colocados no ar 365 vídeos. A coordenação deverá ficar a cargo do sociólogo Hermano Vianna.

Noticiada ontem pela colunista Mônica Bergamo, na Folha, a aprovação da captação do dinheiro, via Lei Rouanet, teve repercussão e críticas nas redes sociais -estava entre as mais comentadas pelos brasileiros no Twitter.

‘Se fosse documentário ou filme para ser visto por cinco mil pessoas no cinema, ninguém estaria reclamando’, diz Waddington.

‘Parece que internet não é um meio válido. Lá [no blog], os vídeos vão ser vistos por milhões, e de graça. Preciso trabalhar com uma equipe, com o mesmo padrão de qualidade dos meus filmes.’

O cineasta estima que cerca de R$ 3.500 sejam usados por episódio, contando aí despesas com som, assistente de direção, produtor, ilha de edição, mixagem e pós-produção de imagem. Ele não revela seu cachê.

Procurada, Bethânia não quis comentar o caso. Mas seus sobrinhos, Jorge Velloso e Belô Velloso, saíram em defesa da cantora no Twitter.

‘Não falei com minha tia ainda, mas já adianto que ela pensou de verdade em levar cultura para vocês. Que ingenuidade’, escreveu Belô.

Jorge postou: ‘Caetano está errado. Lobão não tem razão! Nunca!’. Referia-se ao inspirador de ‘Lobão Tem Razão’, de Caetano. Lobão foi um dos que atacaram a decisão do MinC.

‘Gerar projeto de poesia é muito bacana, mas as pessoas beneficiadas com essas leis são sempre as mesmas’, disse Lobão à Folha. ‘O que fica bastante patente nesse movimento todo é que há uma parada chapa branca para a MPB. Na outra gestão, flagraram projetos de um milhão para DVD de Ivete Sangalo, Carlinhos Brown, Claudia Leitte. Viva a Bahia!’

O MinC declarou, em nota, que ‘a aprovação, que seguiu estritamente a legislação, não garante, apenas autoriza a captação de recursos’ e que os critérios ‘são técnicos e jurídicos’.

O texto do ministério dizia, erroneamente, que a captação seria feita via Lei do Audiovisual -horas depois, o órgão soltou outra nota com a correção.

PARÓDIA

Entre as críticas à decisão do MinC, estava o Blog da Bethânia, uma paródia do projeto. ‘Criei o blog porque não recebi uma bolada do MinC e achei injusto’, disse o autor do site, o publicitário Raphael Quatrocci, 28. ‘O humor é a melhor forma de demonstrar indignação.’

Segundo ele, o blog teve cerca de 50 mil acessos ontem.

A assessoria de Bethânia disse que acha ‘absurdo’ o conteúdo do blog falso.

Colaborou RAFAEL CAPANEMA