Os donos de emissoras de rádio, TV e jornais representados pela Abert (Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e TV) e ANJ (Associação Nacional dos Jornais), pediram à Procuradoria-Geral da República que o Ministério Público investigue duas empresas estrangeiras que estão adquirindo empresas de comunicação brasileira. São elas a Empresa Jornalística Econômico S.A., de origem portuguesa, que edita o Brasil Econômico e comprou os jornais do grupo ‘O Dia’, e a Terra Networks S.A., de origem espanhola, que controla o site Terra. O pedido tem por base o artigo 222 da Constituição Federal, segundo o qual a participação de capital estrangeiro nos meios de comunicação está limitada a 30% do total. Até aí, tudo bem. Imprensa é coisa muito séria para ser controlada por estrangeiros.
Mas o curioso e contraditório nessa história é que, vendo-se o noticiário internacional nos jornais e TVs, tem-se a impressão de que a mídia é controlada por países estrangeiros, principalmente os Estados Unidos, mesmo sem qualquer participação acionária. Boa parte da imprensa brasileira parece porta-voz dos interesses das potências ocidentais. Imparcialidade é coisa que não existe. Alguns jornais chegam a dar ‘barrigas’ por tamanha fidelidade. Como aconteceu, por exemplo, na cobertura da Cúpula sobre Segurança Nuclear, realizada em Washington, em abril último.
Jornal comprou declaração vazia
No dia 13 de abril, O Globo deu matéria sobre a Cúpula com destaque. No alto da primeira página o título anunciava, categoricamente: ‘Irã: China cede a Obama e isola Brasil’. Na seção internacional, a primeira página era toda dedicada à reunião de Washington. A manchete reforçava: ‘China concorda com sanções’. E ainda um subtítulo: ‘Decisão paralela à cúpula nuclear complica situação iraniana e isola Brasil e Turquia’.
Procurei no texto a informação dos títulos. A única coisa que encontrei, e na qual o jornal se baseou para dar uma informação falsa, foi a seguinte declaração de um assessor chamado Jeff Bader: ‘A China está preparada para trabalhar conosco’. O que isso quer dizer? Nada além de nada. Um ‘outro funcionário’ – assim mesmo, sem nome nem cargo – garantia que uma resolução do Conselho de Segurança da ONU seria ‘uma questão de semanas’. Já se passaram mais de quatro e nada. Ao contrário.
No dia seguinte, 14 de abril, a ‘barriga’ plantada pelos assessores da Casa Branca gerou o seguinte desmentido dissimulado na mesma seção internacional: ‘China volta a defender negociações com o Irã’. Volta a defender, como? Reparem no que diz o texto da matéria:
‘Horas depois de um encontro entre os presidentes dos Estados Unidos, Barack Obama, e da China, Hu Jintao, o Ministério do Exterior chinês voltou a defender as negociações com o Irã, declarando que qualquer ação do Conselho de Segurança da ONU deve promover uma saída diplomática para o impasse sobre o programa nuclear do país. A declaração veio depois de funcionários do governo americano anunciarem que Hu concordara em ajudar a estabelecer novas sanções pressionando o Irã.’
Mas não foi isso que o próprio Globo noticiou no dia anterior. Eis o que disse o assessor Jeff Bader: ‘A China está preparada para trabalhar conosco’. A verdade é que o jornal comprou essa declaração vazia como pastel de vento com base no que ele, Globo, gostaria que acontecesse.
Preocupação pela metade
Coisas desse tipo vemos todos os dias em boa parte da imprensa brasileira. É impressionante a diferença de tratamento dado a presidentes como Hugo Chávez ou Mahmoud Ahmadinejad – polêmicos, sim – e ao ex-presidente americano George W. Bush. Chávez e Ahmadinejad são apontados como um perigo para a paz e a democracia. No entanto, em 2003 Bush praticou um dos maiores crimes contra a humanidade das últimas décadas. Atravessou o planeta com uma avassaladora máquina de guerra, com o apoio de seus aliados que hoje condenam o Irã, e destruiu o Iraque. Matou e mutilou milhares de pessoas, inclusive mulheres e crianças. Tudo isso com base em uma mentira já admitida pelo próprio governo americano: a de que o Iraque teria armas de destruição em massa.
Sete anos depois, o Iraque é um país esfacelado, diariamente às voltas com sequestros, assassinatos, atentados terríveis. Enquanto isso, o criminoso de guerra George W. Bush leva uma tranquila vida de aposentado, esquecido pela mídia americana e, por conseguinte, pela brasileira. Por que o Tribunal Penal Internacional de Haia não pensa em julgá-lo por seus crimes? Por que a imprensa que condena o Irã nunca defendeu isso em seus editoriais? E Israel, aliado dos Estados Unidos, que sabidamente possui armas nucleares e continua desrespeitando resoluções da ONU ao colonizar terras palestinas? Por que os dirigentes de Israel não têm o mesmo tratamento dado pela imprensa brasileira ao governo do Irã?
O artigo 222 da Constituição Federal tem por objetivo defender um setor importantíssimo para qualquer povo, o da informação. O que os senhores da Abert e da ANJ parecem ignorar é que a preocupação deles com o cumprimento desse artigo não pode ser pela metade. Deveria se aplicar também ao conteúdo divulgado pelos veículos de comunicação dos quais eles são os donos, em nome do bom jornalismo e em respeito ao público.
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Jornalista, Rio de Janeiro, RJ