Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Visões sobre a profissão no século 21

A seguir estão os resultados gerais de minha enquete com 624 jornalistas de todo o Brasil feita em 2009. O estudo será publicado este ano no livro The Global Journalist, editado pelo veterano pesquisador David Weaver. Aqui vai um resumo de alguns dados que fazem parte do capítulo sobre o Brasil. O conteúdo da pesquisa será apresentado em julho de 2010 na conferência da Association for Media and Communication Research (IAMCR), em Braga, Portugal.

A enquete foi enviada por e-mail para 1.000 jornalistas de todo o país, incluindo aqueles que trabalhavam full time em todo o tipo de mídia e em assessorias de imprensa. No total, foram enviados convites para participar da pesquisa a profissionais de 48 jornais, 62 revistas, 8 redes de televisão e radio, 25 portais, 200 assessorias de imprensa e 18 escritórios de imprensa de órgãos do governo em 26 estados. O questionário foi montado com a ajuda de um software chamado Survey Monkey, que também ajuda na análise estatística dos resultados.

Identificação política

A enquete foi respondida por um número equilibrado de homens (51,7% ) e mulheres (48,3%). Entre os que responderam à enquete, quase 40% trabalham em jornais, 12% em televisão, outros 12% em assessorias de imprensa privadas, 11% em publicações online, 8% em revistas, 6,4% em assessorias de comunicação em empresas públicas, 2,4% em agências de notícias e 1,6% em rádio. No total, 27% trabalham como repórteres, 15,9% como editores, 15,7% como consultores ou assessores, 6,2% como colunistas, 6% como editores executivos, e 5,6% como editores-assistentes. Os outros 23,6% foram enquadrados na categoria ‘outros cargos’, incluindo correspondentes estrangeiros, editorialistas, âncoras e produtores de noticiários. A maioria trabalha full time (80%) e 43,4% produz conteúdo para mais de um veículo de uma mesma empresa. Um número equivalente de homens e mulheres trabalha como editores, mas mais mulheres estão nas redações como repórteres, enquanto mais homens trabalham como repórteres especiais, colunistas, diretores de redação, editorialistas e correspondentes estrangeiros. Há mais mulheres nas assessorias de imprensa, estações de TV e revistas; e mais homens em jornais diários, publicações online e estações de rádio.

Os resultados demográficos mostram que 51% são casados, têm em média dois filhos e em média 16 anos de experiência profissional. As mulheres predominam entre os solteiros. A idade média dos profissionais é de 39 anos. Os homens tendem a ser um pouco mais velhos (42 anos) e as mulheres, mais jovens (36 anos). Os jornalistas autônomos tendem a ser mais velhos e os que trabalham em empresas online tendem a ser mais jovens. Um terço dos profissionais pesquisados tem curso de pós-graduação, sendo que mais mulheres do que homens estavam estudando quando responderam à pesquisa. Cerca de 20% começaram um curso de pós-graduação, mas desistiram.

Politicamente, 45,8% dos jornalistas se definem como sendo de esquerda (resultado semelhante à minha pesquisa realizada em 1998 com jornalistas de São Paulo) e 36,1% se definem como sendo de centro-esquerda, mas poucos se identificam com algum partido político, ao contrário do que registrei em 1998. Em 2009, 90,4% declararam não apoiar nenhum partido político; só 6,1% apoiam o PT e 3,5% apoiam o PSDB. A maioria não pertence a organizações profissionais (80,5%) e 38% são filiados à Fenaj.

Regras do noticiário são redefinidas

Cerca de 43% dos jornalistas estão satisfeitos com a profissão, principalmente os que trabalham em televisão (34,5%), órgãos do governo (31,3%) e em assessorias (31,2%). Os menos satisfeitos são os profissionais autônomos (28,1%) e os que trabalham em revistas (15%). Somente 10,5% se declaram totalmente insatisfeitos com a profissão. Mais homens (24,6%) do que mulheres (17,9%) estão satisfeitos profissionalmente. Os níveis de satisfação ou insatisfação profissional estão relacionados à não-obrigatoriedade do diploma de jornalismo, baixos salários, carga horária, oportunidades de crescer na empresa para a qual trabalham, falta de autonomia no trabalho, insegurança em relação ao emprego e interferências da linha editorial da empresa na produção de conteúdo.

O uso de novas tecnologias nas redações assusta os mais velhos e é motivo de satisfação profissional para os mais jovens. Um quarto dos que responderam à pesquisa se diz otimista sobre a profissão. A eliminação do diploma de jornalismo para atuar na profissão foi apontada como causa direta do pessimismo de 53,3% da amostra. Em relação ao diploma, 58% são a favor do requerimento, 36,6% contra e 5,3% não têm opinião a respeito.

Os jornalistas acreditam que a internet melhorou a distribuição rápida da informação (98,1%), a participação do público (92,1%), a variedade no noticiário (78,8%) e o acesso às fontes (65,1%). Entretanto, a maioria acha que a internet diminuiu a precisão no noticiário (76%), a credibilidade do noticiário (75,1%), a responsabilidade jornalística (74%), o jornalismo investigativo de qualidade (71,5%), e a qualidade da análise jornalística (62,8%). Além disso, a maioria (79 %) acha que a internet multiplicou a opinião no jornalismo.

Nas questões abertas, os jornalistas manifestaram o que muitos profissionais discutem no mundo inteiro: a internet aumentou a independência e a democratização da notícia, mas também multiplicou o jornalismo de celebridade (também chamado de infotainment) e o jornalismo de press release. Muitos reclamaram que as empresas de jornalismo online publicam as mesmas notícias em estilos semelhantes para um público que presta pouca atenção ao que acontece no mundo.

No dia-a-dia, os jornalistas usam a internet para ler noticias (86,9%) e lidar com press releases (72%). Dois terços da amostra buscam por nomes, endereços, fontes e informação específica para a produção de notícias e reportagens. Poucos escutam webcasts ou assistem a vídeos online (17,5 %); só 10,5% usam programas de análise de dados como o Excel e 9,2% fazem entrevistas por email.

Embora muitos dos recursos oferecidos pela internet ainda sejam pouco utilizados, os jornalistas entrevistados são fãs da chamada social media: 51,2% mantêm blogs, 67,6% usam Instant Messenger, 65,1% usam programas como Facebook e Orkut e 46,2% estão no Twitter. Um terço da amostra acha que os blogs estão redefinindo as regras do noticiário e quase a metade dos entrevistados acredita que os blogs oferecem mais análise e dão mais furos que a mídia tradicional.

Questões fechadas e questões abertas

Como em pesquisas anteriores e em sintonia com jornalistas de outros países, os entrevistados acreditam que o papel da mídia é o de investigar e interpretar os fatos, principalmente os que se referem às ações do governo (79%) e aos grandes problemas nacionais (72,2%). A discussão de temas políticos aparece em terceiro lugar, como indicaram 63,4% da amostra; a discussão de grandes problemas internacionais aparece em quarto lugar (54,8%), e a necessidade de motivar os cidadãos a discutirem temas de interesse público aparece em quinto lugar (51,4%).

Dividida em vários segmentos, a enquete investigou ainda a opinião dos jornalistas sobre liberdade de imprensa, ética, censura e outros aspectos. O questionário oferecia diferentes afirmações sobre as quais os jornalistas deveriam indicar se concordavam ou discordavam. As opções que variam de ‘concordo muito’ a ‘discordo muito’ são parte da terminologia universalmente utilizada em enquetes para medir a percepção das pessoas sobre diferentes temas. Só 9,4% dos jornalistas concordaram muito com a afirmação de que o jornalismo brasileiro segue as normas éticas e 55,7% concordaram um pouco. Em suma, dois terços concordam com a afirmação e aproximadamente um terço discorda.

Além disso, 89,5% concordam que existe autocensura nas empresas jornalísticas enquanto 10,5% discordam; 73,6% dos profissionais concordam que o jornalista brasileiro é sensacionalista e 26,4% discordam; 74,1% concordam que o jornalismo brasileiro é superficial e 26% discordam; 74,9% concordam que o jornalismo brasileiro é exercido com responsabilidade e 25,1% discordam; e 46,9% concordam que as empresas jornalísticas são independentes e 53,1% discordam dessa afirmação.

Os dados aqui apresentados são apenas um resumo de uma ampla pesquisa e devem ser analisados em contexto. A enquete foi realizada na segunda metade de 2000, via online, e incluiu questões fechadas de múltipla escolha e questões abertas onde os jornalistas manifestaram sua opinião, seguindo os padrões de pesquisa científica neste campo. Aproveito para agradecer a todos que participaram desta pesquisa e estou à disposição para a produção de análises mais detalhadas, apresentações e debates sobre os resultados.

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Jornalista e professora de Jornalismo da California State University de Long Beach