Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Veja

TELEVISÃO
Marcelo Marthe

Operação tapa-santo

‘A novela Bela, a Feia chegou ao fim na quarta-feira quebrando dois tabus na Record. Com seus personagens gays bem resolvidos, o folhetim mostrou que a emissora dos bispos já não tem medo de ser feliz. Mas a surpresa mesmo viria no último capítulo: o casamento da protagonista Bela (Giselle Itié) com seu patrão (Bruno Ferrari) em um templo católico. As referências à religião da maioria dos brasileiros incomodam os bispos da Igreja Universal. Em 2005, a Record já tinha exibido uma cerimônia católica em A Escrava Isaura, rendendo-se ao fato de que no século XIX não seria de outra forma. Mais tarde, contudo, o diretor Herval Rossano (morto em 2007) denunciou que teve de retirar da igreja as imagens de santos. Desde então, não se viam bodas católicas – elas eram celebradas ou por pastores evangélicos, ou no civil. A ideia do casório de Bela, a Feia partiu do diretor Edson Spinello e teve anuência dos bispos, que hoje buscam vencer resistências no mercado, de olho no faturamento publicitário. Mas a capela onde a cena foi gravada passou por uma ‘redecoração’: imagens foram cobertas por cortinas ou substituídas por vasos. Santo forte? Não na Record.’

 

Marcelo Marthe e Isabela Boscov

Curso de cinema por assinatura

‘O clássico Meu Ódio Será Sua Herança teve uma exibição verdadeiramente odiosa no horário nobre do canal pago TCM há algumas semanas. A fita do cineasta Sam Peckinpah – que renovou o faroeste no fim dos anos 60 com suas sequências de violência coreografadas em câmera lenta – foi ao ar sem som. Isso mesmo: enquanto o banho de sangue de Peckinpah transcorria em absoluto silêncio, o espectador não dispunha nem ao menos de legendas para se socorrer. Tal gafe foi muito criticada nos fóruns de cinéfilos na internet. Mas nem um fato tão lamentável faria essa parcela do público romper com o TCM. Relegado aos confins do cardápio das operadoras (ocupa o número 91 da Net, o 76 da TVA e o 70 da Sky), o canal é referência fundamental quando se procura por grandes títulos do cinema na TV por assinatura. Em concorrentes como o Telecine ou a HBO, o foco é na oferta dos filmes da estação, por assim dizer. Se a demanda é pelos chamados clássicos, contudo, o TCM não encontra rival para suas preciosidades.

Parte do charme de assistir ao TCM está na necessidade de garimpar essas gemas. Só com olho vivo, por exemplo, percebe-se que os dois melhores filmes do veterano Sidney Lumet, Rede de Intrigas e Serpico, serão exibidos na sequência no dia 16 – ou que o dia 12 equivale a um curso intensivo sobre dramas românticos, começando com A Loja da Esquina, de Ernst Lubitsch, e prosseguindo com os megaclássicos Casablanca e …E o Vento Levou. É preciso atenção também para notar que, embora o festival do mês seja dedicado a John Ford (entre os títulos mais raros do cineasta, destaca-se Paixão dos Fortes), há uma meia dúzia de obras de outro grande nome, Michael Curtiz, espalhada pela programação – começando pelo próprio Casablanca e incluindo o hoje quase esquecido, embora inesquecível, Nossa Vida com Papai.

O Turner Classic Movies surgiu nos Estados Unidos há quinze anos, como parte do conglomerado de entretenimento do magnata Ted Turner, fundador da CNN (e que mais tarde transferiria o controle do grupo à Time Warner). A força do canal advém de seu catálogo, que abarca a coleção de cerca de 4 500 títulos dos estúdios Metro-Goldwyn-Mayer, adquirida por Turner em 1986, e produções de outros estúdios que marcaram a era de ouro de Hollywood. Há desde itens dos primeiros tempos da Warner até lotes vindos da RKO – companhia dos grandes musicais com Fred Astaire, dos filmes noir e de obras-primas como Cidadão Kane, de Orson Welles. Trata-se, em suma, de um dos principais acervos cinematográficos do mundo, em tamanho e relevância. Mas o que torna o TCM irresistível para o fã de cinema é justamente o fato de sua grade não se restringir ao óbvio. Assistir a O Monstro do Mar Revolto e A 20 Milhões de Milhas da Terra, duas amostras da animação em stop-motion do genial Ray Harryhausen programadas para este mês, provoca sensação equivalente à de descobrir um artefato arqueológico surpreendente sob a poeira – arrepio que se repete com A Morta-Viva e Sangue de Pantera, obras-primas do terror sugestivo e atmosférico criadas pelo diretor Jacques Tourneur.

Graças a essa sua mescla de produções de primeira e segunda linha, o TCM equivale a um curso informal, permanentemente no ar, sobre o cinema americano: mostra aquilo que é tido como fundamental, mas oferece ao espectador a chance de tirar suas conclusões e identificar suas preferências. Em um dia, por exemplo, assiste-se a Lawrence da Arábia; alguns dias depois, vê-se Lord Jim, também com Peter O’Toole, e constata-se que o filme, apesar de agradável, não passa de uma tentativa inferior de repetir a fórmula daquele épico inigualável. Ao aportar no Brasil e no restante da América Latina há cinco anos, porém, o TCM ganhou feição diferente do original americano. Para driblar certa aversão da audiência latina por filmes antigos e em preto e branco, o canal passou a incluir seriados em sua programação – o cálculo é que, ainda que sejam também velharias, eles poderiam ganhar o coração dos espectadores na faixa dos 35 anos por seu apelo nostálgico. Eficaz ou não do ponto de vista do marketing, o fato é que a estratégia proporciona deleites sem preço aos fãs do gênero: em nenhum outro recanto da televisão, afinal, pode-se conferir a relíquia Bonanza, seriado sobre um clã de machões do Velho Oeste que foi febre nos anos 60 (e continua uma delícia).

O TCM atinge 3 milhões de assinantes no país, pouco menos da metade dos lares com TV paga. Mas vem se alinhando a uma tendência que, infelizmente, parece inexorável: um terço dos filmes e metade dos seriados são transmitidos nas versões dubladas. Com uma ligeira vantagem – quando possível, conservam-se as dublagens nacionais antigas, tidas como ‘clássicas’. O tratamento das imagens também tem suas peculiaridades. A certa altura, Ted Turner mandou colorizar todas as suas películas em preto e branco. A prática – ainda bem – caiu em desuso. ‘Hoje o público prefere mesmo é ver o original’, diz o argentino Marcelo Tamburri, executivo que chefia a equipe de nove profissionais que cuida de tudo, da seleção dos filmes à legendagem, na sucursal latina do TCM, em Buenos Aires. Hoje, informa Tamburri, 40% do acervo é remasterizado e outros 30% são filtrados para minimizar os efeitos do tempo sobre os originais em 35 milímetros. Ainda sobra margem para erros – como o sumiço do áudio no filme de Sam Peckinpah, legendas que às vezes têm pouco em comum com o conteúdo real dos diálogos e uma ou outra cópia meio mastigada. Os cinéfilos reclamam. Mas, diante de um acervo como esse, nem cogitam desistir.’

 

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