Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Comunicação para o mercado ou para a cidadania?

Vários cursos de graduação e de pós-graduação em Comunicação Social, no Brasil e no exterior, enfatizam sua vocação de ensino voltado para o mercado. Partem da idéia de que a comunicação está e deve estar voltada para o mercado, e que não há como não ser assim. Quero questionar esse lugar-comum que enxerga as comunicações sob a ótica estreita do mercado, e dissentir de um consenso inserido na lógica da comunicação como grande negócio nas esferas local, regional e global do planeta.

A emergência da sociedade da informação, comunicação e conhecimento traz à tona processos reais que põem um debate importantíssimo: comunicação para o mercado ou para a cidadania? Comunicação como direito de fato para poucos ou direitos à comunicação para todos, entendidos enquanto direitos humanos, em benefício do interesse público, do bem comum e do desenvolvimento da cidadania? O debate requer o resgate de algumas considerações importantes.

Cidadania e direitos humanos

Em uma obra clássica, Marshall distingue três componentes básicos da cidadania: o civil, o político e o social. A formação histórica dos direitos correspondentes a cada um desses três elementos remonta, em termos esquemáticos e flexíveis, respectivamente, aos séculos 18, 19 e 20. Que novos direitos o século 21 deve, no sentido axiológico e probabilístico dos verbos, ensejar e inventar?

Ao abordar os direitos do homem com base em uma perspectiva de filosofia da história, Bobbio indaga-se sobre o sentido da história. Sem aderir sem ressalvas a uma visão teleológica da história, ou mesmo à idéia de progresso, o pensador italiano reflete sobre até que ponto é possível olhar a história sem atribuir a ela um sentido.

Particularmente no que se refere aos direitos do homem, Bobbio, inspirado em Kant, considera que eles expressam um sinal premonitório da evolução moral da humanidade, a despeito das ambigüidades, contradições e multiplicidade de sentidos da história. Na história dos direitos do homem, observa-se um progresso que vai do direito positivo à generalização e internacionalização. Observa-se também, nesse processo, ainda segundo Bobbio, o primado do direito sobre o dever e uma tendência à especialização dos direitos, esta particularmente clara após a Segunda Guerra Mundial.

Se atentarmos para as declarações e convenções internacionais no âmbito das Nações Unidas, veremos, entre outros documentos aprovados, além da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), a Declaração dos Direitos da Criança (1959), a Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966), a Declaração sobre a Eliminação da Discriminação Contra a Mulher (1967), a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1969), a Declaração de Direitos do Deficiente Mental (1971), a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento (1986), que abrange aspectos econômicos, sociais, culturais e políticos, a Declaração de Princípios Fundamentais e Direitos ao Trabalho da OIT (1998), a Minuta de Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas (1994) e a Declaração Universal da Unesco sobre a Diversidade Cultural (2002). Ou seja, constata-se o movimento distinguido por Bobbio.

Outro elemento fundamental de se resgatar quando se fala em cidadania e direitos humanos é a questão clássica da igualdade, que está presente na Declaração de 1948. Homens e mulheres, além de livres, são iguais em dignidade e direitos, iguais no exercício da liberdade, iguais enquanto cidadãos, iguais enquanto dignos de acesso a condições e oportunidades para integrarem-se plenamente na vida social e, assim, titulares da participação integral na sua comunidade.

Igualdade, liberdade, cidadania e participação são conceitos intimamente vinculados entre si e ao processo histórico de invenção dos direitos fundamentais. Hoje se coloca a questão da igualdade social de condições e oportunidades no que diz respeito ao acesso e à produção de informação, conhecimento e comunicação, que se insira no processo evolutivo da cidadania ocorrente há séculos, a despeito de avanços, recuos e contradições.

A comunicação é também um direito humano, que, no entanto, carece de ampliação à luz da atual revolução tecnológica que faz emergir a sociedade da informação. A Declaração de 1948 estabelece o seguinte princípio: ‘Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras’. Esse conteúdo nuclear do direito humano à comunicação assenta-se no ideário liberal, particularmente em suas implicações nos direitos civis e políticos.

Quarto Poder

A concepção liberal da liberdade de expressão pressupõe a imprensa nas mãos da livre iniciativa, no campo privado, no mercado, terreno onde ela pode garantir sua independência em relação ao Estado e ser um canal de expressão pluralista da sociedade civil. No entanto, o desenvolvimento econômico das indústrias de mídia desde a época do capitalismo liberal, mas principalmente no século 20, e sobretudo no atual processo de globalização, operou uma forte concentração da propriedade dos meios de comunicação de massa, que os transformou em poderosos conglomerados.

Como pensar em liberdade de pensamento, de discussão, de expressão e de opinião quando a concentração verificada nos vários tipos de mídia reduz extremamente a capacidade da estrutura de comunicação social veicular a diversidade de idéias presentes na sociedade? A concentração da propriedade midiática, e não a pluralidade de proprietários e sua correspondente diversidade de opiniões, induz a um pensamento único – razão do capitalismo selvagem ultraliberal, que opera uma simbiose entre Estado e conglomerados financeiros, industriais e das comunicações e decreta o primado do mercado sobre a cidadania.

Assim, a liberdade de imprensa subsome-se à liberdade de empresa e a mídia opera como um poder ideológico fundamental da globalização neoliberal excludente, ao mesmo tempo que é um poder econômico e político. Não é novidade dizer que os conglomerados das comunicações lidam com a informação como mercadoria, concebem a mídia como um meganegócio e atuam de tal modo que o público acaba sendo muito mais estimulado a tornar-se uma coletividade de consumidores e espectadores passivos (ou apenas calculadamente ativos e incluídos naquilo que os faz sujeitarem-se ao universo do espetáculo midiático) do que propriamente de cidadãos.

Isso não quer dizer que os receptores sejam meras presas dos emissores; significa destacar o sentido poderoso e hegemônico da ação dos últimos. O controle da estrutura de comunicação social pelos conglomerados faz com que a liberdade de imprensa em geral torne-se, sobretudo, liberdade de imprensa do grande capital, e não um direito universal realmente usufruído pela massa, que é desprovida dos meios de produção e difusão da informação e da comunicação. Desse modo, o direito humano à comunicação não é respeitado, o que limita o desenvolvimento da cidadania.

Como pensar em desenvolvimento da cidadania se o padrão de mídia existente não garante a informação, a comunicação e o acesso aos meios necessários para que as massas conheçam seus direitos, participem da vida social em igualdade de condições e criem novos direitos? Como pensar em desenvolvimento da cidadania se a concentração da propriedade da mídia e suas relações promíscuas com o Estado comprometem a função de cão de guarda que os meios de massa deveriam exercer em relação aos direitos civis, políticos e sociais do público diante dos três poderes?

A ciência política ensina que a mídia faz parte do sistema político, seja nos regimes democráticos ou autocráticos. Interessa-me aqui mencionar a relação entre comunicação e democracia. Os cidadãos formam opinião através da informação, destacando-se a que é propiciada pelos meios de massa. A mídia cumpre, em tese, uma função fundamental para a democracia, por produzir e difundir a informação e ser agente fundamental de formação da opinião pública, da participação ou da apatia política. A qualidade da democracia depende, entre outros fatores, da qualidade da informação e das características da estrutura de comunicação social.

A concepção política liberal da mídia remonta ao início do século 19 e concebe os meios de comunicação como Quarto Poder. Inicialmente a idéia de Quarto Poder tinha um conteúdo liberal e, logo a seguir, liberal-democrático. Ele era um contrapeso aos outros três poderes e espaço de debate e meio de expressão das diversas opiniões dos cidadãos. O Quarto Poder se apóia na liberdade de expressão, vista como condição para que uma opinião pública se constitua e se manifeste contra eventuais abusos do Estado. Porém, a concentração da propriedade dos meios de comunicação coloca em crise teórica e prática o Quarto Poder, pois ele deixa de representar uma pluralidade de proprietários e uma diversidade de idéias para ser um coro composto pelas oligarquias da mídia e seus aliados no Estado e no mercado. Esse coro, obviamente, é articulado no processo das relações sociais (econômicas, políticas e ideológicas) entre as partes envolvidas.

E quem controla os meios de comunicação de massa, que atuam na esfera pública em nome de poderosos interesses privados? As instituições políticas encarregadas desse controle ainda são insuficientemente desenvolvidas em várias democracias e freqüentemente são capturadas ou freadas pelas forças ligadas aos interesses dos conglomerados da mídia. Ademais, o princípio democrático da soberania popular articula-se à idéia de ampliação do poder ascendente, ao passo que a estrutura oligopólica do sistema de comunicação social constitui um poder descendente. Urge, então, avançar na discussão sobre a constituição de um sistema público de comunicação, não necessariamente estatal, mas público em três sentidos correlacionados: de ser voltado para o bem público, controlado pelo público e facultado ao público.

Não é meu objetivo entrar no campo dos exemplos. Porém, para uma breve referência empírica, pode-se citar o caso da mídia patriótica norte-americana, que aderiu à Doutrina Bush e seu hard power rumo à conquista da Eurásia, difundindo, entre outras, a informação inverídica de que Saddam Hussein possuía armas de destruição em massa – estabelecendo, assim, com o governo uma relação incestuosa, proibitiva, porque viola tabus liberais como a independência do jornalismo em relação ao Estado, chegando a comprometer a própria Primeira Emenda à Constituição dos EUA.

Note-se também a mesma promiscuidade entre mídia e governo na Itália de Silvio Berlusconi, magnata das comunicações. Ou o comportamento da mídia espanhola por ocasião dos atentados de Madri, em março 2004, que entrou na retórica político-eleitoral de José Maria Aznar ao atribuir a autoria das explosões ao ETA, enquanto a população informava-se por outros canais e colocava em prática um sensacional processo de comunicação interpessoal via telefones celulares e internet. Desmontou-se a farsa e elegeu-se José Luis Zapatero, que, devido a esses acontecimentos, em menos de uma semana saiu da condição de desfavorecido nas pesquisas de intenção de voto e alcançou a vitória nas urnas. Ou, note-se ainda, o fracassado golpe de Estado contra Hugo Chavez, em 2002, na Venezuela, que foi chamado de golpe midiático devido ao papel central desempenhado no episódio por um grupo praticamente monopolista das comunicações naquele país.

Não falarei do Brasil para não ficarmos ainda mais espantados e pessimistas. Aliás, sejamos otimistas: por que não apostar, de modo ativo, na possibilidade de o governo Luiz Inácio Lula da Silva encaminhar, em conjunto com a sociedade civil organizada, uma Lei Geral da Comunicação Eletrônica de Massa (cujas discussões já estão em curso) que avance no sentido de um sistema público de comunicação?

Sociedade civil global e os novos direitos à comunicação

Esse quadro espantoso precisa mudar e, de certa forma, já está mudando, havendo também espaço para o otimismo. Em contradição com o desrespeito ao direito humano à comunicação, amadurecem as condições para a afirmação de uma bandeira nova, a dos direitos a uma comunicação republicana (voltada à coisa pública), democrática e cidadã – direitos mais amplos que o formulado nuclearmente na Declaração de 1948.

Os direitos evoluem e devem evoluir na história. Os novos direitos à comunicação devem ser, em termos dos destinatários, individuais, coletivos e difusos; e, no conteúdo, políticos, culturais, sociais e econômicos. (Desnecessário dizer que as comunicações têm implicações em todas essas esferas da estrutura social.)

Essa bandeira do século 21 está sendo erguida, mais conscientemente para alguns e menos para outros, no processo de empoderamento das articulações contra-hegemônicas da sociedade civil global, desencadeado por movimentos sociais, ONGs, organizações e ativistas (estudantes, professores, pesquisadores, jornalistas e hackers, por exemplo), e que conta também com bases sociopolíticas estabelecidas em governos de alguns países e agências como a Unesco.

Em resumo: forças que lutam, de modo simultaneamente desigual e combinado, pela democratização das comunicações, por uma mídia voltada para o bem comum, e não para o bem privado da plutocracia midiática, pelo fim do monopólio na mídia, por uma outra regulamentação dos meios de comunicação de massa, por mídias alternativas, pelas rádios e televisões comunitárias, pelo direito de antena, por uma mídia de qualidade para todos os públicos (crianças, adolescentes e adultos), por ética na televisão, pela educomunicação, pela inclusão do ensino de mídia nas escolas, pela superação dos males da propaganda, sobretudo na radiodifusão e internet, pela diversidade cultural e regional nos meios de comunicação, pelo fortalecimento da produção audiovisual nacional em diversos países, pela inclusão digital, pelo software livre e conhecimento livre, pelo copyleft ao invés do copyright, pelo direito à privacidade na internet, por políticas públicas que universalizem o acesso às Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) para que elas promovam a inclusão social e reduzam as desigualdades, por uma outra governança na rede mundial de computadores, pelo fim do Estado Big Brother potencializado pela revolução digital, pelo fim da nova censura de origem estatal ou da autocensura da mídia, pela defesa da liberdade de imprensa, pela ética no jornalismo, pela fiscalização, vigilância, crítica e denúncia do Quarto Poder, pelo Quinto Poder etc.

Em andamento, em gestação

Não se está fazendo aqui exercício de futurismo idealista. Em todo o caso, a construção do futuro requer ideais, como a história comprova há séculos. Os novos direitos à comunicação são uma obra a ser conquistada. Entretanto, essa idéia já havia surgido nos anos 1970, no contexto da Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação (Nomic), discutida no âmbito da Unesco, mas foi abortada devido à emergência do neoliberalismo e de governos da nova direita conservadora nos EUA e Reino Unido. Porém, a idéia re-emergiu, agora através de algumas das supracitadas novas forças da sociedade civil global.

A presença dessa idéia e dessas forças está registrada, entre outros, em dois processos internacionais importantes – como o Fórum Social Mundial, que ocorre anualmente desde 2001 e possui como norte a visão de que ‘um outro mundo é possível’, que se desdobra, para os atores sociais ligados às comunicações que dele participam, no lema ‘uma outra comunicação é possível’; e a Cúpula Mundial da Sociedade da Informação (CMSI), iniciativa das Nações Unidas, cuja primeira fase ocorreu em Genebra, em 2003, e a segunda fase ocorrerá em Tunis, no final desse ano.

Em 1996, um grupo de ONGs de vários países criou, em Londres, um movimento intitulado Plataforma pelos Direitos à Comunicação. Diante do agendamento, pela ONU, das duas fases da CMSI, a Plataforma iniciou, em 2001, a campanha CRIS (sigla em inglês de Direitos à Comunicação na Sociedade da Informação). Essa campanha, por sua vez, organizou, por um dia, em Genebra, e deverá novamente organizar, por mais um dia, em Tunis, em dezembro deste ano, o Fórum Mundial dos Direitos à Comunicação (FMDC), que reúne organizações da sociedade civil e mesmo governos de alguns países.

A campanha CRIS (que em 2004 se organizou também no Brasil) discorda de certas tendências fortes no interior da CMSI no sentido de estabelecer uma agenda que, em vez de abranger questões mais amplas ligadas à sociedade da informação, preocupa-se principalmente com telecomunicações e internet, mas com uma visão técnica e limitada em termos do problema do desenvolvimento, além de deixar de lado a discussão dos direitos à comunicação.

O FMDC, pelas mãos do professor Cess Hamelink, da Universidade de Amsterdã, redigiu um Enunciado dos Direitos à Comunicação, que destaca quatro princípios-chaves: liberdade, inclusão, diversidade e participação. A Declaração de Princípios da CMSI, aprovada na fase genebrina desse evento, é outro documento importante a ser considerado nesse processo de luta por uma sociedade da informação que eleve o homem enquanto gênero, em termos morais e materiais.

O conjunto das forças engajadas na luta por uma nova comunicação deve unir-se na luta pelos novos direitos à comunicação, pois eles se ligam a questões da mais alta relevância para a humanidade – como o desenvolvimento sustentável, a superação das desigualdades, a inclusão da cidadania nas várias esferas da atividade social, a democracia, uma outra governança global e a paz.

A convergência tecnológica entre telecomunicações, comunicação de massa e internet fornece as bases históricas para a convergência dos movimentos democráticos por uma outra comunicação, numa estrutura organizativa que vá se unificando e se fortalecendo em torno de bandeiras e lutas comuns.

No processo do V Fórum Social Mundial, que se realizou entre 26 e 31 de janeiro deste ano, cabe enfatizar também a ocorrência do I Fórum Mundial da Informação e da Comunicação (FMIC), promovido pela AMARC, IPS, Ibase, Media Watch Global, Oxfam/Novib e o jornal Le Monde Diplomatique. O FMIC aconteceu e, 25/1 e aprovou algumas propostas de ação importantes.

São muitas as propostas, diretrizes e iniciativas em andamento ou gestação, no interior desse processo contra-hegemônico global, plural, desigual e combinado para viabilizar os direitos humanos à comunicação. Para mencionar apenas algumas, destaco:

** a idéia de estímulo à comunicação comunitária e alternativa em geral, por meio de fundos públicos provenientes da taxação da publicidade veiculada na mídia;

** formação de uma rede das redes de jornalistas, de uma rede de veículos alternativos e de uma escola virtual de jornalismo, que forme profissionais na perspectiva de uma comunicação voltada para o bem comum e a cidadania, e não para o comércio;

** o fortalecimento da campanha CRIS;

** multiplicação de observatórios de mídia em vários cantos de cada país e em vários países, conforme propõe o movimento Media Watch Global, que já deu seu primeiro passo de implantação no Brasil;

** educação para a mídia, sobretudo para a televisão;

** desconcentração da propriedade na radiodifusão;

** legislações que promovam o pluralismo informativo e o controle social do sistema de comunicação;

** apropriação social das TICs, que se desdobra em iniciativas públicas de disseminação de telecentros, educação digital nas escolas e comunidades em geral;

** o governo eletrônico enquanto um mecanismo auxiliar para a prestação de informações e serviços, para o controle do Estado pela sociedade e para o incremento da accountability;

Outra iniciativa é a disputa, no interior da Organização Mundial de Comércio e da Organização Mundial de Proteção da Propriedade Intelectual (agência da ONU), sobre a questão das patentes, propriedade intelectual, direito autoral e direito industrial, debate que se liga a importantes aspectos das comunicações, envolvendo desde a radiodifusão até o software.

Nova comunicação e nova sociedade

Deve ter ficado claro que tomo como pressuposto a importância das comunicações na totalidade da estrutura social. Alguns estudiosos da interface entre comunicação e política no Brasil queixam-se de que a ciência política daria pouca importância às comunicações. Talvez isso seja parcialmente correto para as ciências sociais no nosso país. As pesquisas sobre a referida interface são relativamente recentes aqui.

Na verdade, será que há alguma área nas ciências humanas e filosofia que não tenha se preocupado com a comunicação? Cito apenas algumas dimensões do gênero humano, presentes no pensamento ocidental, que se relacionam com a comunicação.

Noções como zoon politikon (Aristóteles), animal simbólico (Cassirer), homo sapiens (Lineu), homo faber, a noção liberal de homo oeconomicus, o homo ludens, enfim, todas elas, é sabido, relacionam-se muito com a comunicação enquanto dimensão essencial das sociedades humanas. Sartori, com os conceitos de homo videns e videopolítica, também dá a sua contribuição de cientista político à importância das comunicações no mundo atual.

As noções freudianas de id, ego e superego também têm íntima relação com os meios de massa, como discutem vários psicanalistas que abordam as relações entre comunicação e imaginário, inconsciente, identidade, instintos, sexualidade, afetividade, moralidade, ética, enfim. Além das já aludidas, lingüística, semiologia, antropologia, sociologia, história, geografia, pedagogia, ciências do direito, todas essas ciências humanas que me vêm à lembrança têm estudado a comunicação.

Não foi meu objetivo aqui discutir a idéia de sociedade da informação ou conhecimento (Castells fala em sociedade em rede e outros usam outros termos). Há visões negativas e otimistas sobre o conceito de sociedade da informação. Provavelmente as visões pessimistas não são dominantes. Enfatizar a noção de sociedade da informação foi um meio de realçar tanto a importância da revolução das comunicações como o movimento social real que questiona a atual estrutura global da comunicação social.

A bandeira dos direitos à comunicação, dos direitos humanos universais, há de se harmonizar com o ideal humanista e renascentista do homo universalis, e de contribuir para superar o atual padrão excludente do sistema capitalista internacional. A estrutura de comunicação social orientada para o mercado é comprovadamente excludente, oligopólica ou monopolista, ao passo que orientada para a cidadania embute a vocação de ser inclusiva. Os profissionais de comunicação deveriam ser formados na perspectiva da cidadania; afinal, a educação deve servir ao interesse público e à promoção do bem-estar, enquanto o mercado liberal desregulamentado é sabidamente promotor de desigualdades.

Trata-se de construir uma sociedade da informação e de portadores de direitos humanos de comunicação do século 21 que realize os ideais de pluralidade de proprietários e diversidade de idéias, propiciando ao público condições jurídico-políticas e materiais para tanto e, assim, superar a atual contradição entre revolução tecnológica e bem-estar coletivo.

Forças relevantes da sociedade civil global levantam a bandeira de uma comunicação voltada para o desenvolvimento da cidadania, que subordine a iniciativa privada a esse princípio e supere o atual sistema neoliberal de comunicação social. Nova economia, nova educação, novas formas de organização da sociedade civil (que agora é mundial), novas formas de governança internacional, nova globalização, nova cidadania, novos direitos à comunicação.

Não dá para esperar dos conglomerados das comunicações e das TICs a concessão de espaços para a diversidade de idéias e expressões culturais e o seu apoio ao conhecimento livre e à quebra das patentes. Estas conquistas dependem da pluralidade de proprietários e do acesso livre ao conhecimento que os novos direitos à informação e comunicação precisam garantir, desdobrando-se em políticas públicas inclusivas, implementadas com base em mudanças jurídicas no marco regulatório da comunicação social, da propriedade intelectual etc.

Abre-se aí todo um espaço criativo, com base em experiências já existentes e por vir, tanto para a geração e multiplicação de novos sujeitos sociais proprietários de mídia como de possibilidades de se compartilhar conhecimento livre.

Falando sobre os direitos humanos, Bobbio diz algo muito importante e útil:

‘Não temos o poder de prever se a realização desses ideais está próxima ou distante. Está em nosso dever carregar a nossa pedra, por menor que seja, para a construção do grande edifício’.

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Professor do Unicentro Belas Artes de São Paulo e membro do Instituto Ágora em Defesa do Eleitor e da Democracia