Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

A volta das doutoras Solanges

Não faz tanto tempo assim: do mesmo jeito que os torturadores eram conhecidos quase sempre como ‘coronel Ubirajara’, os censores eram a ‘doutora Solange’, aquela que protegia os pobres, inocentes e sofredores brasileiros do noticiário que, embora verdadeiro, embora importante, eles julgavam inconveniente. Havia uma ditadura, os generais mandavam no país, a censura prévia era não apenas inscrita em lei como defendida, em nome da segurança nacional (e para evitar a divulgação dos malfeitos do governo), pelos ideólogos do autoritarismo.

Hoje estamos numa democracia, os generais obedecem ao poder civil, a censura prévia é proibida pela Constituição, todos são contra a censura aos meios de comunicação. Todos? Não: o prefeito de São Bernardo do Campo (SP), o ex-ministro Luiz Marinho, do PT, conseguiu censurar um jornal, o Diário do Grande ABC, que mostra fatos verdadeiros e documentados de sua administração. O petista Marinho segue os passos do filho do ex-presidente Sarney, que conseguiu censurar O Estado de S.Paulo. Sarney e Marinho, aliás, já foram grandes adversários. Mas suas posições convergiram, e não apenas no campo da censura aos meios de comunicação que querem informar o público.

Marinho conseguiu em primeira instância o bloqueio de reportagens sobre o descarte de carteiras escolares em bom estado de conservação, que eram enviadas para reciclagem; conseguiu também que o Diário do Grande ABC seja multado todos os dias caso publique alguma reportagem sobre o tema.

Este colunista, que escreve duas vezes por semana no Diário do Grande ABC, revive os velhos tempos, quando trabalhava no Jornal da Tarde, que também sofria censura prévia.

A opinião da imprensa em geral é clara: a medida que atingiu o Diário do Grande ABC, diz a Associação Nacional dos Jornais, equivale à censura prévia e é inconstitucional.

Quanto ao prefeito censor, foi ouvido antes da publicação da primeira reportagem e suas explicações ocuparam um terço do espaço da matéria (mesmo assim, pediu à Justiça o direito de resposta). Mas, talvez percebendo que na batalha das informações não tinha como ganhar, Marinho preferiu buscar a censura.

 

E agora?

Já com dois jornais sob censura (fora os outros, que são estrangulados economicamente), está na hora de uma reação coletiva – talvez uma ação direta no Supremo, para que fique claro que ninguém pode se substituir às doutoras Solanges e aos censores militares para evitar a publicação de notícias. Ou então que se revogue de vez a Constituição. Se não é para valer, para que está lá?

 

A hora da ação 1

O fato é que, quando sente seus interesses econômicos prejudicados, a imprensa atua na hora e em bloco. A Associação Nacional dos Jornais (ANJ) reagiu rapidamente à entrada do grupo português Ongoing no mercado brasileiro de veículos de comunicação, e representou à Procuradoria-Geral da República. O Ongoing abriu um jornal, o Brasil Econômico, está concluindo a compra do grupo jornalístico carioca O Dia e já se anuncia que pretende abrir dois jornais em São Paulo, um esportivo e um tablóide de leitura rápida.

De acordo com a Constituição, estrangeiros podem possuir até 30% do controle de empresas de comunicação; e não podem dirigir a parte de conteúdo. O grupo Ongoing alega que sua empresa é controlada, no Brasil, por Maria Alexandra Mascarenhas Vasconcelos, brasileira nata – e esposa de Nuno Vasconcelos, o empresário português que comanda o grupo.

 

A hora da ação 2

Representação idêntica, embora menos rápida, foi apresentada à Procuradoria-Geral da República pela ANJ e pela Abert, que reúne emissoras de rádio e TV, contra o portal Terra. O Terra veicula notícias; e, segundo a acusação, sua empresa controladora, a Terra Networks Brasil, pertence à Telefónica espanhola.

É briga grande: muitos anos atrás, Samuel Wainer, criador da Última Hora, sofreu dura campanha por não ser brasileiro nato (na realidade, nasceu na Bessarábia, e veio criança para o Brasil). Depois, houve campanhas contra a Rede Globo, por seu acordo com a Time-Life, e a Editora Abril, por ter estrangeiros entre seus proprietários. A lei hoje é mais flexível, mas a guerra continua feroz.

 

O caso do repórter

E, por falar em Abril, o debate do momento, nos meios jornalísticos, é o da demissão dos quadros da editora de Felipe Milanez, editor da National Geographic, depois de ter feito duras críticas à revista Veja (entre os termos que utilizou, estão ‘escrota’ e ‘idiota’). O Sindicato dos Jornalistas se opôs à demissão, há comentários contra e a favor na Internet. Discute-se se a liberdade de opinião foi ou não violada.

Comecemos com uma constatação: se a empresa tem o direito de demitir o empregado sem justa causa, pagando-lhe uma determinada quantia, a discussão legal está encerrada. Isto não vale apenas para jornalistas, mas para todas as profissões.

O segundo ponto tem a ver com comunicação. Imaginemos alguém que trabalhe, digamos, na Coca-Cola. Um executivo da Coca não pode ser visto tomando Pepsi (e vice-versa). Imaginemos um executivo da De Soto circulando num Honda e dizendo que o Plymouth, que foi produzido pela empresa em que trabalha, era inseguro. Em termos de mensagem à opinião pública, por que um dos carros fabricados pela empresa seria inseguro e os outros não?

E, finalmente, se a empresa é tão ruim que a principal revista da casa é ‘escrota’, por que ficar nela? O melhor é se afastar o mais rapidamente possível.

 

Que é que tem?

Um blog descobriu que a bebida láctea Alpino, da Nestlé, embora tivesse na embalagem as cores do bombom, embora estampasse na embalagem a foto do bombom, não continha os ingredientes do bombom (o que, aliás, ficava claro para quem quer que tivesse paciência e boa vista: em algum lugar da embalagem, em letras que dificilmente se poderiam chamar de garrafais, havia a informação de que o produto não continha o chocolate que lhe dava o nome).

Tudo bem, a Nestlé se defendeu, disse que o produto tem sim os ingredientes da massa do bombom, mas que como não continha o próprio bombom derretido tinha optado por colocar o aviso na embalagem. Tinha sido excesso de zelo. E, para corrigir o problema, retiraria o aviso da embalagem.

OK – embora uma amiga deste colunista, que provou a bebida, a tenha considerado muito rala. Como o tema desta coluna é imprensa, falemos do grande jornal que noticiou o caso. O tempo inteiro informou o que é que a bebida não continha. E se esqueceu de dizer o que é que a bebida continha.

 

Que é que não tem?

A informação foi publicada no Blog do Josias, do jornalista Josias de Souza. Segundo ele , o navio João Cândido, inaugurado pelo presidente Lula e pela candidata Dilma Rousseff, era apenas uma carcaça, sem condições de navegar. Não tinha motor, nem caldeira, nem equipamentos eletrônicos, nem fiação elétrica. Ninguém o desmentiu. Agora já se sabe por que: porque Josias estava absolutamente correto. De acordo com o presidente da Transpetro, o João Cândido, já lançado, só navegará em 15 de setembro, isso se não houver nenhum problema com a montagem.

 

Divirta-se

Não, ela não se chama Cristina: Cristina é só a engraçada personagem deste livro, Loucuras de Cristina. Não, ela não tem o comportamento Sex and the City de Cristina: é jornalista que trabalha sério e, como o irmão Alexandre Moreno, boa assessora de imprensa. Vale a pena conhecê-la: Raquel Moreno escreve bem, fala de histórias que vivemos como experiências chatas e as transforma em episódios divertidos, tem um toque daquele humor ácido dos cronistas mineiros.

Loucuras de Cristina não está nas livrarias: pode ser encontrado no site agBook ou na Alphagrafics (onde a demora média para entrega é de três dias).

 

Como…

De uma conhecida coluna econômica, informando que o presidente Lula proporia ao Irã triplicar o comércio bilateral:

** ‘Os iranianos se interessam por alimentos (…). Em troca, o Irã pode trocar conhecimento em petroquímica, tapetes, temperos e pistache.’

O pistache iraniano é ótimo, dizem que o melhor do mundo. Custa caro. Mas, para trocar por soja, carne, milho, haja pistache!

 

…é…

De um grande portal noticioso:

** ‘A Polícia Civil informou que o criminoso reconhecido por algumas vítimas do (…) foi morto no dia 28 de março deste ano, em Costa Barros, no subúrbio.’

Isso é que é contumácia: delinque até depois de morto.

 

…mesmo?

De um grande portal de internet:

** ‘Navio chinês encalhou em área protegida por cansaço, diz investigação australiana’

Lendo a notícia com atenção, faz um certo sentido: o cansaço do comandante fez com que o navio entrasse na área protegida e encalhasse.

 

Mundo, mundo…

Pois é, pois é. O marido passou um ano fora do país e, quando voltou, encontrou em casa um bebê negro – ele e a esposa são brancos. Segundo ela disse, a criança foi concebida enquanto ela assistia a um filme pornô em 3D. Ele confirma: ‘Não vejo por que desconfiar dela. Os filmes em 3D são muito reais. Com a tecnologia de hoje tudo é possível’. Ela acrescenta que o bebê é muito parecido com o ator negro do filme, diz que foi fiel ao marido e promete processar os produtores.

Pois é, pois é. Há muitos e muitos anos, pediram a um foca que fosse à casa de um repórter chamá-lo para uma emergência. Ele tocou a campainha e quem abriu a porta foi sua própria namorada, de camisola. Segundo a moça explicou, ela estava sem a chave de casa e o repórter lhe disse que iria ficar fora a noite inteira e que ela poderia hospedar-se na casa dele, até usando as roupas de sua namorada. Ele voltou para a Redação: o repórter não estava em casa. Não estava, mas chegou à Redação pouco depois, por puro acaso – sabe como é, ficou com vontade de ir ao serviço às duas da manhã. E o foca ainda lhe agradeceu o favor.

 

…vasto mundo

Este scanner corporal, criado para identificar terroristas, um dia ia dar confusão. E a primeira ocorreu entre os policiais encarregados de utilizá-lo. Um deles, ao testar o aparelho, colocou na tela o pênis de um colega. Começaram as piadas, porque o acharam pequeno. Resultado final: agressão. A bastonadas. E prisão do agente de pênis pequeno, que corre o risco de ser processado e ficar famoso.

 

E eu com isso?

Não é apenas que tenham mais dinheiro, ou que tenham chegado à fama. É mais: os ricos e famosos são diferentes.

** ‘Lady Gaga não devolve roupas de baixo emprestadas por grife’

** ‘Ivete Sangalo diz que está com `pancinha´’

** ‘Britney Spears passeia por Los Angeles sem calcinha’

** ‘Rodrigo Santoro resiste, mas aceita ficar pelado em cena’

** ‘Mulher se separa 8 vezes e confessa ser viciada em casamento’

** ‘`Gravidez de famosas é diferente das mulheres anônimas´, diz médico’

** ‘Motoqueiro bielorrusso surdo quer bater recorde viajando’.

** ‘Polícia prende ladrão que usava lingerie’

** ‘Garota cai do segundo andar sobre carro novo do namorado’

Até aí, tudo bem: o carro amaciou a queda e a moça se salvou. Mas o carro é um Aston-Martin, aquele da maioria dos filmes de James Bond, caríssimo. Será que o namorado ficou satisfeito com a salvação da moça?

Mas pode haver coisas piores:

** ‘Rejeitada, mulher tenta cortar pênis do ex-namorado’

** ‘Sujeito é pego abusando de cabrita’

Eta, pessoal preconceituoso! E foi denunciado por um parente, escandalizado com a pouca vergonha! Pois numa antiga Playboy, um cavalheiro famoso conta suas aventuras de iniciação sexual com cabritas. E isso não o impediu de ser star.

 

O grande título

Há um título interessantíssimo na internet:

** ‘Maria Gadu faz show esgotado em SP’

Talvez o show esteja cansado (se os artistas às vezes se cansam, por que o espetáculo não pode?); talvez os ingressos para o show se tenham esgotado, e isso era comprido demais para caber no título. Mas certamente quer dizer alguma coisa.

O melhor título, porém, está num comunicado à imprensa: é curioso, chama a atenção, tem seu toque de duplo sentido.

** ‘Clínica Engravida promove evento de relacionamento’

Precioso. E preciso.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados