Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Uma ‘nova tendência editorial’?

No dia 4 de fevereiro de 2011, Clay Shirky, pesquisador do ‘Berkman Center for Internet & Society (Centro Berkman para internet e sociedade) e colaborador frequente do jornal The Guardian, da Inglaterra, publicou no blog de comentários desse periódico um artigo que traz uma das mais consistentes definições do WikiLeaks: para o autor, este representa ‘uma nova tendência editorial’ que vem ‘alterar toda a paisagem midiática’ mundial.


Shirky cita dois exemplos: o já conhecido Openleaks e uma suposta rede Al-Jazira/The Guardian (esta última, inteiramente dedicada aos vazamentos sobre a causa Palestina). É pouco, para afirmarmos uma nova tendência presente na mídia. Principalmente porque a aliança Al-Jazira/The Guardian nunca aconteceu e o anúncio do New York Times de criar sua própria rede de denúncias online também até agora não passou de notícia.


Mas a realidade da mídia online parece confirmar a hipótese do autor: agora temos (além do Openleaks, ainda em fase de testes) o Greenleaks.org, o Greenleaks.com, (apesar do mesmo nome, são sites diferentes: o primeiro trata de ambientalismo e tem como membro Birgitta Jonsdottir, ex-membro do WikiLeaks; o segundo aborda o mesmo tema, mas tem como editor Scott Millwood, advogado australiano baseado em Berlim, que também é diretor e produtor de documentários para os canais de TV Animal Planet e National Geographic), o Frenchleaks e o Al-Jazzera Transparency Unit (Unidade de Transparência da Al-Jazira). E provavelmente outros que desconheço. Os três últimos já estão a receber denúncias supostamente anônimas.


Realidade ainda desafia hipótese


Segurança ainda parece ser o grande problema para tal tipo de atividade na web. O WikiLeaks não conseguiu os resultados que apresentou sem abrigar em seu interior os melhores especialistas da Europa (e quiçá do mundo…) em segurança, anonimidade e ‘blindagem’ de páginas na web… Com exceção dos sites dos dois dissidentes do WikiLeaks (o Greenleaks.org, de Birgitta Jonsdottir e o Openleaks, de Daniel Domscheit-Berg, que ainda não estão recebendo denúncias…), os outros parecem querer aventurar-se perigosamente na área dos vazamentos online sem o devido preparo. O site da Al-Jazira, por exemplo, avisa que a atividade é perigosa aos internautas. Toda a segurança fica a cargo de uma chave pública de PGP (um programa que criptografa qualquer mensagem ou arquivo que lhes tenha sido enviado) e da recomendação que os usuários usem programas que escondam seus IP´s (série numérica atribuída a todo computador online, como o Tor, uma ferramenta bastante conhecida hoje em dia por internautas, ativistas digitais, e pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos…) Já o site francês apoia-se apenas no protocolo HTTPS. O mesmo dos sites seguros de vendas online. O Greenleaks.com chega ao ponto de afirmar que não há substituto, em termos de garantia de anonimidade, para o correio regular convencional (demonstrando total desconfiança em seus próprios dispositivos de segurança e anonimidade). Muito risco, para quem quer que se atreva a enviar algo através desses recursos insuficientes de proteção.


E quanto à grande mídia? Poderá conciliar interesses de redes de vazamentos de segredos de Estado e de grandes multinacionais sem entrar em conflito com suas pautas, proprietários, posições editoriais consolidadas e seus vínculos comerciais? As rusgas intermináveis entre Assange e as redações do Guardian e do New York Times parecem desmentir a hipótese de Shirky sobre uma ‘nova tendência editorial’. A convergência entre o ciberativismo e a mídia tradicional é frágil e tensa demais para permitir uma cooperação equilibrada e constante ao longo do tempo. A abordagem de Shirky foi excelente, original e bastante apropriada. Mas, até o momento, enquanto esperamos que os dissidentes do WikiLeaks (Jonsdottir e Domsheit-Berg) apresentem suas plataformas, a realidade ainda desafia tal proposição.

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Mestre em Planejamento Urbano e Regional, consultor e tradutor