É incrível como alguns novos equipamentos eletrônicos têm a capacidade de mexer com a emoção das pessoas. Para quem comprou o iPad 1, que até ontem se chamava apenas iPad, hoje é um daqueles dias em que sentimos ter tirado uma carta do gênero Revés do Banco Imobiliário, ou seja, teremos de amargar um prejuízo. No caso, o prejuízo será ter de gastar mais dinheiro para comprar o iPad 2, que nos Estados Unidos chega hoje (11/03) às lojas, ou ter de se conformar em ficar com o ‘velho’, sem câmeras e com menor capacidade de processamento.
O ‘velho’ iPad é tão bom que não tenho coragem de trocá-lo por um desconto de US$ 100 na compra de um novo, como a Apple propõe. Prefiro dá-lo a algum familiar. Minha filha de 12 anos vai disputar o primeiro lugar da fila porque é quem mais ama o iPad lá em casa – depois de mim. Ela o usa principalmente para jogos e para redes sociais. Acabo de arrancá-lo de suas mãos para poder escrever esta coluna, já que viajei no Carnaval sem o meu computador.
O problema é que, se eu comprar um iPad 2, essa mesma garota vai querer tirá-lo das minhas mãos imediatamente, porque ela usa muito câmeras, tanto para criar imagens como para se comunicar com seus amigos olhos nos olhos pela internet. Imagine ela segurando um iPad com uma câmera frontal para ser vista e outra atrás para fotografar ou filmar? E tudo com internet… Se eu comprar um iPad 2 agora, além de morrer com o dinheiro, ficarei sem o brinquedo ou terei de disputá-lo com ela. Não sei o que é pior!
O segredo do iPad
Mas para quem não comprou e queria muito o iPad, o lançamento do iPad 2 é como ter tirado uma carta do gênero Sorte do Banco Imobiliário. Você foi premiado. Isso, é claro, se as filas nas lojas não forem muito longas ou se o aparelho chegar logo e a um preço que você considerar pagável. Na semana passada, presenciei em shoppings de São Paulo o calvário dos que querem comprar um iPhone 4 (o último tipo). O bichinho custa os olhos da cara e continua em falta! Ficaram todos loucos? Acho que não. Estão apenas se deixando levar pela emoção. Emoção boa!
O leitor pode estar achando esta conversa o cúmulo do consumismo e da babação de ovo com a Apple. Vou explicar por que não acho.
Primeiro, porque a Apple também falha – e muito. Pessoalmente, acabo de perder minha Time Capsule, o equipamento que fazia o duplo papel de roteador e backup lá em casa. Morreu da noite para o dia. Fora da garantia e sem conserto, ao menos no Brasil. O máximo que vou conseguir é um backup e uma nova cápsula com desconto.
Outra experiência recente ruim com a Apple foi quando comprei e instalei o Aperture para editar e gerenciar meus milhares de fotos. Meu MacBook Pro ficou tremendamente lento e acabei precisando levá-lo à assistência técnica. Por isso, estou sem ele agora e tive de comprar rapidamente na App Store este iPad 3G, um editor de texto para escrever a coluna tendo noção do número de caracteres que o jornal exige. Levei menos de cinco minutos para achar, comprar, baixar e sair usando o aplicativo. Chama-se Elements, custou US$ 4,99 e parece funcionar bem. Esse é o segredo do iPad. Basta não ter pudor de tocá-lo e você será capaz de fazer muitas coisas sozinho. Isso foi o que Steve Jobs quis dizer com ‘entrelaçar hardware, software e aplicativos’.
Tecnologia e artes livres
Não acho a Apple perfeita, mas acho que está mais do que na hora de reconhecer que, com o iPhone, ela forçou a indústria de celulares a dar um enorme salto de qualidade. Com o iPad ela fez o mesmo, desta vez ameaçando não apenas Kindle, netbooks e outros tablets, mas também notebooks e desktops. É esperar pra ver.
Quando Steve Jobs fala de uma era pós-PC, ele aponta para uma geração de equipamentos muito mais fáceis de usar. ‘Já disse isso antes, mas vale continuar repetindo: está no DNA da Apple que tecnologia sozinha não basta, que é o casamento da tecnologia com as artes livres, o casamento com as humanidades que leva ao resultado capaz de fazer o nosso coração cantar.’
Isso soa Califórnia demais para o seu gosto?
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Jornalista, cofundadora e consultora do UOL