A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) apresentada pelo senador do Distrito Federal Rodrigo Rollemberg (PSB/DF) tem sido objeto de reflexão de vários comentaristas. Em geral, veem apenas como mais um projeto exótico vindo de um senador estreante. A proposta do senador é incluir no art. 6º da Constituição o ‘acesso a Rede Mundial de Computadores (Internet)’ como um direito social. Evidentemente, pode-se discordar da proposta, mas o que chama a atenção são os argumentos apresentados por alguns comentaristas midiáticos. Para eles, a proposição seria inviável. Para demonstrar esta tese apontam as dificuldades de assegurar tal direito para pessoas que vivem em lugares remotos. Ou seja, não tem cabimento querer estender o acesso aos grotões que fazem parte do Brasil profundo.
Mas retomemos, então, o que diz a Constituição:
‘Art. 6.º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.’
O que está destacado no art. 6º é, implicitamente, que o acesso aos direitos sociais não é instituído pela facilidade de serem universalizados, mas pela necessidade que as pessoas possuem. As dificuldades de logística, contudo, condenam os lugares remotos a passarem situações de precariedade no que diz respeito ao acesso aos direitos sociais, mas nem por isso eles devem deixar de existir.
Mecanismos para defesa de direitos
Atualmente, um dos grandes desafios para muitas prefeituras ou para os programas governamentais no setor de saúde é garantir que haja médicos em inúmeros pequenos municípios brasileiros, em especial na região Norte. O mesmo se aplica a todos os outros direitos estabelecidos no referido artigo. Aliás, pode-se dizer que é mais fácil assegurar o acesso à internet na floresta amazônica do que por um médico para atender às populações ribeirinhas que lá residam.
É evidente que a proposta do senador pode e deve ser objeto de reflexão e de críticas. Em particular, diria que se for para fazer uma proposta de emenda constitucional, deve-se trabalhar com o direito à informação.
Esse princípio não está plenamente consolidado na Constituição Brasileira. O que se assegura é o acesso à informação. Tal proposição se encontra em dois artigos da Constituição Brasileira. Nos direitos e garantias fundamentais, artigo 5º, o inciso XIV define que ‘é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional’. Já o inciso XXXIII destaca que ‘todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou interesse coletivo ou geral (…)’. Além destes, outros dois incisos (XXXIV e LXXII) tratam de mecanismos para defesa de direitos e concessão de habeas data. Em todos eles se evidencia que o acesso à informação possui um caráter muito mais voltado para a defesa de direitos (contra acusações, perseguições políticas, por exemplo) que acesso a conhecimentos ou informações de forma mais ampla.
Contribuição aos direitos sociais
Já no artigo 220, ao tratar da comunicação social, está inscrito que ‘a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição’. A lei não se refere neste caso ao acesso, mas à produção e difusão de informação. Assim, nenhum dos dois artigos remete claramente à ideia do direito à informação.
Todavia, ao partir do pressuposto do direito à informação, abre-se espaço para discutir normas complementares sobre como viabilizar tal direito. O acesso à internet é um meio, e não um fim. No acesso à informação podem-se incluir diversas outras modalidades de políticas que vão desde uma política de criação e incremento de bibliotecas, ao acesso aos documentos e relatórios oficiais, à distribuição do conhecimento produzido nas instituições de pesquisas, assim como à transparência da administração pública.
Nesse sentido, pode-se afirmar que, se o senador Rollemberg pretende oferecer uma boa contribuição no campo dos direitos sociais e, em especial, assegurar a inclusão digital, deveria partir da perspectiva do acesso à informação. Contrariamente, trabalhar somente pela ótica do acesso à internet pode, de fato, soar como uma banalização dos direitos sociais.
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Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB), é professor da Faculdade de Ciências Sociais (FCS) da Universidade Federal de Goiás (UFG)