Está em curso uma briga de foice. Os protagonistas são um tradicional conglomerado de mídia brasileiro e um emergente e voraz grupo de mídia português. De um lado as Organizações Globo, controladoras um império multimídia com presença acachapante em todo o território nacional e muitas operações no exterior; do outro, a Ongoing Strategy Investiments, empresa lusitana que marca presença no país desde outubro do ano passado, quando lançou o diário Brasil Econômico, e demonstrou a que veio em fim de março deste ano, ao comprar os três jornais do grupo carioca O Dia – levando de quebra a licença para operar uma TV por assinatura. Na ocasião, a Ongoing manifestou interesse em também lançar um jornal diário em Brasília.
Novo movimento dessa contenda deu-se na primeira quinzena de maio, quando a Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) protocolaram uma representação junto à Procuradoria Geral da República pedindo investigação sobre a atuação de empresas estrangeiras no mercado jornalístico brasileiro. Sobrou para a Ongoing, além do negócio jornalístico do portal Terra, vinculado ao grupo espanhol Telefonica.
O argumento das entidades empresariais brasileiras é a observância do artigo 222 da Constituição Federal, que prevê um limite de 30% no controle de grupos estrangeiros sobre empresas jornalísticas nacionais. No caso do jornal Brasil Econômico e da compra de O Dia, a operação pertence formalmente a Maria Alexandra Mascarenhas Vasconcelos, esposa brasileira do controlador da Ongoing, Nuno Vasconcelos.
Na sequência desse embate, na terça-feira (1/6) o jornal O Globo repercutiu – quem diria! – matéria publicada em um blog não vinculado ao portal G1, que pertence ao seu grupo. O jornalista Fernão Lara Mesquita, da família proprietária (embora alijada do controle da gestão) do jornal O Estado de S.Paulo, começou a publicar na segunda-feira (31/5), no seu blog Vespeiro.com, uma série sob o título ‘O jogo do poder mundial’.
O que fez O Globo? Em matéria ‘da casa’, sem assinatura, em página ímpar e com título em seis colunas (‘Jornalista desvenda interesses de grupo português na mídia’, pág. 25), o jornal apressou-se a fazer eco à investigação produzida por Fernão Mesquita sobre a marcha batida da Oingoing, em particular, e, em geral, das empresas de telecomunicações sobre o negócio jornalístico, em especial a portuguesa PT Telecom – da qual a Ongoing é sócia minoritária. A PT Telecom tem participação no portal UOL, do grupo que edita a Folha de S.Paulo.
Para acompanhar
Enquanto isso, do outro lado do Atlântico a Telefonica de España mantém o assédio sobre a PT Telecom para comprar a parte da companhia portuguesa na operadora Vivo, e assim consolidar sua hegemonia nas telecomunicações na área de São Paulo, o naco mais lucrativo do mercado brasileiro. As investidas da Telefonica obrigaram o conselho de administração da PT Telecom a convocar uma assembléia geral de acionistas depois que o gigante espanhol aumentou a oferta de compra dos 50% da empresa portuguesa na Brasilcel (holding que controla a Vivo) de 5,7 bilhões de euros para 6,5 bilhões de euros.
A notar, ainda, que esse assunto esteve na pauta dos dois últimos encontros do presidente Lula e o primeiro-ministro português José Sócrates, ocorridos em maio. A imprensa portuguesa apontou que nessas reuniões teria surgido a idéia de que a Oi (operadora resultado da fusão da Brasil Telecom e a Telemar) e a PT Telecom prospectassem juntas novos negócios nos mercados africano lusófono e latino-americano.
A Ongoing acompanha de perto as tratativas entre Telefonica e PT Telecom. A fusão das operadoras brasileiras Telemar e Brasil Telecom foi estimulada e facilitada pelo governo federal, cujo olhar sobre a África vem sendo exercitado há tempos por uma política externa cada vez mais presente no continente. O início das operações da TV Brasil Internacional nos países africanos de língua portuguesa é apenas o corolário dessa intenção estratégica.
De todas as formas, o enredo das relações entre Brasil e Portugal – na diplomacia e nos negócios – parece ainda reservar fortes emoções. A ver os próximos lances.
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Telefonar ou llamar, o que interessa é a Vivo
Nuno Alexandre Silva
Reproduzido do Expresso, 27/5/2010; incluído às 16h09 de 2/6
Tem Pelé como rosto de publicidade, opera a maior rede de telefones móveis do Brasil e no último ano os lucros cresceram 120%. É esta a empresa que os espanhóis da Telefónica querem, mas que a Portugal Telecom não vende, pelo menos pelo valor actual da oferta a rondar os 5,7 mil milhões de euros. Portugal Telecom e Telefónica detêm 59,4% do capital da companhia brasileira em partes iguais, através da Brasilcel, mas agora a Telefónica veio admitir a possibilidade de lançar uma oferta pública de aquisição (OPA) à empresa portuguesa.
A companhia no epicentro da ‘batalha ibérica’, a Vivo Participações, que junta diversas empresas de telefonia móvel, como a Telemig Celular, a Telesp Celular e Tele Centro Oeste, tem tido um desempenho bolsista invejável para muitas empresas do sector nos países desenvolvidos. As acções cotadas em São Paulo subiram quase 22% por ano (em euros) nos últimos cinco anos e em Nova Iorque, mercado ao alcance dos investidores nacionais e onde está também cotada, subiram mais de 8% (em euros), quando o mercado de acções mundiais crescia cerca de 3% por ano. Ainda assim, no Brasil, a Vivo cresceu menos em bolsa do que muitos dos seus parceiros de mercado, uma vez que o índice brasileiro Bovespa, que junta 66 membros, subiu praticamente 27% por ano durante este período enquanto as acções ordinárias da companhia de telefonia móvel cresceram 21,9%.
Bancos indicam potencial de subida
Com espanhóis e portugueses frente-a-frente num potencial confronto em OPA hostil, para os investidores particulares fará sentido comprar um pedaço do capital da empresa que, só nos primeiros três meses de 2010, já viu os lucros crescerem 44%?
Para o JPMorgan, ‘apesar da rejeição da PT, as notícias devem ser positivas para a Vivo (dado o alto prémio oferecido)’ e os analistas acreditam que a empresa está ‘atractiva’ devido aos seus fortes cash flows da brasileira, lê-se numa nota de 11 de Maio do banco. O JPMorgan recomenda a compra de acções da brasileira cotadas em Nova Iorque, atribuindo um preço-alvo de 36 dólares (29,48 euros), quando as acções não valiam ontem mais de 26,34 dólares (21,535 euros), o que poderia representar um potencial ganho de 37% para os investidores.
É este também o sentido da recomendação do Citigroup aos investidores: comprar. No The Globalizer mais recente, o banco indica que ‘uma nova oferta iria impulsionar as acções da Vivo assim que os investidores procurem colar-se ao prémio, mesmo que a PT rejeite’. Se a Portugal Telecom rejeitar uma nova oferta ‘o prémio das acções ordinárias sobre o das acções preferenciais deve ficar perto dos 30%’, indicam os analistas do ‘Citi’ que apontam para um preço potencial de 78 reais (34,15 euros) em São Paulo, numa altura em que os títulos rondam os 69,01 (30,46 euros), atingindo o valor mais alto das últimas 52 semanas.
A Vivo Participações controlava 30,12% do mercado de telecomunicações móveis brasileiras nos primeiros três meses do ano, segundo a nota de resultados da companhia, com 53,9 milhões de clientes e, nos últimos cinco anos, as receitas mais do que duplicaram, aliciando hoje os accionistas das acções ordinárias com uma taxa de dividendos na ordem dos 3,03%.
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Nova oferta foi pensada nas necessidades da PT, dizem analistas
Helton Posseti # reproduzido do Teletime, 2/6/2010; incluído às 9h30 de 3/6
A nova proposta da Telefónica pela participação da PT na Vivo foi bem recebida pelo mercado. Analistas brasileiros acreditam que os espanhóis, ao apresentarem a possibilidade que a PT saia da Vivo aos poucos, chamada de alternativa B, conseguiram atender os interesses de ambas as companhias.
Ao adquirir um terço da participação da PT na Brasilcel (veículo através dos qual ambas as empresas dividem o controle da Vivo), a Telefónica já consegue o controle integral da companhia brasileira e poderá, desde já, dar início ao processo de integração entre Vivo e Telesp. Para os portugueses, que já mostraram que não querem sair do Brasil, a venda em fases, permite que eles ganhem tempo para negociar algum outro investimento no País. Além disto, caso a PT opte pela venda integral e imediata da sua participação, com 6,5 bilhões em caixa sua capacidade de negociação fica prejudicada.
A Telefónica coloca uma cláusula, entretanto, que a protege de capitalizar um concorrente. Caso a PT adquira neste meio tempo uma participação igual ou superior a 10% em qualquer companhia que concorra direta ou indiretamente com a Vivo, a PT fica obrigada a se desfazer imediatamente do restante da participação. A alternativa B também garante a PT dividendos anuais mínimos de 5% do valor ofertado por um terço da participação da PT, que daria algo em torno de 250 milhões de euros por ano.
Oi
Importante ressaltar que dentro da alternativa B, cotada pelos analistas como a mais razoável para a PT, fica a cargo dos portugueses venderem a participação restante ou não. É pouco provável, entretanto, que eles optem por ficar na Vivo – ou na sociedade resultante da fusão entre Vivo e Telesp – na condição de acionistas minoritários. A visita do primeiro ministro português ao Brasil é um forte indicativo de que há uma negociação para que a PT compre uma participação na Oi. Fontes de Brasília informam também que executivos da PT já demostraram esse interesse dentro da Anatel.
Bolsa
O desempenho das ações da Telemar no pregão desta quarta-feira, 2, refletiram essa possibilidade. O papel ordinário da Telemar fechou o pregão entre as maiores altas da Bolsa ao subir 8,76%. A ação preferencial teve alta de 2,73%.
Telefónica
É muito provável que a entrada da PT no capital da Oi venha a ser encarada com simpatia pela própria Telefónica. Em recente conversa informal de uma fonte da empresa no Brasil com TELETIME, a multinacional espanhola manifestou preocupação com a grave situação financeira da Oi e sua dificuldade de fazer investimentos nas regiões menos desenvolvidas do País, que estão em sua área de cobertura. Essa incapacidade de investimento, segundo essa fonte, dificulta enormemente qualquer projeto de universalização da banda larga.
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Telefónica também quer comprar Dedic
Caso a oferta de compra da participação da PT na Vivo pela Telefônica seja aceita, os espanhóis querem também levar a Dedic – companhia de contac center que pertence aos portugueses.
A Telefónica propõe que após a conclusão do processo de aquisição da Vivo, a PT forneça informações que permitam à Telefônica dar início a um processo de due diligence na Dedic. Depois do processo de due diligence, que de acordo com a proposta teria duração de 30 dias úteis, as partes tentariam um acordo em torno do preço pelas ações da Dedic. Se, em 15 dias Telefónica e PT não alcançarem acordo sobre o preço, as partes concordam em iniciar um processo de evaluation independente em que cada parte escolhe um banco de uma lista de três apresentada pela outra parte.
Caso o valor encontrado pelos dois bancos apresentar uma diferença superior a 5 pontos percentuais, uma terceira instituição financeira deverá ser escolhida pelas partes, e, se não houver acordo sobre essa terceira instituição, o banco será escolhido pela Câmara Internacional de Comércio de Paris. As partes dividirão a diferença em partes iguais, caso ela seja inferior a cinco pontos percentuais.
A proposta, com tal nível detalhes, na visão de um analista, sugere que Telefónica e Portugal Telecom discutiram-na conjuntamente. (Helton Posseti)
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