Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Novela representa a visão da Casa Grande

Acredito que muitos dos leitores já tenham assistido pelo menos parte de um capítulo da telenovela Sinhá Moça, produzida pela Rede Globo. A primeira versão foi apresentada em 1986, escrita por Benedito Ruy Barbosa e contava em seu elenco com Lucélia Santos e Marcos Paulo. A telenovela foi readaptada em 2006, com novo elenco formado por Débora Falabella e Danton Mello, entre outros; agora, em 2010, o folhetim está sendo reprisado em Vale a Pena Ver de Novo.

No enredo, busca-se representar o contexto que vivia o país, principalmente em 1887, um ano antes da abolição formal da escravidão no Brasil. A trama ocorre em uma cidade do interior de São Paulo chamada Araruna, onde monarquistas e republicanos (abolicionistas) enfrentam-se entre aqueles que buscam conservar o trabalho forçado de negros e os que buscam abolir a escravidão.

Como todas as novelas de época, busca-se um certo contexto histórico da realidade brasileira (na maioria das vezes sem sucesso), vindo carregada de muito romantismo para agradar aos paladares de quem as assiste sem muito senso crítico. Nesta novela pode se perceber algo que esteve muito presente nas ciências sociais e na literatura do século 20: velhas idéias e maneiras que fortaleçam a construção no imaginário brasileiro de um país mestiço e de democracia racial.

Uma história de luta de resistência

O que pouco se vê nas novelas como Sinhá Moça é a ação e luta dos escravos para sua própria libertação, talvez por esta ficar apagada e às sombras das boas intenções de brancos advindos do escravismo. A ação do sinhozinho branco e abolicionista nos últimos anos até a efetivação formal (e não real) em 1888, em meio à efervescência internacional de ver a última e sofrida abolição efetuada na teledramaturgia, fica acima de milhares de revoltas de negros que pipocavam em todo o território brasileiro. Sinhá Moça representa a visão da casa grande (senhores) acerca do processo de abolição.

Levantes como em 1756 e 1864, em Minas Gerais, a revolta dos Malês, em 1835 na Bahia, e os milhares de quilombos formados a partir de fugas e conflitos contra o escravismo ficam abafados pela TV comercial brasileira, na tentativa de enganar a todos com o velho discurso de passividade dos negros com sua situação, negando-os como sujeitos históricos em meio à bondade de senhores brancos em um sistema já falido social e economicamente.

Sinhá Moça, como tantas outras novelas, busca apagar de nossa memória e história a luta de resistência dos escravos que ajudaram a construir este país. Ainda hoje, seus descendentes sofrem os reflexos de quase quatro séculos de dominação e isso também querem apagar.

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Acadêmico de História e pesquisador da temática de afro-descendência