FORÇA DA REDE
Uma das matérias que mais tem repercutido nos meus feeds é da Wired sobre a Google e a CIA estarem em conjunto investindo em uma startup de monitoramento da web.
A Recorded Future tem a proposta de monitorar blogs, plataformas de redes sociais e microblogs para encontrar, identifcar e analisar relações entre pessoas, empresas, governos e incidentes. A intenção é que esses dados sejam utilizados para prever ações e comportamentos.
Ao que tudo indica, a startup fornece uma eficiente tecnologia para a inteligência militar e governamental. Recentemente, conseguiu prever uma possível ação do grupo radical Hezbollah.
Segundo a Wired, o relacionamento entre a Google e o governo dos EUA não é de hoje, assim como o investimento da empresa de busca em agências americanas de segurança e espionagem. A Google já prestou consultoria e vendeu tecnologias para algumas delas.
Além do relacionamento tênue entre a Google e o governo de Obama, esse caso CIA + Google + Recorded Future demonstra duas coisas:
1) O interesse cada vez mais crescente das agências de segurança pelas informações publicadas em blogs, microblogs e redes sociais.
2) O fato de estarmos tão acostumados com o discurso de que a internet liberta as pessoas e derruba governos, que estranhamos vê-la ser utilizada como ferramenta militar e governamental.
Vale lembrar que a internet surgiu justamente para ser uma ferramenta militar/governamental. Uma plataforma de entrega/troca de informações que fosse mais eficiente que as outras (impresso, TV e rádio) e que se mantivesse intacta em caso de grandes tragédias ou ataques.
Depois é que veio esse viés ideológico e mais acadêmico de ‘contracultura’, de que ‘a internet liberta mentes e corações’, e, um pouco mais depois, a visão mais comercial e comum hoje em dia (internet é a melhor plataforma para unir marcas e consumidores).
De certa forma, esse investimento da Google e da CIA resgata um pouco esse lado da internet – como ferramenta militar e governamental.
COBRANÇA
Enquanto pessoas sem qualquer experiência ou formação na área de negócios afirmam que nenhum sistema de pagamento por conteúdo funciona na web, a Google está desenvolvendo um sistema de cobrança de conteúdo para publicações online.
A informação foi confirmada recentemente pelo La Repubblica e o WSJ.
No ano passado, o Nieman Lab, ligado à Universidade de Harvard, já tinha adiantado que a Google enviara à Associação de Jornais dos Estados Unidos uma proposta para a criação de uma tecnologia de pagamentos para jornais.
A Google parte do pressuposto de que parte das ideias de paywall não deram certo porque foram mal executadas. Cada site adotava um sistema, você era obrigado a fazer vários cadastros e a digitar diversas vezes o número do cartão de crédito. Facilidade não era o foco.
A intenção é que o sistema da Google (por enquanto, batizado de Newspass) seja único. Funcione em vários sites ao mesmo tempo tanto para micropagamentos quanto para assinaturas. Seja necessário apenas um cadastro com a digitação do número do cartão uma única vez.
Além disso, o sistema seria bem simples, parecido com o da iTunes. Você poderia comprar um artigo apenas com um clique (A ideia de micropagamentos existe há um bom tempo, mas a Apple, por meio da iTunes, foi a que melhor soube executá-la na web).
Interessante essa suposta movimentação da Google. Parece que algumas empresas expoentes do que ficou conhecido como Web 2.0 estão começando a sair do lugar comum e a entender que não é necessário criar ou esperar por um novo e mágico modelo de receita para a internet. Diversos modelos funcionarão ao mesmo tempo, de forma semelhante ao que acontece em outras plataformas, um mix entre serviços subsidiados por publicidade, assinaturas e micropagamentos.
VAZAMENTO
O Wikileaks ganhou, uma vez mais, a atenção das pessoas.
Neste domingo, o site publicou mais de 90 mil documentos secretos sobre as operações militares dos EUA, entre 2004 e 2009, no Afeganistão. Os documentos revelam detalhes nada positivos da atuação do exército americano no país, como mortes de civis não divulgadas.
A publicação dos relatórios mostra que algumas publicações estão tentando atender a uma das habilidades cada vez mais exigidas das equipes de jornalismo – conseguir transformar montanhas de dados em algo legível para os leitores.
NYTimes, Guardian e Der Spiegel receberam com antecedência de quase um mês os relatórios, que estavam em formatos como KML, CSV e SQl. A intenção era que eles tivessem tempo de analisá-los, checá-los e apresentá-los da forma mais atraente e legível aos leitores.
Por coincidência, o Wikileaks enviou as informações para duas das publicações que mais têm efetivamente trabalhado com a questão do jornalismo de dados.
Guardian, mais experiente em lidar com dados, foi o que melhor apresentou e contextualizou o material. Um infográfico interativo foi produzido. Cada relatório foi plotado em um mapa.
O NYTimes, por sua vez, preferiu montar uma reportagem grande com destaque aos casos mais polêmicos e links diretos para os documentos.
A revista Der Spiegel também optou pelos infográficos e chegou a fazer links para a ‘concorrência’. Ou seja, para as reportagens do Guardian e do NYTimes.
Para entender o Wikileaks, responsável pela divulgação dos documentos, é necessário conhecer um pouco o mantra de que ‘a informação quer ser livre’. No caso, os fins justificam os meios. O importante é que os documentos fiquem online e acessíveis a qualquer pessoa.
O Wikileaks surgiu em 2006, criado por Julian Assange, importante hacker e ativista da transparência pública na Austrália. Hoje o site é considerado uma organização internacional ligada à liberdade de expressão na web. Conta com uma equipe formada por jornalistas, matemáticos e dissidentes chineses responsáveis por fazer uma checagem inicial das dezenas de documentos sigilosos e denúncias que chegam ao site.
Na prática, funciona como ponte entre denunciantes e o público em geral. A pessoa envia os documentos ao Wikileaks, tem a sua identidade mantida em sigilo e as informações são tornadas públicas.
Concordo com Alexis Madrigal, editor do site da revista Atlantic. Apesar de ter servido de canal para importantes denúncias, como o vídeo da morte dos jornalistas da Reuters no Iraque, ainda é cedo para julgar o Wikileaks. Ninguém sabe com 100% de certeza o que ele é e como realmente funciona. Em princípio, parece que o seu interesse é público e não político em divulgar esse tipo de informação.
No caso dos documentos do Afeganistão, acredito que, no final das contas, o vazamento chamou mais atenção do que o próprio conteúdo dos relatórios.
Neste sentido, é um exagero, claro, acreditar que o Wikileaks substitui o trabalho de algumas publicações. Pelo contrário, ele exalta mais ainda o trabalho delas.
O próprio diretor do Wikileaks já afirmou que seu site sozinho não faz muita coisa. O Wikileaks nasceu no ambiente de informação da internet, onde coexistência é uma palavra importante.
No caso, o Wikileaks divulga apenas as informações brutas. Quem tem paciência ou tempo para analisar mais de 90 mil planilhas? É aí que entra a habilidade dos jornalistas e dos programadores-jornalistas de checar, analisar, questionar, mesclar (mashup) e tornar legíveis esses dados, seja em forma de infográficos, aplicativos ou mesmo uma reportagem em texto.
Acredito que o caso do vazamento dos relatórios do Afeganistão mostra um caminho que será cada vez mais comum. A publicação na web de informações brutas por parte de governos e organizações públicas e privadas. E o trabalho da imprensa em traduzir essa montanha de dados. Contudo, para isso, serão exigidas ‘novas’ habilidades das equipes de jornalismo, como noções de scraping (raspagem de dados), programação e uso de banco de dados.
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