De manhã cedo no dia 3, em Istambul, o jornalista e palestrante universitário Ahmet Sik despertou com o som da campainha. Quinze homens usando coletes à prova de bala e boinas de lã preta estava parados à porta de seu apartamento – agentes da unidade antiterror TEM da Turquia. ‘Você tem meia hora’, falou um deles para Sik. ‘Nada de telefonemas.’ Depois a unidade o escoltou para fora passando por um amontoado compacto de repórteres.
Outros nove jornalistas receberam visitas da unidade antiterror no mesmo dia. Um deles era Nedim Sener, jornalista do diário liberal Milliyet e um dos repórteres investigativos mais conhecidos do país. Um crítico do governo turco, havia semanas que Sener esperava ser preso. Sik e Sener são hoje as vítimas mais proeminentes na onda de prisões que começou há quatro semanas, quando a TEM apareceu nos escritórios de Istambul do portal de internet Oda-TV. Também ali eles prenderam funcionários e fecharam temporariamente o site. A mensagem enviada era que jornalistas muito afoitos em confrontar o premiê Recep Tayyip Erdogan e de seu Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), o partido conservador com raízes islâmicas atualmente no poder na Turquia, logo ficariam com a vida complicada.
Mal na fita
O que está havendo na Turquia, um país que se esforça para estabelecer um exemplo para o mundo árabe em termos de democracia e liberdade de imprensa? Por que o país colocou recentemente 68 jornalistas atrás das grades e por que as associações de imprensa da Turquia descrevem uma atmosfera que faz lembrar a era de caça às bruxas comunistas de Joseph McCarthy? De que crimes esses jornalistas estão sendo realmente acusados pelo governo? No caso de Sik e Sener, o procurador Zekeriya Öz comentou sobre o caso. As prisões de jornalistas, segundo Öz, não tiveram nada a ver com artigos que eles escreveram, mas com descobertas relacionadas ao chamado caso Ergenekon. Esse caso trata de um suposto grupo de conspiradores acusado de tramar um golpe contra o governo de Erdogan.
O grupo de suspeitos parece se ampliar inexoravelmente lançando sérias dúvidas sobre a legitimidade do caso Ergenekon. Muitos na Turquia se perguntam se o premiê não estaria usando indevidamente as investigações para intimidar seus opositores. No caso de Sik e Sener, essas suspeita parece provável. Sik e Sener se mostraram ambos adversários do governo do AKP, que eles acusam de atividades antidemocráticas.
Os críticos de Erdogan não são os únicos afetados. Jornalistas curdos em particular enfrentam problemas frequentes com o sistema judiciário turco e são ameaçados de altas penas de prisão se espalharem ‘propaganda’ sobre o banido Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK). Como Erdogan se posiciona no caso? ‘Nossa imprensa é mais livre que nos EUA’, afirmou o premiê em 2009. Apenas um ano depois, a Turquia, que é candidata a ingressar na União Europeia, caiu na lista de liberdade de imprensa publicada anualmente pela organização Repórteres sem Fronteiras – para o número 138 de 178 países.
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Do Der Spiegel