A questão da qualidade e dimensão da produtividade acadêmica vem tomando a atenção dos pesquisadores nos últimos tempos, especialmente depois que foi instaurado o sistema Qualis da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). Desde então, a comunidade vem enfrentando o assunto tendo sido desencadeado processo de discussão nas distintas áreas científicas. Atentos aos padrões instaurados, pesquisadores (sobretudo de instituições públicas) publicaram manifestações que despontaram no seio acadêmico, mas o tema também aparece na mídia. Recentemente, um colunista da Folha de S.Paulo publicou considerações abrangentes e que causaram debates em alguns cenários acadêmicos. Contraponho suas idéias com alguns pontos argumentativos diversos [ver ‘O fetiche da quantidade‘, de Renato Mezan, 9/5/2010 (para assinantes)].
No texto, o autor apresenta argumentos falando de cientistas que, depois de longa maturação, apresentaram o Teorema de Fermat e o que acabou conhecido como a ‘pergunta de Needham’ (poderia ter incluído Newton, Planck e Einstein).
Patentes e copyright
Em primeiro lugar, é difícil aceitar que os dois exemplos possam ser representativos da ciência como um todo. É sabido que, de forma absolutamente contrária, os cientistas vêm produzindo fertilmente em múltiplos cenários e em tempos infinitamente menores que aqueles praticados pelos pesquisadores citados no artigo (30 anos). Os exemplos elencados no mesmo não são, objetivamente, úteis para justificar o tempo despendido nas demais pesquisas, pois soa como inverossímil imaginar que toda a ciência deveria demorar tanto tempo e ser tão difícil de ser elaborada.
Os mesmos se encaixam melhor como exceções à regra, sendo inseguro aceitar que os mesmos possam ser válidos para toda a produção científica, muito menos nos tempos da economia globalizada como a dos dias atuais. Se assim não fosse, não seriam descobertas soluções amplas que aliviam a condição humana (remédios, vacinas, telecomunicações, informática, transportes, instrumentos e processos científicos de toda ordem, utensílios domésticos etc.) e facilitam e melhoram a vida no mundo real. O que parece ser reluzente aqui é a velha discussão sobre as diferentes formas de realizar pesquisas. Na velocidade dos avanços científicos presentes no mundo contemporâneo real, para mim, aceitar tal tempo para as descobertas torna-se racionalmente injustificável.
Usar estes dois exemplos para justificar que a vida acadêmica no Brasil atual é desumana, desequilibrada e injusta (pelas políticas atuais da Capes) é outro caminho argumentativo inadequado. Nas sociedades acadêmicas de países do primeiro mundo permanece fortemente presente o princípio da contínua disputa e concreta luta pela conquista de descobertas novas e alavancadoras do conhecimento nas distintas áreas cientificas. O desafio do publish or perish está em prática em todos os centros do conhecimento e define quem participa da pesquisa de ponta, valorizando e destacando os cientistas (e as verbas) que são avaliados exclusivamente pelos índices alcançados em suas pesquisas e a repercussão científica dessa. Frágil recusar isto e mesmo ingenuidade achar que se deve ir em outra direção.
Na fertilíssima bibliografia existente no mundo moderno e presente na sociedade tecnológica em que estamos imersos fica evidente –de forma irrecusável – o distanciamento do chamado mundo ‘emergente’ em relação aos países centrais, estes amplamente controladores da produção científica, justamente pela dinâmica concorrência existente. Isto está presente, de forma bem objetiva, no mundo das patentes e dos copyright, onde não existe chance para a produção que não seja inédita e de alta qualidade. E, no menor tempo possível.
Maior controle de verbas
O autor afirma no subtítulo que ‘Metas de produtividade e burocracia acadêmica diminuem o potencial de pesquisas acadêmicas’. A afirmação é precipitada e não é essencialmente justa, uma vez que uma coisa não inviabiliza a outra. Por isto, a afirmação induz a descolamento dos processos acadêmicos e faz aflorar indicativo de viés argumentativo perigoso. Está o autor sugerindo que o caminho é produzir menos ciência como sustenta em sua tese de que a definição de metas e o controle travam o processo da produção científica? O mesmo entende que é justamente o estabelecimento de metas para a produtividade acadêmica e as distintas formas de seu controle que acorrentam a descoberta científica qualificada? Não dá para entender onde alicerça tal postulado. Aliás, tal raciocínio sinaliza que os pesquisadores poderiam então, ser apoiados e receber os recursos (do Estado) sem dar satisfações (ao órgão financiador), sem produzir (conhecimento relevante, avaliado pelos pares) e sem elaborar trabalhos consistentes em número e em qualidade? E em tempo programado?
Na direção contrária, resta perguntar: o que se deve fazer caso se deseje crescer e alcançar melhores patamares científicos? É justificável deixar como estava, quando os índices de produtividade nacionais mal podiam ser comparados com aqueles de outros países? Será que não fica evidente que o incremento da produção científica e o atingimento de patamares melhores vêm se dando justamente por que os mecanismos de controle –e seu reconhecimento- científicos vêm sendo aperfeiçoados, pois são, hoje, muito mais rígidos e seguros que tempos atrás? Isto não é reflexo justamente do maior controle das verbas e da exigência de resultados qualificados, tendo em vista o investimento feito? Irrecusável aceitar que o mundo é forjado pela competição, onde se sobressaem os mais aptos. Não vejo por que resgatar as teorias científicas para entender o mundo dos mais competentes.
Regras e métodos claros e lógicos
Ainda com relação ao artigo, a parte final (Monumento) é precipitada, pois defende abertamente o não controle da produção e dos investimentos feitos nos pesquisadores, permitindo a este(s) o tempo necessário (mesmo 30 anos!) para que apresentem suas eventuais descobertas. Qual a segurança que se tem, uma vez que muitos poderão usar este tempo e não apresentar nada relevante no final? E mais preocupante: se não houver alguma (esta sim é a questão central!) forma de controle e demonstração dos avanços que o pesquisador conquistou em virtude de ter recebido recursos para perseguir (mesmo os relatórios dos fracassos valem!) como ficam os padrões de CT&I do país?
O acrônimo indica ciência, tecnologia e inovação. Se não houver lógica e procedimentos seguros e controlados como praticar ciência, como avançar nas múltiplas tecnologias e, muito mais delicado, como alcançar as inovações? Se não observarem processos e métodos acordados com a comunidade, pergunta-se como é que estes cientistas ‘sem compromissos’ poderão contribuir efetivamente para a melhoria destes padrões científicos? Aqueles que recebem recursos para se isolar em suas pesquisas não têm compromisso algum com a sociedade que os financia? E como fica o compromisso do pesquisador com a ciência? E como justificar os investimentos do Estado no incremento do conhecimento? Resta apontar que estes são recursos que não foram aplicados em outros setores da economia e da vida social.
A essência destas reflexões nos incita na direção de pensar que pode estar subjacente a idéia de um ‘jeitinho’ apadrinhador para pesquisadores ‘sem compromissos com resultados’ placidamente inseridos fora do eixo científico do primeiro mundo, para que estes não atrapalhem e não concorram no território globalizado qualificado. Se não se deve controlar (produtividade) e fazer ciência organizadamente (burocracia) que caminho então o país deve trilhar? Se defendem que estes princípios não devem estar nos métodos de financiamento e distinção, parecem insinuar que os países ‘emergentes’ não devem fazer pesquisa, uma vez que seus pesquisadores podem atrapalhar aqueles dos países ‘centrais’. Parece que é isto que justificam, pois está subentendido que, sem relatórios e planejamento, está liberado para tempos largos, liberando-se das ‘amarras’ das formas de controle, enquanto nos países centrais são descobertas as soluções científicas e conquistadas as patentes. Definitivamente, assento minha compreensão na direção exatamente contrária a este modelo, pois me convence o princípio de que se não houver mecanismos sérios e responsáveis de controle e aferição não vale a pena pensar em pesquisa – muito menos financiá-las – pois é seguro que estas não trarão os avanços científicos desejados, em tempo competitivo.
Por isto tudo, entendo ser justo e necessário que existam formas claras de controle e aferição da dedicação e da produção, desde que estes processos sejam aplicados com regras e métodos claros e lógicos, e definidos de acordo com padrões de excelência científica e aplicabilidade social amplamente discutidos e semelhantes ao que de melhor existe no mundo cientifico externo. Dessa forma, pode-se entender que o primeiro patamar nesta dimensão está sendo alcançado e é o que as agências de fomento vêm fazendo e aplicando.
******
Doutor em Comunicação pela ECA-USP, coordenador do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo