Foi quase ao acaso que Marina Goldovskaya, cineasta russa homenageada pelo festival ‘É Tudo Verdade’ deste ano, começou a filmar o dia a dia de Anna Politkovskaya, a jornalista mais conhecida da Rússia.
Rodando o documentário Um Gosto de Liberdade (1991), sobre as mudanças na União Soviética, Goldovskaya resolveu retratar três famílias que refletiam aquelas transformações.
Uma delas era a de Aleksandr Politkovsky, seu aluno e marido da então estudante de jornalismo Politkovskaya, assassinada em 2006. Assim, deu início a um arquivo de imagens que cobre quase 20 anos de sua vida pessoal.
O Gosto Amargo da Liberdade, que terá estreia mundial no festival brasileiro, traça um panorama da história da jovem Federação Russa. Leia a seguir trechos da entrevista da diretora à Folha.
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Como começou sua ligação com o ‘É Tudo Verdade’?
Marina Goldovskaya – Conheci Amir Labaki no festival de Amsterdã há cerca de 15 anos. Ele viu Casa da Rua Arbat e amou. No primeiro ano de existência do festival, fui ao evento e voltei mais outras duas ou três vezes.
Seus filmes continuam muito russos, apesar de você morar nos EUA há anos…
M.G. – Há 20 anos, fui lecionar na Universidade de San Diego e lá conheci meu marido. Acabei me tornando professora do da Universidade da Califórnia, mas continuei a ir à Rússia todo ano. Sinto que conheço a Rússia muito bem. Não apenas a conheço, sinto-a: é meu país.
Você já tinha feito um filme com Politkovskaya. Como é o novo longa?
M.G. – Ela era só uma estudante de jornalismo e dona de casa quando comecei a filmá-la, não estava trabalhando porque os filhos eram muito pequenos, mas era uma pessoa incrível. Não sentia isso, mas meu filme tornava-se cada vez mais sobre ela.
Ainda existe o sentimento de que ela era essa mulher de ferro, interessada apenas em guerras, viajando e lutando, mas conheci uma Politkovskaya completamente diferente. Era normal, carismática e muito afetuosa com seus amigos e filhos. Reportei esse lado dela mais que qualquer outra coisa.
Você acha que teve sorte de tê-la filmado tanto tempo, de ter escolhido seu marido e não outro estudante quando fez o primeiro filme sobre Politkovskaya?
M.G. – Fui muito sortuda, sim. Ninguém poderia adivinhar o que viria, mas, então, quando aconteceu, seus filhos me telefonaram perguntando se eu faria um novo filme sobre ela. Precisava de tempo para me restabelecer, porque estava devastada, e posterguei por alguns anos.
Você está feliz por não estar lá em tempos como estes?
M.G. – Não, ainda volto o tempo todo. É excitante passar por uma série de mudanças, e nem todo mundo vive um período tão interessante na vida. Claro que não é bom para jornalistas, mas tentamos fazer nosso trabalho.
Meu filme também é sobre o que nós vivemos e o quanto a coragem, a decisão e a decência são importantes para um jornalista.
Você se sentiu ameaçada ou teve medo enquanto fazia as filmagens para o novo longa?
M.G. – Não, nunca sinto medo quando estou em Moscou. Sou feliz de ainda poder ir à Rússia e espero poder continuar a fazê-lo por mais 30 anos, até estar completamente incapacitada.