O presidente Lula tem o direito de fazer as suas escolhas. Da nomeação de seus colaboradores imediatos à decisão de quem deve disputar o comando da nação pela sua coligação partidária, como seu sucessor. Mas quando se trata de ocupação de espaço público por representantes da sociedade civil num regime democrático, presume-se que esse deva ser regido por alguns princípios. Semana passada ele usou de suas prerrogativas para nomear novos membros para o Conselho Curador da Empresa Brasileira de Comunicação: dois representantes de interesses patronais e de trabalhadores da mídia (ambos homens) e uma mulher – indicativos aparentes de critérios de ‘conciliação de interesses de classe’ e ‘gênero’. Com essa fórmula ‘democrática e simples’, o presidente Lula excluiu a possibilidade de ter no CC da EBC uma representação qualificada de gênero e raça ao mesmo tempo.
A EBC é um dos órgãos que regem a comunicação pública do país, formada pela TV Pública, oito emissoras de rádio e uma radioagência, e gerida por um Conselho Curador – o espaço de participação da sociedade em sua gestão, composto por 22 membros, dos quais 15 da sociedade civil. Este ano, desde que foi criada em 2007, a empresa lançou, pela primeira vez, um edital para receber indicações da sociedade para preenchimento de três vagas de mandatos expirados.
Objeto da notícia
Longe de desferir qualquer dúvida sobre a capacidade, respeito e reconhecimento dos três nomes escolhidos pelo presidente da República, dentre os nove que recebeu em três listas tríplices: o jornalista Mário Augusto Jakobskind, do conselho editorial do jornal Brasil de Fato, indicado pela Associação Brasileira de Imprensa; o engenheiro Takashi Tome, da Fundação Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), indicado por 12 entidades; e a jornalista Ana Veloso, professora da Universidade Católica de Pernambuco, a mais votada, indicada por 15 entidades.
Mas apesar também da forte rede social de apoio a suas candidaturas e de expressiva votação entre 47 nomes indicados por 65 organizações diversas, duas concorrentes em lista tríplice, com respeitáveis biografias, membros de fóruns de comunicação, ficaram de fora: as jornalistas Jacira Silva, integrante da Comissão Nacional de Jornalistas Pela Igualdade Racial (Cojira), indicada por dez entidades; e Nilza Iraci Silva, presidente do Geledés (ONG criada sob a inspiração da antiga sociedade de poder de mulheres africanas equivalente à Ogboni, dos homens africanos, por sua vez equivalente à Maçonaria no Ocidente), indicada por sete entidades. Iraci foi finalista do Prêmio Internacional de Trabalho Social pela Comunicação no Festival Internacional de Jornalismo (Umbria).
Jacira ou Nilza poderiam fazer a diferença no CC da EBC. A presença delas no colegiado representaria um alento contra um contexto em que meios de comunicação continuam a estigmatizar a população afrodescendente alimentando o imaginário da população brasileira com a disseminação de idéias de existência de uma superioridade racial. Essa realidade vem se perpetuando com o negro como mero objeto na notícia e na indústria do entretenimento, vinculado à marginalidade social onde é maioria e pela presença rara de profissionais negros pautando e ou apresentando notícias.
Oportunidade perdida
Inquestionável que o governo Lula adotou políticas públicas de ações afirmativas, a exemplo da criação de novas estruturas, como a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). Houve avanços de marcos legais com as cotas em universidades públicas, a obrigatoriedade do ensino da história da África nas escolas e a política de titulação e demarcação de terras quilombolas. Mas na questão CC-EBC, a caneta do presidente deixou em segundo plano parte das aspirações por políticas públicas de comunicação inclusivas, defendidas pelo movimento Enegrecer Confecom na Conferência Nacional de Comunicação – realizada em dezembro 2009 – quando foram aprovadas por consenso as mais de 100 propostas que dizem respeito à promoção na mídia da diversidade cultural, religiosa, étnico-racial, de gênero, orientação sexual e outras no GT 15, que discutiu cidadania, direitos e deveres.
Lamentamos a lacuna que, se preenchida, alavancaria políticas púbicas compensatórias e afirmativas na esfera da comunicação, no sentido de dar visibilidade cidadã a segmentos sociais historicamente alijados. Também pontuamos que a sociedade brasileira perdeu a oportunidade de dar um passo a mais para enfrentar o racismo institucional, que tem tido efeitos perversos sobre a população e especialmente sobre as mulheres negras.
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Respectivamente, editora geral da Alaionline e repórter de Política do Jornal de Brasília, integrantes da COJIRA – Comissão Nacional de Jornalistas Pela Igualdade Racial