‘O povo me ama!’ (Muamar Kadafi, num delírio megalomaníaco)
Folheio os jornais e constato que Muamar Kadafi vem sendo classificado, agora, de megalomaníaco e sanguinário, para ficar nos rótulos mais brandos. Mas quem conhece um tiquinho só da história das atrocidades cometidas por esse beduíno fanático que, há 42 anos, comanda com pulso de ferro a Líbia, sabe que ele nunca, jamais, em tempo algum, deixou de ser megalomaníaco e sanguinário, além de outras coisas mais, aterrorizantes por igual.
Tem mais, muito mais: durante os anos 90, as grandes potências, com a sempre prestimosa cumplicidade da mídia internacional, apontavam esse déspota como um inimigo da humanidade. Em consequência de seu escancarado apoio a facções terroristas de diferentes feições, a Líbia tornou-se alvo de pesadas sanções econômicas e políticas. Houve um momento até, no governo Ronald Reagan, em que a Força Aérea estadunidense bombardeou locais onde se presumia que o ditador líbio estivesse abrigado, em represália a atentados praticados sob suas ordens que fizeram centenas de vítimas inocentes.
De repente, as conturbadas relações do complicado e truculento país árabe com o resto do mundo passaram por espantosa metamorfose. Pacto celebrado na moita com os Estados Unidos e Inglaterra, em troca de algumas ‘concessões’ do tirano líbio, garantiu a sua ‘reabilitação’, com a retirada de seu nome e estampa da lista dos mais notórios malfeitores da civilização contemporânea e a ajuda, mais uma vez solícita, dos canais de comunicação. Comprometendo-se a por cobro nos programas de expansão de armas de alto poder destrutivo e concordando na entrega a tribunais internacionais de elementos envolvidos em atentados terroristas contra aviões de passageiros, Kadafi obteve de seus arquiinimigos um atestado de bons antecedentes autenticado e com firma reconhecida. Isto permitiu-lhe sair do isolamento a que esteve condenado, por algum tempo, no plano internacional. Livrou-se, também, de incômodas ‘cobranças externas’ insistentes, sobretudo dos meios de comunicação, a propósito das felonias habitualmente cometidas em sua jurisdição feudal. Passou de abominável terrorista a aliado importante no combate ao terrorismo. Recebeu a visita de personagens ilustres dos países com os quais se reconciliou. Foi recebido, por outro lado, nesses países, sem abrir mão de suas excêntricas posturas, com inimagináveis rapapés e mesuras nobiliárquicas.
Pontos de similitude
Em contrapartida, assegurou condições especiais para o ingresso na exploração de petróleo e gás em território líbio a empresas indicadas pelos zelosos fiadores de sua conversão aos padrões do bom mocismo. Aceitou, também, que em seu país se instalasse um dos centros clandestinos de detenção de pessoas supostamente vinculadas a movimentos terroristas. Uma versão árabe, digamos assim, de Guantánamo.
No preciso momento em que estas considerações estão sendo expendidas, o ditador líbio vê-se às voltas com uma insurreição popular. Até aqui, a mais prolongada e a mais feroz desse tsunami por mudanças, queira Deus democráticas, que estremece o mundo árabe. Volta a ser reconhecido pelos que ‘acreditavam’ sinceramente em sua ‘regeneração’, como mostram as manchetes, como o inimigo da humanidade que nunca, na verdade, por um instante sequer, deixou de ser.
Todo mundo almeja, obviamente, sua queda, para que o planeta fique livre de mais um ditador sanguinário. Os viventes de boa memória não conseguem se esquecer de que a história de Kadafi guarda muitos pontos de similitude com as histórias dos não menos sinistros Saddam Hussein e Osama bin Laden.
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Jornalista, Belo Horizonte, MG