Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um tiro no foot

O Brasil envereda a cada dia por um caminho perigoso e de perda do controle moral. O fato mais novo é a Seleção Brasileira de futebol patrocinada por bebida alcoólica. E o pior: tendo o técnico e jogadores como garotos-propaganda. Podem até alegar que se trata de propaganda permitida por lei. Mas porque é permitido não tem de ser feito. O prejuízo para a nação poderá ser muito grande, muitas vezes maior que a renda auferida por este injustificável patrocínio. Gasta-se sempre mais para reparar os males provocados pelo alcoolismo, através de justiça, polícia, bombeiros, hospitais e muitos outros serviços públicos.

A princípio, o governo federal deveria assegurar outra postura da Seleção Brasileira, pois cabe ao Ministério do Esporte construir uma Política Nacional de Esporte, trabalhando ações de inclusão social e garantindo à população brasileira o acesso gratuito à prática esportiva, qualidade de vida e desenvolvimento humano. Já que somos considerados e alardeamos que somos o país do futebol, nada mais era de se esperar que não o melhor exemplo dado pelos atletas da CBF, a qual, apesar de se tratar de entidade de direito privado, deve enquadrar-se aos preceitos das políticas públicas brasileiras.

Expansão do consumo de drogas

Não dá para entender a Seleção Brasileira patrocinada por bebida alcoólica, enquanto o Ministério da Saúde tem, desde 2009, um Plano Emergencial de Ampliação de Acesso ao Tratamento e Prevenção em Álcool voltado para crianças, adolescentes e jovens em situação de grave vulnerabilidade social. Onde encontraremos situação de grave vulnerabilidade social maior que o bombardeio da mídia anunciando que a Seleção Brasileira é patrocinada por bebida alcoólica e vendo o técnico Dunga e os jogadores, a começar por Luiz Fabiano, empunhando aquela garrafa de bebida que tem o escudo da CBF no gargalo?

Desta forma, parece que de nada teria valido o Ministério da Saúde ter lançado em junho de 2009 o Plano Emergencial de Ampliação de Acesso ao Tratamento e Prevenção em Álcool e outras Drogas (Pead), voltado para os 100 maiores municípios brasileiros (com mais de 250 mil habitantes), todas as capitais e sete municípios de fronteira selecionados, totalizando 108 municípios. Essas cidades somam cerca de 78 milhões de habitantes, correspondendo a cerca de 41% da população nacional. O plano busca alcançar sua clientela por meio das ações de prevenção, promoção e tratamento dos riscos e danos associados ao consumo prejudicial de substâncias psicoativas.

A Portaria nº 1.190, de 4 de junho de 2009, que instituiu o citado plano emergencial, levava em consideração, entre inúmeros outros pontos, o ‘cenário epidemiológico recente, que mostra a expansão no Brasil do consumo de algumas substâncias, especialmente álcool, cocaína (pasta-base, crack, merla) e inalantes, que se associa ao contexto de vulnerabilidade de crianças, adolescentes e jovens; e ‘a necessidade de intensificar, ampliar e diversificar as ações orientadas para prevenção, promoção da saúde, tratamento e redução dos riscos e danos associados ao consumo prejudicial de substâncias psicoativas’.

Situação embaraçosa

Ao instituir o Plano Emergencial de Ampliação do Acesso ao Tratamento e Prevenção em Álcool e outras Drogas no Sistema Único de Saúde – SUS (PEAD 2009 -2010), foi citada, entre as finalidades, ‘construir respostas intersetoriais efetivas, sensíveis ao ambiente cultural, aos direitos humanos e às peculiaridades da clínica do álcool e outras drogas, e capazes de enfrentar, de modo sustentável, a situação de vulnerabilidade e exclusão social dos usuários’. Mas o estímulo que a nossa Seleção de Futebol leva aos brasileiros pelo uso de bebida alcoólica é capaz de pôr por terra todo esse trabalho e, pior ainda, agravar esse quadro que já é preocupante.

Para deixar a situação mais embaraçosa ainda, na semana passada foi publicado o Decreto nº 7.179, de 20 de maio de 2010, que ‘Institui o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas, cria o seu Comitê Gestor, e dá outras providências’, tendo como fundamento ‘a integração e a articulação permanente entre as políticas e ações de saúde, assistência social, segurança pública, educação, desporto, cultura, direitos humanos, juventude, entre outras, em consonância com os pressupostos, diretrizes e objetivos da Política Nacional sobre Drogas’. No mesmo dia assistíamos à notícia da edição do Decreto e à propaganda de bebida alcoólica feita pelos membros da Seleção Canarinho. Podemos dizer que se trata do que se costumou chamar de ‘tiro no pé’. No caso, em vista da origem do esporte em questão, ‘um tiro no foot‘.

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Jornalista, Natal, RN