Semana passada, vi na TV a entrevista de uma dona-de-casa a respeito da conveniência dos fabricantes investirem em melhores embalagens para os seus produtos. Em seu depoimento, ela apoiava a medida calcada em argumentos – e embalagens –, apontando a ineficiência de muitas delas na proteção ao produto, na dificuldade de seu armazenamento e outros parâmetros indicadores do zelo com que as mulheres cuidam da saúde de sua família e administração de seu lar.
Na edição de 26/1, a revista Veja traz matéria de meia página revelando que ‘os supermercados só passaram a ter lucros com os produtos de suas marcas quando investiram em embalagens’, e que ‘melhorar a aparência de suas mercadorias também é um dos principais problemas dos pequenos fabricantes’. Por isso, o Sebrae teria lançado uma linha de crédito para ajudá-los a aprimorar suas embalagens.
Tudo parece estar sendo organizado da melhor maneira possível. A consumidora se queixa da qualidade das embalagens e dá preferência a embalagens de aparência mais sofisticada no ponto de venda; a empresa decide investir ‘para satisfazê-la’ e aumenta a sua margem de lucro em função disso; e o Sebrae oferece crédito para que as empresas menores possam também entrar nesta corrida rumo à melhoria e ao aumento de vendas e lucros.
Esqueceram de contar
Acontece que esqueceram de contar aos consumidores que a proporção que estas embalagens representam no lixo doméstico produzido diariamente não é desprezível.
O arquiteto Gilson Lameira de Lima compara a proporção que essas embalagens representam em grandes metrópoles, comparando São Paulo, com Paris e Amsterdã. No gráfico abaixo, podemos inferir a somatória do papelão, plástico duro, latinhas, vidros, metais e trapos – que totalizam 52% do lixo doméstico, na classe média.
A coleta e tratamento de lixo consomem um orçamento significativo em São Paulo. Em 2002, a cidade consumia 451 milhões de reais (cerca de 5% do orçamento municipal) para os serviços de limpeza pública. Metade desses recursos são gastos pelo sistema de coleta, tratamento e destino final do lixo e a outra metade, pelo serviço de limpeza (varrição de ruas e espaços públicos e serviços gerais de limpeza urbana)
Plantamos e derrubamos árvores e usamos derivados de petróleo para produzir toneladas de embalagens que, por sua vez, produzem toneladas de lixo ao qual o poder local tem que dar algum destino, ignorado pela enorme maioria da população.
Sabemos que classes sociais distintas geram quantidades distintas de lixo – o poder de consumo diferenciado determina não só a quantidade de lixo gerada, como também determina as condições para tratá-lo adequadamente (em casas mais abastadas sobram saquinhos para acomodar o lixo – o que não ocorre nos lares mais modestos, onde o consumo é menor).
Mas não há informação objetiva, ao alcance efetivo dos cidadãos e consumidores, que responda às suas indagações e curiosidade acerca do lixo gerado e de seu destino, e que permitam uma contribuição efetiva na solução do problema.
A dona-de-casa, sempre que tem informação, clareza e disponibilidade do serviço de coleta seletiva, se dispõe a separar o lixo, visando o seu reaproveitamento e diminuição do problema. Entretanto, tal disposição é pouco aprofundada na mídia e, muitas vezes, é até objeto de distorções – como, por exemplo, em campanhas eleitoras explora-se apenas o custo da coleta, sem discutir o seu custo social e ambiental.
Esqueceram de contar – 2
Antes de sensibilizar e envolver as donas-de-casa quanto à conveniência de melhorar as embalagens, esqueceram de lhes contar também o quanto esse item incide no preço final dos produtos que ela compra.
Assim, ainda segundo a mesma matéria da Veja, o custo da embalagem representa:
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85% do preço da água mineral engarrafada**
70% do preço da ervilha ou milho em conserva**
60% do preço do xampu**
50% do preço do óleo de soja**
30% do preço do leite longa vida**
25% do preço dos alimentos congelados**
20% do preço da cerveja**
15% do preço dos brinquedosE este custo adicional não decorre da necessidade de proteção adequada dos produtos, mas também da beleza da embalagem, do valor que agrega à imagem de qualidade dos produtos, do seu impacto no ponto de venda, e da disposição que desperta, na consumidora, de pagar mais pelo produto.
Se em vez de lançar mão desses artifícios de valorização de seus produtos os fabricantes (e a mídia) informassem as consumidoras do quanto economizariam nas suas compras se abrissem mão destes embelezamentos, as consumidoras – devidamente informadas e reasseguradas quanto à qualidade e conservação dos produtos adquiridos – não teriam dúvida em optar por mais economia e pela contribuição na solução dos problemas ambientais, por meio do volume de lixo produzido.
Se as consumidoras (e uso o feminino pois as mulheres, em sua função de donas-de-casa, são responsáveis por 80% do consumo no país) fossem devida e efetivamente informadas sobre as reais condições que cercam a produção e marketing da sedução que as mobiliza para o consumo, poderiam continuar a exercê-lo de forma mais consciente, responsável e sustentável.
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Psicóloga e pesquisadora do Instituto Opinião