Para impedir a goteira, escravos faziam a telha suplementar, não na olaria, mas nas coxas. Saía um pouco torta, mas servia. Nascia ali a expressão ‘fazer nas coxas’ para designar malfeito. Quando dos primeiros tropeços do governo Lula, Chico Buarque disse que era preciso criar o ‘Ministério do Vai dar Merda’.
Barack Obama ainda almoçava com Dilma quando autorizou o bombardeio da Líbia. Logo começaram a aparecer as primeiras vítimas da guerra: a verdade e os civis que a coalizão militar diz defender. Se a Líbia não tivesse muito petróleo, ninguém iria lá defender nada.
A história não é nova e sempre se repete. Quando Bush apregoou a precisão dos mísseis Patriot, capazes de acertar o alvo (isto é, pessoas) numa calçada poupando outros ao redor, isto é, outras pessoas que não seriam alvos, um dos mesmos mísseis acertou a filha de Kadafi, matando-a, enquanto o ditador, incólume, está aí até hoje aprontando das suas.
Aliás, aos poucos vão afinando o nome de Kadafi, mas o nome dele ainda é legião? Gadafi, Ghadafi, Kadhafi etc. Em setembro de 2009, quando ele visitou os Estados Unidos e quis dormir numa tenda no Central Park, a Biblioteca do Congresso dos EUA fez uma lista dos 72 nomes possíveis dele, dada a dificuldade de traduzir o árabe para o inglês. O jornal The New York Times informou que outros 40 modos de grafar o nome haviam sido recolhidos na mídia entre 1998 e 2008. Assim, Muamar Kadafi tem 112 nomes.
Desconfiemos da tecnologia
Essa guerra, como todas as outras, é também de palavras. Os eufemismos reinam absolutos. Alvo é gente, mas acertar um alvo e alvejar uma pessoa soam de forma distinta. A morte está ausente das guerras. Somos informados de baixas. O ferido pode ser um homem que ficou sem os dois braços e sem as duas pernas, mas ele é um ferido e sob esse nome pode estar desde o soldado que sofreu apenas um arranhão até o outro que vai morrer dali a algumas horas.
Quando a mídia internacional mostrou uma cena em que eram embarcados cerca de cem mil sacos plásticos para recolher cadáveres, numa dessas últimas guerras do Golfo Persa (chamado Golfo Pérsico, em português, sem que saibamos por que, uma vez que o tapete persa é bom exemplo do adjetivo), as forças de coalizão rapidamente se mobilizaram para esconder o embarque.
No Japão, as habituais forças indomáveis da natureza ensejaram outro exemplo. Terremotos e tsunamis encontraram usinas atômicas frágeis, descumprindo normas de segurança. Agora todos dizem, o Brasil inclusive, que é preciso rever todas as usinas nucleares. Foi assim quando eclodiu no mundo o pavoroso acidente nuclear de Three Miles Island, na Pensilvânia, nos EUA, em 1979, e foi assim também quando, sete anos depois, em 1986, a então URSS demorou a avisar ao mundo que um pavoroso acidente nuclear tinha ocorrido em Chernobil, na Ucrânia.
Desconfiemos da tecnologia. Por mais avançada que seja, é operada por homens. E homens erram.
A mídia com a palavra
Foi assim também desde o começo com as mais avançadas tecnologias da época. Lembremos da clássica e primeira Lei de Murphy: ‘Se há um modo de um técnico fazer mal as coisas, ele as fará.’
A lei nasceu em 1949, quando Edward A. Murphy Jr, capitão da Força Aérea dos EUA, que trabalhava como engenheiro, inventou um aparelho de dezesseis sensores destinados a medir e registrar a aceleração que o corpo humano poderia suportar. O experimento foi feito em terra, num veículo conduzido pelo comandante John Paul Stapp, que já havia dirigido outro dispositivo, a 960 km por hora. A experiência deu errado e a culpa foi atribuída a algum erro de Murphy. Ele desmontou o mecanismo e descobriu que os técnicos haviam montado mal uma peça-chave. Presente aos eventos, George E. Nichols, gerente de projetos da fábrica de aviões Northrop, prestou atenção ao diagnóstico de Murphy e o divulgou como lei para o mundo inteiro.
E para encerrar os tropeços do homem diante da tecnologia, eis dois outros incidentes. No dia 16 de julho de 1938, o piloto norte-americano Douglas Corrigan pegou seu avião particular e decolou de Nova York para Los Angeles. A multidão que compareceu para despedir-se dele viu com assombro que ele, em vez de tomar o rumo do Oeste, embicava para a Europa. Vinte e oito horas depois pousava na Irlanda, igualando, sem querer, o feito de Lindbergh.
E no dia 3 de setembro de 1989, o comandante Paulo Garcez, da então Varig, perdeu-se na selva amazônica e fez pouso forçado, matando diversos passageiros. Tinha lido mal o plano de voo e inseriu dados errados no computador de bordo. Deu no que deu.
A humanidade está nas mãos dos técnicos. Devemos muito a eles, mas eles nos devem algumas explicações. A mídia está com a palavra para reportagens e pesquisa.
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Escritor, doutor em Letras pela Universidade de São Paulo, professor, pró-reitor de Cultura e Extensão da Universidade Estácio de Sá, do Rio de Janeiro e autor de A Placenta e o Caixão, Avante, Soldados: Para Trás e Contos Reunidos (Editora LeYa)