Em agosto de 1979 foi criada a Associação Nacional de Jornais (ANJ), motivada pela reação do patronato à greve dos jornalistas de São Paulo, logo apoiada pelos cariocas, em maio do mesmo ano. Daquela época em diante, a discussão incipiente sobre a mídia, que havia nos anos 1970, passou a ser tabu nas redações, inclusive a própria greve daquele período não teve a mínima discussão e jamais foi mencionada pelos veículos, como se nunca tivesse ocorrido.
A ANJ passou a agir como rolo compressor, com medidas que jamais chegaram à sociedade, como a juvenilização das redações, as demissões em massa dos jornalistas mais experientes, o marketing se tornando o eixo das decisões, criando uma relação incestuosa entre os departamentos comercial, de circulação e editorial, culminando com o endividamento das empresas de comunicação, que de chapéu na mão foram pedir ajuda ao governo (BNDES), verbas públicas, para sair da crise galopante que ameaça o setor. Aliás, setor este que se acostumou a ganhar dinheiro fácil. Primeiro foram as verbas governamentais, subsídios, depois foram os classificados e os grandes anunciantes privados, e finalmente deixou de vender informação ao leitor e passou a vender influência. A atual crise é conseqüência direta da perda de credibilidade dos veículos na sociedade brasileira.
Outro fato relevante, que não dá para ser esquecido, é a pressão da ANJ, da década de 1990 em diante, sobre a Câmara dos Deputados para evitar a atualização da Lei de Imprensa, uma norma criada pela ditadura militar.
Este é um breve histórico da não muito nobre razão da criação da ANJ e de sua trajetória, que os leitores não vão ver nas páginas dos jornais.
No dia 14 de fevereiro, em São Paulo, a mesma ANJ, em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no Brasil, lançou a Rede em Defesa da Liberdade de Imprensa. Aparentemente, uma iniciativa que deveria ser recebida com entusiasmo pela sociedade brasileira, se não fosse a diferença oceânica que separa as razões e os conceitos de liberdade de imprensa das duas entidades, obviamente sem levar em conta o histórico de cada uma.
Legislação desatualizada
Segundo Bia Barbosa, jornalista da Agência Carta Maior (http://agenciacartamaior.uol.com.br/), Jorge Wertheim, representante da Unesco no Brasil, entende que a liberdade de imprensa só pode ocorrer com a democratização do acesso à informação, a inclusão digital, a formação de leitura crítica da mídia e que toda a sociedade tenha a liberdade de exprimir idéias e opiniões. Já para a ANJ, o conceito de liberdade de imprensa é bem outro: não suporta controle público da informação, democratização das comunicações e é avessa a dar voz a quem pensa diferente dos proprietários dos meios de comunicação.
É bom lembrar que a maioria dos 130 sócios da ANJ tem propriedade cruzada neste setor, isto é, controla ao mesmo tempo rádio, TV, jornal, revistas e sites. Segundo a própria ANJ, seis empresas controlam mais de 50% de toda a informação impressa que circula no Brasil. A Rede Globo cobre 99,84% do território nacional, a RBS, grupo que pertence à família do presidente da ANJ, Nelson Sirotsky, retransmissora da Globo, 99,7% do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, apenas para citar dois exemplos do que também ocorre nos demais estados brasileiros.
Embora seja sabido, não é demais lembrar o crescimento da mídia brasileira no período da ditadura militar, da qual foi parceira de primeira hora, inclusive recebendo os censores nas redações como figuras ilustres, no seu trabalho de censura à liberdade de imprensa.
O setor de comunicações no Brasil não atualiza sua legislação há 40 anos. Não há critério na distribuição de concessões, sua renovação é uma caixa-preta, a maioria das empresas está com dívidas no INSS, no FGTS, na Receita Federal, além das denúncias de remessa de dinheiro por contas CC5 a paraísos fiscais. Entretanto, parece estar imune à fiscalização. Este setor se tornou o primeiro poder no país: sua concentração é maior do que a da terra no Brasil, sem contar, é claro, com sua influência política, pois determinados grupos se comportam como verdadeiros partidos políticos.
Em Porto Alegre
A forma como a mídia se comportou contra o projeto do Conselho Federal dos Jornalistas (CFJ) mostra quão necessário é algum tipo de regulamentação, de controle público da informação e liberdade de expressão para idéias e pensamentos. Onde andam os ‘jornalistas independentes’ que ergueram suas penas em defesa da liberdade de imprensa? Não se deram conta do embuste da ANJ?
Por todos esses elementos, é que precisamos ficar céticos em relação à criação da Rede em Defesa da Liberdade de Imprensa, e suspeitar de que seja apenas a legitimação da ‘liberdade de empresa’, conforme disse Sirotsky, em ato falho, no lançamento da rede.
Em novembro de 2003, a revista Porém, de Porto Alegre, lançou um caderno especial, com sérias denúncias contra o Grupo RBS, pertencente ao presidente da ANJ, Nelson Sirotsky, que levou os participantes da Marcha dos Sem, 10 mil pessoas, a protestarem contra a empresa e a solicitarem esclarecimentos sobre tais denúncias e sobre a permanente criminalização dos movimentos sociais pelos veículos do grupo gaúcho.
Em abril a ANJ pretende lançar em Porto Alegre a Rede em Defesa da Liberdade de Imprensa. Quem está querendo enganar quem?
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Presidente do Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Sul