‘Sai do armário, Folha.’ A provocação, de um leitor de Brasília, não tem nada a ver com gays: convencido de que o jornal é tucano, ele propõe que apoie explicitamente José Serra na eleição. O e-mail foi enviado no domingo passado, às 8h47, provavelmente logo depois que o remetente leu o texto ‘Folha reafirma princípios editoriais’.
A reportagem caiu do céu. Sem apontar nenhum fato novo, dizia que os pontos básicos do projeto editorial -ser crítico, apartidário, moderno e pluralista- continuam valendo na cobertura eleitoral.
‘Com o fim da Copa, as eleições monopolizaram o noticiário. Como o ambiente tende a se polarizar cada vez mais, o jornal avaliou que era um bom momento para reafirmar seus princípios editoriais’, explica Sérgio Dávila, editor-executivo.
A reação não foi animadora: das 25 mensagens recebidas pela ombudsman, 24 acusavam o jornal de ser tucano e 1 de ser petista.
‘Muito interessante que, nessa mesma edição, o primeiro caderno seja uma prova contundente de negação dos princípios editoriais’, escreveu Dagmar Zibas, 73.
A professora esperava que ‘o jornal reservasse espaços iguais para os principais candidatos’, mas encontrou, ‘com destaque, as calúnias do vice do PSDB, as críticas de Serra ao governo, com direito a foto com criancinha e, sobre Dilma, apenas uma imagem’.
A advogada Neli Aparecida de Faria, 57, que vai anular o voto em outubro, vê o oposto. ‘O pedaço da Dilma é sempre maior que o do Serra’, diz Neli, que acha que a Folha apoia ‘sub-repticiamente’ o PT.
A noção de que equilíbrio jornalístico implica dar espaços iguais e notícias positivas e negativas na mesma quantidade aparece em muitos questionamentos de leitores. Embora seja um parâmetro na avaliação de uma cobertura, fazer desse critério uma meta engessa o noticiário e o deixa anódino, como acontece em muitos telejornais
Nem sempre é fácil avaliar qualitativamente cada notícia. As reportagens sobre as declarações de Indio da Costa, ligando o PT às Farc, foram vistas como ruins para Dilma por reforçarem um ‘preconceito’, mas também como prejudiciais ao PSDB por mostrarem ‘despreparo’ daquele que pode vir a ser vice-presidente da República.
O produtor Nonato Viegas, 25, passou uma semana contando quantas notícias favoráveis havia para cada candidato e chegou a três vezes mais títulos contra Dilma do que contra Serra. ‘Acho legal governante ser cobrado, que haja uma mídia forte, crítica, mas tem de ser honesta’, afirma.
‘Honestidade’, para esses leitores, seria a Folha defender em editorial um candidato, como fez o ‘New York Times’ com Barack Obama, mas o jornal afirma não apoiar ninguém.
Simplesmente brandir palavras de ordem de um projeto editorial de 1984, como fez domingo, é pregar para convertidos: quem já acreditava na neutralidade da Folha continuou acreditando. Quem desconfia do jornal viu na reedição dos princípios editoriais hipocrisia. ‘A inclinação partidária da Folha é tão evidente que dizer o contrário é zombar da nossa inteligência’, reagiu um leitor.
Para ser considerado neutro, o jornal tem que provar, até outubro, seus princípios a cada dia.
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Santo de casa…
A Folha publicou na quinta-feira, com destaque, reportagem afirmando que 20% do eleitorado é analfabeto ou nunca foi à escola, com base em dados do Tribunal Superior Eleitoral. Só que os números do TSE são um retrato congelado do momento em que o brasileiro tira o título de eleitor. Um estudante que tenha decidido votar aos 16 anos, ainda no ensino fundamental, e hoje esteja formado na faculdade aparecerá no TSE como ‘1º grau incompleto’.
O jornal usou um levantamento defasado quando tem à disposição números atuais, do Datafolha. A diferença não é pouca. A parcela da população com escolaridade mais alta -a partir do ensino médio completo- no TSE é 19,7%. No Datafolha, dá 42%. Os de baixa escolaridade, que não completaram o ensino fundamental, são mais da metade (53,5%) no TSE e 38% no Datafolha. A categoria de ‘lê e escreve, mas nunca foi à escola’ não é usada pelo instituto de pesquisa.